quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A UFSC cede soberania e abre mão da autonomia



O dia na UFSC hoje foi quente. De manhã, uma reunião auto-convocada pelos trabalhadores técnico- administrativos – visto que o Sintufsc está morto -  juntou mais de 120 TAEs para discutir a situação da universidade. Aberta a reunião, logo foi concedida a palavra para que os trabalhadores pudessem analisar os fatos que se sucedem na UFSC desde a prisão arbitrária do reitor Luis Cancellier e mais outros trabalhadores da instituição. Foi apontado que a administração da UFSC deveria ir a público explicar de maneira clara o que acontece na universidade, afinal, até agora não houve qualquer pronunciamento.

A invasão da universidade e a prisão dos professores foi um ato típico do estado de exceção e feriu profundamente a autonomia da universidade. É preciso que a sociedade saiba que a universidade tem mecanismos de controle interno e externo muito eficazes e que ela mesma tem todas as condições de resolver seus problemas. A ação de instituições externas como Ministério Público, Tribunal de Contas e outras, podem apontar problemas e pedir explicações. Mas não têm poder algum para impor qualquer coisa à universidade. O que se espera da administração é que ela responda a altura. Não é o que está sendo feito. Pelo contrário. Isso precisa mudar.

Também se discutiu o papel do corregedor e a ação submissa da vice-reitora em revogar a portaria que abria processo disciplinar administrativo contra ele. É sabido por toda a UFSC, com denúncias de trabalhadores da própria corregedoria, que esse senhor tem uma postura violenta e desrespeitosa no setor, já tendo sido acusado de assédio moral por mais de uma servidora. 

Os trabalhadores ainda avaliaram as disputas internas que existem na UFSC, os grupos de poder e os interesses que estão por trás de cada ação. Ao final do debate, que durou mais de duas horas, decidiu-se que seria levado um documento desses TAEs para ser lido na reunião do CUn, onde essas  avaliações fossem colocadas e com as seguintes exigências:

(a) posicionamento público imediato contra as ações abusivas dos envolvidos nas prisões desta operação;
(b) prosseguimento do processo administrativo referente ao corregedor, respeitando o devido processo legal;
(c) manifestação em defesa da autonomia universitária e, portanto,  contrária a quaisquer tentativas de intervenção externa, via indicações de cargos ou mecanismos de controle.

A reunião do CUN

Se a reunião da manhã correu tranquila, a do CUn explicitou o completo esquecimento da prerrogativa da autonomia. Seguindo a lógica do que acontece hoje no Brasil, de um estado de exceção, o Conselho Universitário não permitiu a entrada da imprensa, inclusive a interna. Alguns conselheiros chegaram a questionar a presença da Agecom, que é o setor oficial da comunicação da UFSC. Também a TV UFSC não teve acesso. Todos ficaram de fora. Nem mesmo a câmera que faz a filmagem da reunião foi manipulada, ficando aberta e mostrando uma imagem geral. Coisa assim só foi vista na trágica votação da Ebserh, que foi feita dentro do prédio da Polícia Militar.    

O TAE Hélio Quadros, escolhido pelos trabalhadores para ler o documento, não teve permissão de entrar. Ele então foi conversar com os representantes legais dos TAEs no Conselho, que foram eleitos pela categoria, para que lessem o documento. Pasmem. Negaram-se, dizendo que o documento não tinha sido feito pelo sindicato. Ora, os representantes dos TAEs no CUn não são representantes do sindicato.  São eleitos em eleição geral. Mas, como se viu, ao que parece, só fazem o que o sindicato manda. E se o sindicato está morto, eles se calam.

Assim, dessa forma antidemocrática começou a reunião. A vice-reitora se pronunciou dizendo que tem clareza de que o Conselho já havia decidido pela sua permanência e que ela estava pronta para enfrentar o desafio. Caiu por terra as teorias de que ela iria renunciar. Não vai. Teceu loas à autonomia universitária e logo em seguida informou ao CUn que havia suspendido a portaria do processo contra o corregedor porque a universidade estava vivendo uma situação de muita instabilidade. 

Assim, decidiu que enviará o processo envolvendo o corregedor para a Corregedoria Geral da União, em nível nacional, para que eles lá decidam sobre a vida da UFSC. Paradoxo total. Como falar em autonomia e imediatamente depois ceder soberania para a CGU? Um vexame total.

A professora Sônia Probst interveio dizendo que aquela não era pauta do Conselho e que a informação da vice-reitora, bem como sua decisão, não estaria respaldada pelo CUn.

Ao final, o conselho decidiu criar comissões para investigar as denúncias que pesam sobre a UFSC. E ainda contratar empresa para ver o que ficou de impacto negativo da operação ouvidos moucos sobre a UFSC. Surreal. 

Ao que tudo indica, a vice-reitora segue o mandato, inclusive com o aval para refazer a equipe de comando, uma vez que vários pró-reitores pediram para sair. 

No campo dos trabalhadores técnico administrativos ficou o compromisso de construir uma Assembleia Geral Universitária.

Como análise geral fica a certeza de que essa administração seguirá submissa aos órgãos externos, cedendo soberania e abrindo mão da autonomia. Segundo o professor Áureo Moraes, que encaminhou o processo contra o corregedor, a vice-reitora estava sabendo dos trâmites e só voltou atrás depois de receber a visita de representantes de órgãos externos à UFSC.

No que diz respeito aos trabalhadores já está bem claro como a banda vai tocar. Nenhum respeito e ignorância total sobre as pautas. Restará ao grupo que hoje se auto-convocou seguir se reunindo e apontando caminhos.

Nessa sexta-feira tem assembleia do sindicato, mas os dramas da UFSC não estão na pauta. A luta vai ser dura, principalmente porque estaremos com o sindicato jogando contra. A posição dos conselheiros hoje deu o tom.

O caminho é centrar fogo na Assembleia Geral Universitária, buscando mobilizar também os professores e os estudantes. 


quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Aos velhos e aos novos - Vamos discutir a UFSC



Na UFSC, uma das grandes batalhas que sempre travamos foi a da autonomia universitária. Garanti-la durante os momentos mais cruciais sempre foi cimento para unificações – no geral complexas  - entre técnicos, professores e estudantes. Autonomia na sala de aula, autonomia administrativa, autonomia política. Claro que sempre alinhada às grandes políticas traçadas pelo estado, afinal a universidade é uma instituição pública.

Nunca foi fácil caminhar por esse caminho de autonomia. Primeiro porque quase sempre tivemos reitores visceralmente atrelados politicamente às políticas conservadoras dos governos de plantão. Ainda assim, quando do interesse dos gestores, a autonomia era chamada. No geral, assim, obedecendo a esse uso instrumental. Quantas batalhas perdemos nós, trabalhadores e estudantes, porque os administradores não quiseram usar do princípio da autonomia, e quantas outras perdemos porque eles arrogaram autonomia? Os que estão na UFSC por mais tempo sabem disso.

É por isso que seguimos lutando pela tal autonomia. Mas entendemos que ela deva ser praticada para servir aos interesses da maioria da população, que é quem usa e sustenta a universidade. Sabemos também que isso só vamos conseguir quanto tivermos uma administração alinhada com as grandes lutas nacionais por transformação. Infelizmente na UFSC temos tido administrações conservadoras, no mais das vezes alinhada com o mercado capitalista.

Durante a gestão de Roselane/Lucia, vivenciamos um momento estranho. Houve um afã desenfreado de processos contra trabalhadores, mais de 500, muitos deles sem qualquer fundamento, sob a alegação de que a UFSC estava sob a fiscalização cerrada de outros órgãos federais. E houve uma questão em particular que acendeu a luz vermelha dessa relação de submissão da instituição ao Ministério Público.  Foi a imposição do ponto para os técnico-administrativos. Segundo a reitora, o MP estava pressionando e a UFSC iria acatar, sem levar em conta a sua autonomia. Na época, sugerimos à reitora que trouxesse os membros do MP à UFSC para explicar como a instituição funcionava, como ela não era uma fábrica de salsichas e como não podia ter as mesmas regras. Sugerimos também uma proposta autônoma e adequada ao papel da universidade sobre como controlar o ponto dos trabalhadores. Não teve jeito. A reitoria assumiu a reprimenda do MP e impôs a folha-ponto.

O que precisa ficar claro para a sociedade é que ninguém aqui está dizendo que a universidade não deve se submeter a controle. Ela tem sim que estar sob controle da sociedade e existem mecanismos para isso. Mecanismos que são usados o tempo todo. Poucas instituições são tão controladas como a universidade. Se estouram alguns escândalos de desvio de verbas, podem apostar que estão sob o comando das fundações, porque essas sim estão livres e não prestam contas com rigor. As fundações são empresas privadas dentro da universidade, configurando uma excrescência que poucos têm a coragem de discutir. Durante o mandato dos TAEs Livres no Conselho Universitário bem que tentamos trazer um mínimo de transparência para as contas. Esbarramos na sempre subserviente relação entre os professores e as fundações. Avançamos pouco. Nossa proposta sempre foi pelo fim das fundações dentro das universidades, mas o próprio presidente Lula as legalizou.

Voltando a autonomia, a universidade poderia sim evocá-la para discutir com qualquer outro órgão federal. Um reitor ou reitora que realmente conhece e defende a instituição não deve ter medo de dialogar e apresentar os argumentos sobre como está fazendo seu trabalho. Enfrenta MP, enfrenta tribunal de Contas, enfrenta Controladora Geral da União. Chama para conhecer, mostra as diferenças, abre as contas, abre todos os “cofres”. Transparência e firmeza. Com isso pode-se ir conversando e encontrando caminhos.

O que não dá é para temer.

Compreendo que o que aconteceu com o Cancellier possa colocar medo nas pessoas. Se ele, sendo um homem do sistema e um conciliador, passou o que passou, o que não poderia passar àquele ou àquela que decide enfrentar com autonomia esses setores que hoje assomam com tanta empáfia, arrogância e intolerância? Não deve ser fácil arriscar ser preso por um jovenzinho pseudo-calvinista por não cumprir uma determinação imposta pelo desconhecimento.

Mas, apesar de toda essa treva que se abate sobre o país, é preciso resistir. Nossa UFSC precisa de uma administração sem medo, capaz de apontar o caminho da resistência. O Cau foi tomado de surpresa. Ele não teve chance. Não sei se ele enfrentaria, mas o fato é que não teve chance. Foi arrancado de casa e impedido de entrar na universidade. Sofreu humilhações e ficou impedido de fazer contato com seus colegas da UFSC.  Nessa hora faltou mesmo liderança. Ninguém do grupo da administração assomou levantando a bandeira da autonomia. Nem seus correligionários. Ficou um estupor. Nossas entidades sindicais internas estão mortas. Não se moveram. Os estudantes tampouco.
Então o reitor se matou. E isso abriu os olhos de alguns.

Começou uma movida, ainda muito burocrática. Denúncia do estado de exceção, pedido de justiça. Mas nenhuma ação massiva da comunidade. A vida segue nos departamentos, nos centros, como se nada fosse com a gente.

Agora, mais essa. A nova reitora em exercício se rende aos órgãos de fora. Desfaz um ato administrativo que buscava esclarecer denúncias sobre o corregedor. Atropelos, titubeios, medo. Não é disso que a UFSC precisa.

Os técnico-administrativos vão realizar um encontro auto-convocado nessa quinta-feira, dia 26 de outubro, às 9h e 30min, no Hall da reitoria. Chamamos todos e todas. Os velhos, que já se aposentaram, os novos que aí estão, atônitos diante de tudo. É tempo de retomarmos o protagonismo que sempre tivemos sobre os grandes temas da UFSC. Os trabalhadores fazem a UFSC. É hora de encontrar caminhos coletivos que fortaleçam nossa universidade e que permitam assomar propostas de autonomia e bom-governo.


Sem medo, avante! TAEs, vamos dizer nossa palavra.  


terça-feira, 24 de outubro de 2017

Do Dia do Saci e das coisas inúteis


Nós estaremos na Felipe, a partir das 15 horas - 31 de outubro - Foto: Rubens Lopes

Dia 31 de outubro se celebra no Brasil, o Dia do Saci Pererê e seus amigos. Uma resposta cultural e uma ação de resistência diante da invasão fetichizada da festa do “raloím”, bastante importante na cultura estadunidense, mas que para nós diz muito pouco.  E, da maneira como é festejada, nada mais é do que outro bom motivo para vender coisas, as mercadorias do mercado capitalista.
Em Florianópolis, no ano de 2003, um pequeno grupo decidiu enfrentar o desafio de resistir a mais essa invasão. O raloím, que até então era festejado só nas escolas de inglês, passou a invadir as escolas públicas e até as creches. Uma coisa de doido, porque aqui quase ninguém sabe o que esse mito representa.  E mito é coisa séria. Diz do humano, do que nos é mais profundo.

Estávamos no Sindicato dos Trabalhadores da UFSC e tínhamos acabado de conhecer a batalha de alguns grupos do interior de São Paulo, que procuravam contrapor o Saci ao mito do raloím. Resolvemos então trazer para Florianópolis a celebração desse adorável mito brasileiro, que é uma mistura das três grandes matrizes da cultura brasileira: o branco, o índio e o negro. Tudo junto e misturado. Nosso mito mais profundo, que simboliza o guardião das florestas, das matas, da vida. Que representa nossa alegria, nossa molecagem, nosso espírito rebelde.

Então, no 31 de outubro, levamos o Saci para as ruas. A resposta foi incrível. As pessoas conhecem e amam o Saci, elas apenas não têm oportunidade de brincar com ele, de conhecê-lo em profundidade. E foi isso que começamos a oferecer. Todo ano, no mesmo dia do raloím, lá vamos nós para a rua, carregando o Saci e contando sua história, que é, na verdade, nossa história profunda. A gente distribui panfletos, conta histórias, dança, pula, se diverte à larga. E junto com a gente, brincam todas as pessoas que passam pelo calçadão da Felipe. Ninguém fica imune. A alegria contagia. E mesmo aqueles  que apontam com a cara fechada, ao verem o Saci e ao perceberem que aquela muvuca é uma festa pindorâmica, ancestral, abrem o riso e passam pulando.

A festa foi sendo realizada todos os anos, já virou uma tradição. Sempre construída com o apoio de sindicatos e movimentos, promovida agora pelo grupo da Pobres e Nojentas. E movimenta tanto a vida da cidade nesse dia de resistência cultural, que o Dia do Saci e seus amigos foi oficializado pela Câmara Municipal de Florianópolis, como um dia de festa no calendário da cidade, assim como é de festa o dia do aniversário, o dia das rendeiras, dos pescadores. Isso é legal porque pode permitir que a municipalidade também atue na resistência cultural. Não tem feito isso, mas pode fazê-lo se quiser.

Pois agora, um vereador do PSB chamado Bruno Souza quer revogar a lei que institui o Dia do Saci e seu amigos, que aqui na ilha inclui também as bruxas do Cascaes e o Boi-de-mamão, mitos e festejos típicos do lugar. Ele diz que isso é uma bobagem e que a lei é inútil. Ele deve crer também que festejar a cultura nacional é inútil. Talvez acredite que o melhor mesmo é comprar uma roupa de esqueleto e sair por aí festejando o raloím.

Esse ano, vamos para a rua de novo, no décimo quarto ano de Dia do Saci e seus amigos. Porque a gente gosta das coisas inúteis. Essas coisas que não se prestam a valor de troca nem de uso. Não são pra vender, nem pra comprar, nem pra usar. São coisas para viver, brincar, amar.  As coisas inúteis são essas que nos conectam com a suprema beleza, com o sagrado profundo, as que provocam uma quentura por dentro e explodem em ondas de felicidade.

Nós vamos para a Esquina Democrática nesse 31 de outubro, com nosso Saci e com o Boi-de-Mamão. Vamos denunciar o golpe que vive nosso país, vamos denunciar o Estado de Exceção que prende, julga e mata sem qualquer processo - como fez com o reitor da UFSC, o Cao Cancelier. Vamos denunciar o capitalismo que destrói tudo que toca. Vamos informar sobre a luta dos povos originários, que ainda precisam batalhar por seus territórios, vamos denunciar as mortes no campo, o extermínio dos jovens negros, a violência contra as mulheres.

Vamos mostrar que estamos vivos e que não desistimos da luta. E que ela pode se expressar também nesses momentos “inúteis”, de pura brincadeira. Em meio a toda dor de um país que vai sendo destruído por poderosas gangues que ocupam hoje os cargos de poder, nós dançaremos nas ruas. Como Jeremias, no centro de sua terra arrasada, nós pularemos com o Saci, acreditando piamente que é da nossa luta, como povo unido, que brotará a primavera.

O Dia do Saci e seus amigos será celebrado, como tem sido ao longo desses 14 anos, no centro de Florianópolis. Haverá brincadeiras, danças, pulos, e distribuição de sacizinhos. Terá o Boi-de-Mamão e terá alegria. Nós te convidamos. Começa às 15 horas e vai até as 16h e 30 min. Passa lá. O Saci também estará lá, com seu cachimbo e suas peraltices.

Venha pular e dançar, porque é preciso. Há uma longa e feroz batalha para travar nesse nosso país acossado pelo golpe. E, nessa caminhada, precisamos da alegria.


Esperamos vocês... 





domingo, 22 de outubro de 2017

Das dores da gente, que são só nossas


Eu saí de casa bem jovem e foi na caminhada que aprendi a segurar “no osso do peito” as dores e os terrores. Não havia com quem dividir. Tinha de enfrentar. Isso vai moldando a gente e criando armaduras de proteção. Passei por grandes apertos, tive de tomar duras decisões, e sempre sozinha. Nenhuma mão para me apoiar. Nenhum ombro para amparar a cabeça. Certo ou errado tive de assumir e seguir.

Sempre entendi que as nossas horas de angústia, nossos momentos mais dolorosos, nós os passamos sozinhos. Ninguém pode ajudar. A “hora noa” (a angústia) é coisa que se vive na solidão. Mesmo que alguém queira ajudar, não adianta. Não pode. Não há conselhos, não há palavras, não há nada que o outro possa fazer. A gente tem de enfrentar o deserto sozinha.

Mas, ao longo da vida também aprendi que se a gente não pode mudar a decisão ou a dor do outro, há uma coisa que a gente pode fazer. Ficar do lado, em silêncio, apertar a mão, abraçar. Isso faz a diferença. É como saber que há um galho no abismo e que se a gente fraquejar, ele estará ali, e nos sustentará.

Esse turbilhão de sentimentos me veio à durante a Sepex, semana passada, na UFSC. Na abertura dessa mostra, que é uma atividade super importante na universidade, quando milhares de alunos de todo o estado vêm visitar a UFSC, ninguém falou do reitor, morto recentemente de maneira trágica. Pensei que haveria alguma homenagem, alguma palavra de afeto por aquele que até ontem dirigia a universidade de um jeito novo. Mas não. Entre seus companheiros, o silêncio. Dias antes, um colega esbravejara no hall da reitoria sobre ninguém se importar com o que acontecera com o Cancellier. Verdade. Ali eu via seu apagamento. E me aparece bizarro que quem o lembre sejam os que nem eram amigos, nem correligionários. Um paradoxo.

A morte dele me tocou profundo. Sei o que é estar sozinho, sem saída, no chão. Não importa se culpado ou inocente, o que aperta é essa profunda solidão na dor, capaz de levar a um ato extremo.  E me toca ainda esse silenciar sobre. Nesse ano em que Cancellier dirigiu a UFSC praticamente nove meses passamos em confronto. Lutávamos para reintegrar um colega, exonerado por vinganças política da administração passada. Foram muitas assembleias, reuniões, conversas, sempre no embate. Exasperava seu jeito conciliador. Mas, ao fim, não conseguia sentir raiva dele.

Ontem soube que a administração finalmente instaurou um processo administrativo contra o corregedor. As denúncias contra ele sobre assédio e destempero já eram bem conhecidas no âmbito dos técnicos. Deveriam ter sido levadas em conta antes. Não foram. Agora aparece quase como uma vingança. De novo a conciliação do Cancellier pretendia resolver sem quebrar os ovos. Não dá. Tem coisa que não concilia.   

O fato é que a Sepex acabou e a vida segue na UFSC. Isso me assombra. Fosse eu sua amiga, ou mesmo sua parceira política, não deixaria assim. Não permitiria o silêncio, nem o esquecimento. Parece que há um medo de que novas informações surjam, de que as acusações sejam verdadeiras e aí, viceja também o medo de se contaminar com o “crime”.  

Lembro-me da última vez que vi o Cancellier. Foi numa assembleia do caso Daniel, como sempre mal conduzida pelo sindicato. Quebrando as regras, agarrei o microfone e fui explicar para o Cau porque aquela era uma demissão política. Eu enfurecida, e ele com aquela cara de paisagem. Levou na maciota até o fim, e pouco tempo depois resolveu a questão de outra forma, encontrando um furo no processo. Era o seu jeito.

Para quem não vive o dia a dia da UFSC pode parecer estranho que os adversários políticos acabem nos sendo simpáticos. É que não dá para viver o cotidiano com sangue nos olhos. A gente convive no mesmo espaço e acaba encontrando as brechas humanas em cada um. Uma doença, uma tragédia pessoal, uma queda, e lá estamos, solidários. Porque somos colegas. Era assim. É assim. Quantas vezes não cruzei com o Amin nos corredores e lhe sorri? Pois é! Colega...

Por isso o triste fim do grandão do CCJ ainda me choca. E me entristeço com o silêncio da instituição sobre ele. Na porta da Sepex, olhando a UFSC plasmada na festa da pesquisa e da extensão, chorei. Porque, como sempre – desde as primeiras grandes dores  - entendi que as coisas que vivemos as vivemos sós. Sejam as belezas ou os terrores. E não haverá ninguém  para nos abraçar dizendo: não temas, eu estou aqui. 

É foda. Mas, é assim! Não temos acolhimento na dor e, depois, é o esquecimento. 

Acho que é por isso que escrevo. Para lembrar...