quinta-feira, 13 de julho de 2017

Sobre a Comcap



O estado repressor, sem compaixão

No capitalismo a coisa é bem simples. Tudo é feito para beneficiar o empresário capitalista, aquele que explora a força de trabalho para garantir seu lucro e sua riqueza. Também o Estado sempre está ao lado dos capitalistas, servindo como uma espécie de gerente, garantindo leis ou atos que favoreçam a geração de lucro por parte de uma minoria.

Assim, quando o Estado tem uma boa empresa pública, que está arrumadinha, com as contas em dia e funcionando com qualidade, o que ele faz? Começa uma campanha de desmonte da empresa para que todos pensem que ela está dando prejuízo, que está onerando o caixa e tudo mais. Aí, dali a pouco, vende a empresa para a iniciativa privada. Então, aquela empresa que foi criada com dinheiro público, passa, a preço de banana, para a mão privada. E os empresários ficam lucrando em cima de um patrimônio público, construído com dinheiro público.

Foi o que aconteceu com a Comcap. Fundada em 1969, com o nome de Emacim - Empresa Municipal de Artefatos de Cimento, ela tinha por objetivo pavimentar as ruas na capital. Em 1971, alegando que a empresa dava muito prejuízo, que estava difícil bancar o trabalho de pavimentação, o prefeito de plantão, Ary de Oliveira, decidiu mudar a forma jurídica da empresa, passando para empresa mista e dando o nome de Comcap – Companhia de Melhoramentos da Capital, que assumiria também, em 1976, a coleta do lixo.  O mesmo de sempre. Empresa dando certo, passando para o privado, com toda a construção feita pelo público. Dinheiro do povo.

Pois a empresa mista é uma empresa de direito privado, que tem parte das ações pertencentes ao estado e outra de parte de capital aberto, ou seja, na mão privada. Em tese, o estado tem o controle, mas o que baliza a ação é o lucro. Logo, o que está em questão não é o bem público, mas o tanto de lucro que empresa pode dar.

Pois ao longo desses anos, a Comcap foi assim, mista, e a população sempre teve de pagar, e caro, pela coleta dos resíduos sólidos. Em alguns casos, a taxa do lixo é maior que o valor do IPTU. Então, é uma taxa obrigatória que deveria servir para gerir todo o trabalho da empresa. Na empresa mista os trabalhadores são contratados no regime da assassinada CLT. No caso da Comcap a municipalidade tinha 99% das ações, com 1% dividido entre seis acionistas.

Ocorre que durante todo esse tempo ela foi administrada como uma empresa privada, e como sempre acontece nesses casos os trabalhadores precisam lutar para garantir melhores condições de trabalho. E ao longo da história da Comcap foram inúmeras as lutas, não apenas por salários, mas também por equipamentos e veículos de qualidade. Mas, a lógica sempre foi a lógica privada.  Material no limite e trabalhadores também.

Agora, contrariando tudo o que se diz da competência do setor privado, a Comcap, segundo alega o prefeito Gean Loureiro, acumulou uma dívida de mais de 200 milhões de reais. É dinheiro demais. E a empresa precisa pagar essa dívida. Então, o que pensou o prefeito? Vamos transformar a empresa em empresa pública de novo, que aí as condições para pagamento da dívida são melhores. Ela pode ser refinanciada, com juros menores. Foi por isso que ele enviou um projeto, pedindo urgência, para a Câmara de Vereadores, para transformar a Comcap em autarquia. Assim, ela vira empresa pública de novo, mas com autonomia para realizar sua gestão, com os cargos nomeados pelo prefeito.

Pode até parecer um paradoxo, os trabalhadores estarem em luta contra a transformação da Comcap em empresa pública. Mas a coisa não é tão simples assim.  A luta não é porque ela vai ser pública. Mas é contra a forma como a coisa está acontecendo. Na verdade, a prefeitura quer garantir que a dívida seja paga, com dinheiro público, é claro, sem que se saiba como a dívida chegou a esses valores, e sem que se apurem as responsabilidades. E nessa jogada, quem sai perdendo são os trabalhadores. Porque ao transformar a empresa em autarquia, a entrada no quadro exige concurso público. Como ficaria então a situação dos atuais trabalhadores?  Já se sabe que celetistas não podem permanecer em uma autarquia. E nada disso foi discutido com os trabalhadores. O prefeito, sem qualquer cuidado com a vida humana, simplesmente está pensando em como garantir que a dívida seja paga e a empresa siga prestando o serviço.

A tática é sempre a mesma. Nada de investigação, nada de saber por que se chegou a uma dívida de 200 milhões. O negócio agora é pagar e garantir que a empresa siga prestando o serviço. Todos podem entender que a situação é grave, mas a melhor saída sempre pareceu ser o diálogo. Os trabalhadores não podem ser simplesmente descartados, sem qualquer discussão ou garantia.


Atirando no coração

Segundo a proposta haverá um grupo de trabalho que vai discutir a situação dos trabalhadores, mas o que o sindicato aponta é que e única saída possível que vai aparecer é a da terceirização, agora permitida por lei. Isso significa que a vida dos trabalhadores vai ficar ainda mais precarizada e não estão descartadas as demissões.  

Por isso os trabalhadores entraram em greve. Não queriam que o projeto passasse assim, a toque de caixa, sem qualquer discussão. Não apenas eles queriam debater, mas também a sociedade teria que saber muito bem o que estava acontecendo, afinal, é quem vai acabar pagando a conta da má gestão.

Só que como sempre acontece, o projeto foi para a Câmara onde foi pedido o regime de urgência urgentíssima, o que significa que não passa por nenhuma comissão e vai logo a plenário.  Os trabalhadores tentaram impedir a jogada do prefeito, mas se depararam com a violência da força pública. O de sempre e muito mais. Vários deles foram feridos por balas de verdade. Uma batalha nunca vista na história da cidade. Durante dois dias ocuparam a Câmara, mas a truculência foi maior que a força e a luta das gentes.

Hoje, de manhã, numa sessão relâmpago, que durou menos de 10 minutos, os vereadores da situação aprovaram o projeto. Alguns vereadores da oposição nem estavam na casa quando a sessão aconteceu, assim, de inopino, sem aviso. Uns tentavam garantir um mandato de segurança no Tribunal de Justiça.  Não deu tempo. A turba do prefeito foi mais rápida e votou o projeto com 14 votos favoráveis e dois contrários.  Os ausentes, seis  - Afrânio Boppré (PSOL), Marquito (PSOL), Erádio Gonçalves (PSD), Marcelo da Intendência (PP), Pedrão (PP),  Lino Peres (PT) e  Vanderlei Farias 'Lela' (PDT) - não lograriam alcançar placar favorável aos trabalhadores.  Na verdade, foi um golpe. Uma farsa. Uma atitude autoritária, típica do golpismo que tomou conta da república. Nada de novo até aí.

Com uma violência exacerbada, jamais vista na Câmara de Vereadores, nem mesmo durante as grandes lutas pela terra urbana nos anos 80, os trabalhadores foram impedidos de entrar por uma truculenta Guarda Municipal – formada por colegas – e a sempre violenta Polícia Militar. Os que estavam em vigília dentro da Câmara também foram impedidos de chegar ao plenário. Foi um rolo compressor.  E poucos minutos depois da farsa, o prefeito sancionava a lei. A Comcap agora voltava a ser uma autarquia. De novo pública para poder ser saneada. E dá-lhe dinheiro público para encobrir gestões mal sucedidas. E nada de investigação. 

Em frente à Câmara se reuniram centenas de lideranças, trabalhadores, lutadores sociais, gente que sabe muito bem o que isso significa. Mas, o protesto foi em vão. Agora, a prefeitura vai acertar as contas, arranjar empréstimos, rolar a dívida do rombo e tudo isso sairá do bolso dos contribuintes, como sempre. A massa silenciosa que não se posiciona e que muitas vezes  seque sabe o que está acontecendo é quem vai pagar o pato.

Os trabalhadores agora se recolhem e discutem as estratégias de luta. Na manhã dessa sexta-feira haverá assembleia para decidir se a greve continua ou não. Enquanto isso a coleta de lixo na cidade está suspensa.