quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Primeira Marcha da Periferia de Florianópolis


Foto: Rubens Lopes

No dia 20 de novembro, a periferia de Florianópolis ocupou o centro da cidade para gritar contra o genocídio do povo negro. Já não é de hoje que, na guerra de classes vivida no Brasil, é o negro aquele que mais sofre. São negros os que são assassinados, 70% dos casos. São negros os que apodrecem nas prisões, 67% dos apenados. São negros os que são empurrados para a periferia, sem emprego, sem moradia, sem nada. A periferia é herdeira dos quilombos, lembraram os manifestantes, que se concentraram em frente à Catedral. Os quilombos eram espaços de liberdade que os negros foram construindo ao escaparem da escravidão. E, depois da libertação jurídica, sem terra e sem trabalho, também acabaram sendo espaço de organização e vida. Hoje, passado tanto tempo, o Brasil não superou a chaga da escravidão. E a liberdade é só formal. Sobrevive o preconceito e a discriminação. Por isso o grito segue sendo necessário. A Primeira Marcha da Periferia foi organizada pela CSP Conlutas, Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe, Quilombo Brasil e Islam Continente, e reuniu negros e indígenas. Para os que se reuniram nessa caminhada histórica, a luta só pode acabar quando chegar ao fim o sistema racista e capitalista que mata negros e índios há mais de cinco séculos.
A marcha também lembrou os ataques atuais, no governo Temer, como as reformas Trabalhista e da Previdência que aumentarão o desemprego e a miséria. Isso sem falar do ataque direto que esse governo faz aos quilombolas e indígenas, buscando retirar deles as terras conquistadas. Há que colocar abaixo esse governo e todas as suas contrarreformas. Fotos: Rubens Lopes

O jornalismo, a Pobres e o Rubens



Parceiros: na Rádio Campeche, no corpo a corpo com a vida

Nessa quinta, às 9h, no Curso de Jornalismo, o querido Rubens Lopes defende seu trabalho final, depois de cumprir uma longa caminhada para chegar ao jornalismo. Nascido em Santa do Alegre, no interior de Minas Gerais, seu destino poderia ser o de quase toda a gente trabalhadora dali: o campo. Tanto a vó, Rita, como a mãe, Edna já tinham trilhado esse caminho. Mas, ele era curioso demais e seus olhinhos vívidos estavam sempre procurando a vereda das gentes.

Vendendo picolé nas ruelas da cidade ele foi percebendo que Santana era um lugar cindido. Pobres e ricos muito bem demarcados. As camionetas dos latifundiários fazendo sombra às velhas bicicletas da gente rural. Depois, trabalhando numa floricultura, ele adentrou aos casarios da pequena burguesia e pode compará-los às moradias humildes daqueles que eram como ele. Na fábrica de leite, o contato com os demais trabalhadores lhe deu a verdadeira ideia do que é ser explorado até a última gota de sangue e ainda ser agradecido ao patrão. Histórias e histórias que lhe saltavam na cara, e que se remoíam dentro dele, sem saber como sair.

E foi para fazer esse parto que ele decidiu fazer o curso de Letras, que chegou à cidade justo quando ele terminou o segundo grau. Quem sabe, nos livros, ele não encontrava um jeito de fazer brotar aquela angústia que lhe tomava. Os estudos começaram, mas a inquietude não parava.

Foi então que ele se deparou com o exemplar do primeiro número da Pobres e Nojentas, uma revista de reportagem produzida em Florianópolis, pela tia do amigo Renato. Os textos que saltaram das páginas encontraram lugar no seu coração e ele soube que era aquilo que queria fazer. Narrar a vida das gentes que, como ele, andavam pelos caminhos fora do centro de poder.

Por essas coisas da vida o amigo Renato saiu de Santana, indo para Florianópolis seguir o seu sonho que era o de estudar música. Esse passo levou Rubens a também buscar o seu desejo maior. E ele embarcou de mala e pão-de-queijo para a capital catarina. O propósito era passar na Federal, no Curso de Jornalismo. E foi um duro processo. Mas, ele enfrentou cada pedra com fibra e decisão. Cabeça nos livros, pré-vestibular popular no Campeche, professora particular conseguida em permuta e lá foi ele. Tentou e não conseguiu. Tentou de novo e de novo. Então, passou.

Não foi um aluno comum. Bem antes de entrar no curso já tinha se engajado no Instituto de Estudos Latino-Americanos, onde foi realizando um lindo trabalho. Filmagens, fotografias, assistência técnica, carregador de mesas e livros. Cada pequena oportunidade de aprender ele agarrou, apaixonando-se cada dia pela América Latina. Também embarcou na viagem da Rádio Campeche, atuando como produtor e repórter do programa Campo de Peixe.

Como não podia deixar de ser, seu primeiro texto jornalístico foi publicado na revista Pobres e Nojentas. Falava de um trabalhador de Santana, sua gente nunca esquecida, então imortalizada pelas suas palavras. Ele encontrara seu lugar. Demorou para terminar o curso, não por mandrião. Mas, por excesso de vontades. Viajou pela Pátria Grande, fotografando as gentes, andou o Brasil todo no projeto Indígena Digital, fotografando e ensinando, querendo para os meninos e meninas que encontrava pelo caminho o mesmo destino que tivera: força para buscar o sonho. O jornalismo vibrava dentro dele e tudo aquilo que queria dizer e não sabia como, agora encontrava o caminho de se fazer.

Nesse dia 23 de novembro o Rubens encerra essa pequena jornada apresentando seu trabalho final de Jornalismo. É uma monografia sobre a revista Pobres e Nojentas, a publicação que orientou seu mundo. Na convivência com as jornalistas que conformam a revista ele solidificou seu projeto de ser e com elas tem caminhado em projetos diversos, sempre à margem, no jornalismo libertador. É um companheiro, um pobre e nojento como nós.

O menino de Santana agora tem o título com o qual sonhou por noites a fio. Mas sabe que o homem que ele  se tornou é mais do que o título que está chegando. Forjado nos caminhos vicinais ele prepara os alforjes para novas aventuras,  sempre posicionado do lado certo da história, com os trabalhadores, com os seus.

Eu, que por caminhos tortos acabei tendo participação nisso tudo, só posso me alegrar e compartilhar amorosamente desse momento estelar. Vai ser uma grande festa.

O ciclo termina, mas outro vem. E eu sei que lá irá o gafanhoto construir belezas.

Parceiros da vida, estaremos juntos. 


segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Derlei



Eu não a conhecia, mas já tinha escutado sobre ela. Então, ela me ligou, pedindo ajuda para divulgar um livro que havia escrito. Pedi que me mandasse 20 exemplares que tentaria vender também. Ela mandou. O livro chegou . “No corpo e na alma” era a narrativa de sua militância contra o golpe de 64. A luta no movimento estudantil, iniciada na UFSC, depois na Ação Católica, a clandestinidade, a prisão, a tortura e o exílio. Li de um único fôlego, entre lágrimas. Um relato sem véus de um tempo cruel, no qual jovens apaixonados pela vida e pela liberdade, deram seus melhores anos para defender o bem-viver. No relato de “Leila” ficava bem claro o compromisso que foi assumido para defender o Brasil e toda a gente da barbárie que representa um golpe militar.

Pouco tempo depois, no universo das lutas da cidade, eu a conheci pessoalmente. Parecia difícil crer que Leila era ela. Baixinha, risonha, amorosa e delicada. Mas, ao passar dos dias, ficava cada vez mais fácil ver a Leila na Derlei de Luca. Na luta para garantir a Verdade e a Memória era gigante e implacável. E foi assim que todos nós fomos conhecendo e convivendo com Derlei, acompanhando e compartilhando da luta para abertura de arquivos, na busca dos desaparecidos, na manutenção da lembrança dos que caíram, na perseguição da verdade.

O Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça, cujo nascedouro foi ainda no início dos anos 80, teve Derlei como sua primeira coordenadora e durante todo esse tempo foi impulsionado por ela. Estar com ela era caminhar com a história da resistência, era aprender, na prática, o conceito de não se entregar.

A Derlei agora não estará mais nas marchas, nem nas audiências, nem nos gabinetes, iluminando os caminhos e clamando por Justiça. Ela não estará. Encantou. Mas aquela força inquebrantável que a levou, jovenzinha ainda, para a luta contra a ditadura, permanece naqueles que com ela conviveram em todos esses  anos. Continuar a luta por Memória e Verdade, trincheira onde travou suas últimas batalhas, é o que temos de fazer, para honrar sua vida.

Memória, Verdade e Justiça, tanto ainda por conquistar. Mas, essa vereda construída e trilhada por Derlei seguirá aberta, para que todos nós caminhemos.

Foi uma linda vida, Derlei. E nós te agradecemos por tudo! Que bom que tivemos tempo para estar contigo, te abraçar e te dizer tudo isso. 

Caminhada pela Verdade - 2014