sexta-feira, 10 de novembro de 2017

UFSC: nada está normal!



Nessa sexta-feira, técnico-administrativos, professores e estudantes realizaram uma assembleia conjunta para discutir as ameaças que pairam sobre a universidade e sobre os trabalhadores.

Um olhar desavisado diria: tudo está normal. Os pró-reitores todos trabalhando, o reitor interino também, o Áureo passeando pelo saguão, algumas pessoas indo e vindo das salas da reitoria, e num dos lados do hall, as três categorias, em número não muito significativo, expressando a pouca mobilização, discutindo a conjuntura e buscando caminhos para sacudir a UFSC.

Motivos não faltam. O governo Temer vem desmontando o serviço público desde o congelamento dos investimentos, e agora promete diminuir salários, retirar direitos e quem sabe, de quebra, privatizar um pouco mais essa já combalida instituição.

Ora, isso é a normalidade.

Não, não é!

No saguão da UFSC, onde se desenrolam todas essas cenas, há uma presença, que interpela e exige. É a presença de Cau Cancelier, o reitor. Impossível não sentir. Há pouco mais de um mês ele saltou para a morte, não suportando o peso da acusação de ser um “criminoso”, responsável por obstruir o trabalho de investigação sobre uso indevido de recursos.

A operação da Polícia Federal, que infligiu ao reitor uma absurda e desnecessária humilhação, até agora nada disse sobre as acusações. Eram verdadeiras? Eram falsas? Nada!  A comunidade segue no escuro. Só no dia 27 de outubro , quase dois meses depois da malfada ação, o Conselho Universitário finalmente montou uma comissão para investigar os fatos relacionados ao processo que deu origem a operação ouvidos moucos. A equipe, que conta com dois professores, dois estudantes e dois técnicos, terá 30 dias para apresentar a conclusão dos trabalhos. Assim, até o dia 27 de novembro, a comunidade seguirá às escuras.

Então, nada está normal na UFSC, apesar da aparente tranquilidade.

Um homem morreu. E os outros professores e técnicos que foram presos também, acusados de malversar dinheiro, seguem vivendo a agonia do desterro da UFSC. Quem pode esquecê-los? Eu não. Os via todos os dias no corredor do meu Centro, pertencem ao meu mundo cotidiano. Lembro e me preocupo, ainda que mal os conheça. Quantos não estarão também com a alma em escombros?

Tem um mistério aí para se revelar. E a UFSC é a que precisa fazer isso. Esclarecer a sua comunidade, interna e externa, sobre o que aconteceu, e que levou à ainda dolorosa ausência do reitor.  Que isso não tarde. Há que restituir à memória de Cau a sua dignidade. A UFSC deve isso a ele.

Por isso, nada está normal na UFSC.

Hoje, observando os mesmos lutadores de sempre, na cotidiana batalha de informar e formar, contra vento e maré, acerca dos grandes desafios que estão postos para nós, trabalhadores e estudantes, me veio essa terrível sensação:  nada está normal. Nada está bem. Nada está como sempre foi.

Há que reconstituir essa alma despedaçada da UFSC. E isso é trabalho nosso.

Nessa manhã chuvosa de uma assembleia esvaziada, eu tinha tudo para desesperar, mas não. É quando me dá essa gana louca de começar a rolar de novo a pedra até o alto da montanha. Há um longo caminho de reconstrução da nossa luta como trabalhadores, e há que recuperar aquele velho amor que sempre embalou nossa relação com a UFSC, essa universidade que ainda não é como a queremos. Mas, que pode ser. 


quinta-feira, 9 de novembro de 2017

A escolha do PSOL

Com Nildo Ouriques, pela revolução brasileira 

Era 2004. Tudo conspirava para uma acomodação por conta da eleição de Lula. Eu estava na direção do Sintufsc, e começamos uma luta feroz contra o governo por conta da reforma da previdência. Nossa crítica a Lula nos custou muito. Perdemos amigos, enfrentamos a fúria de colegas que eram parceiros históricos. Mas, tínhamos claro que nosso primeiro compromisso era com os trabalhadores. Nunca nos furtamos a isso. Combatemos sem piedade. Fomos derrotados. Tudo bem. A vida seguiu.

Naqueles dias vivíamos, eu e outra colega, um processo difícil de censura e assédio moral na Agecom, onde trabalhávamos. Estava duro. Então, recebemos o convite para começar um trabalho de estudo sobre a América Latina, coordenado pelo Nildo Ouriques, com a participação de Beatriz Paiva. Não hesitamos e lá fomos nós construir uma história de belezas.

Foi no mês de julho de 2004 que nasceu o Observatório Latino-Americano, espremido numa pequena salinha do Serviço Social. Ali, começamos essa experiência incrível que desembocou na criação do IELA, em 2006. Remando contra vento e maré, fomos realizando coisas. Pesquisas floresceram, trabalhos de extensão foram criados, diálogos com a sociedade foram iniciados, a América Latina sendo exposta como esse espaço geográfico cheio de maravilhas, até então praticamente desconhecido. O IELA transformou-se em um lugar de criação do conhecimento e, para além dos trabalhos de investigação e de extensão, começou a recuperar os mais importantes pensadores do continente em uma coleção editorial chamada Pátria Grande.

Cada dia desses 13 anos de trabalho foi um desafio, cumprido com alegria, com entusiasmo, com profundo amor pela Pátria Grande.

E o motor de todo esse processo sempre foi Nildo Ouriques. Um sonhador, um realizador, uma criatura de extrema generosidade, comprometido com a partilha do conhecimento. Um cara de uma capacidade de trabalho incrível, motivador, instigante, capaz de superar, com incrível tranquilidade, todos os obstáculos, que nunca foram poucos.

E assim, no IELA, cada sonho sonhado foi se fazendo, ora aos trancos e barrancos, ora mais suave. Mas, tudo que nossa mais louca imaginação apontou se fez, por mais impossível que parecesse. Porque havia paixão, havia compromisso. E segue havendo.

Sempre comparei o Nildo com uma pandorga, esse instrumento da meninice que nos ensina a brincar e amar o infinito. E assim ele é, feito a pandorga, voado alto no céu, loucamente girando ao sabor das tormentas, mas sempre firmemente preso a terra, à realidade, ao mundo que precisamos mudar.

Nesses anos todos de parceria no IELA travamos muitas batalhas, demos muitas risadas, choramos, atravessamos os difíceis pântanos da intolerância e da incompreensão. Nunca esmorecemos.

Por isso, agora, ver o Nildo disputar a candidatura para a presidência da República pelo PSOL não me surpreende. Porque essa ousadia é a marca do Nildo. Sempre apontando para o horizonte, para o infinito, tal qual a utopia. O impossível se realizando, o caminho se abrindo, e ele avançando. Espero firmemente que o partido que ele escolheu para sua militância não se intimide e acolha sua candidatura. Tenho certeza absoluta que será como um vento forte, varrendo a mediocridade da pequena política. Porque conheço e respeito essa capacidade abissal que o Nildo tem de enfrentar a vida e os problemas. Sei do seu brilhantismo, da sua capacidade, da sua força e do profundo amor que ele tem a esse país, aos trabalhadores e a essa ideia generosa de Pátria Grande.

Com ele eu vou, por qualquer caminho, sem titubeio. Construindo a revolução brasileira. E vou segura, porque sei quem ele é e o que é capaz de fazer.  

Que o PSOL escolha o Nildo. Vai ser bom!


terça-feira, 7 de novembro de 2017

Sobre o Plano Diretor...


 A Costeira, antes da Expressa Sul


Sim, eu amo essa cidade. Amo demais. Cheguei aqui em 1987, disposta a passar apenas quatro anos. O plano era fazer a faculdade e zarpar. Mas, já no primeiro dia eu vi o Mercado Público, e a Lurdinha, e o samba, e a Copa Lord. Aí, pronto, estava capturada para sempre. 

Desde então, viver e amar a cidade tem sido meu cotidiano. E, com as gentes, tenho lutado para mantê-la linda e boa de viver. Um luta inglória, visto que vamos perdendo as batalhas, uma a uma.


Agora essa. O STJ decide manter aquela excrescência de Plano Diretor, votado num final do ano, com mais de 600 emendas acrescentadas, sem que a comunidade as conhecesse. Destas, 300 foram aprovadas, e nem os vereadores sabiam do que se tratava. Não precisava. O capital mandou, os servos acataram. Sobrou a resistência de três vereadores (Lino, Afrânio e Pedrão)e de uma parcela da população que acorreu à Câmara, e gritou, e lutou, e apanhou da polícia. 


Pois aí estamos, nesse ano de golpe, no qual todos os direitos vão se perdendo, com um judiciário que não precisa mais fazer jogo de cena. Não restará pedra sobre pedra. Tudo é decidido em favor da classe dominante, mesmo que esteja fora da lei. Não há lei para os ricos. A lei é só para os pobres. 

A Florianópolis que emergirá desse Plano Diretor ilegítimo é a Florianópolis do capital, dos predadores, dos empreendedores. Esses seres sem compaixão, que pouco se importam com as gentes. Tudo o que querem é cimento e lucro.

É um momento de profunda tristeza.

Compartilho aqui um texto que escrevi em 1996, quando de mais uma derrota: a construção da via expressa sul, que destruiu a Costeira e toda aquela beleza. Nele, choro mais essa derrota de hoje.


Uma cerimônia de adeus

Assisti ontem uma triste cerimônia de adeus. Parei em frente à grande obra da Via Expressa Sul com os olhos perdidos na areia branca que aos poucos vai nos roubando o mar. Tinha dentro do peito uma certa angústia, destas que batem, inexoráveis. Não sou engenheira ambiental, ainda não sei detalhes sobre a obra, mas uma coisa eu sei. É como se estivessem assassinando a beleza. Algo soa mal ali, principalmente no por-do-sol.

Refletia sobre isso e mastigava minhas mágoas quando meus olhos bateram num homem, distante de mim alguns metros. Ele também olhava a obra. Tinha o rosto vincado de sol e de mar, destes rostos que não se pode adivinhar a idade, só a profissão. Era um homem do mar, um pescador. Ficou parado por uns minutos eternos, petrificado diante da areia branca. Depois, lentamente, caminhou em direção à lama preta, velha conhecida, que fica próxima aos ranchos de pesca já em demolição.

Então começou a cerimônia. Arremangou até os joelhos as velhas calças de um tergal gris, bem desbotado. Tirou os chinelos de borracha e foi entrando na lama, pisando devagar, quase em reverência. Com os pés enterrados na sujeira do mar ele foi caminhando pra lá e pra cá. Os olhos baixos, olhando o chão, se despediam. Depois, o pescador caminhou em direção à água, já distante.

Quando seus pés encontraram o salgado do mar ele parou e volveu os olhos para a grande draga que continuava seu trabalho, jogando areia branca, engolindo a água que por muito tempo, com certeza, embalara o seu barco. Ficou ali parado, olhando fixo, parecendo fazer força para acreditar que aquilo tudo não era um sonho. Então voltou pelo mesmo caminho, os pés enterrados na lama, os olhos de novo no chão. Chegou ao meio fio e sentou sem pressa. Foi quando eu vi. Lágrimas corriam fininhas pelo meio das rugas de sol e mar.

Era um homem dizendo adeus a um mar que foi seu abrigo por décadas. Um pescador chorando esses choros sem barulho, por isso mais dolorosos. Olhei de novo para a obra da Expressa Sul e já comungando da mesma dor com aquele homem, pensei: Qual é o preço do progresso? Do conforto? Se forem as lágrimas daquele homem, não sei se vale à pena. Não tive coragem de lhe falar e fui embora com um indelével sentimento de culpa. Quando o ônibus no qual eu ia passou pelo homem, ele continuava ali, sentado no meio fio, os pés sujos de lama e o rosto crispado de dor.

20.09.1996

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Hoje, 2017, sou aquele homem, as lágrimas correndo, e essa dor insuportável no peito....