sábado, 22 de abril de 2017

O destino manifesto de destruir



Quem estuda a história sabe: desde 1492, quando os espanhóis invadiram a costa de Abya Yala, trazendo com eles a imposição de uma fé e o capitalismo como modo de vida, a vidas das gentes desse grande continente tem sido de grande dor. A entrada dos europeus no espaço que mais tarde ficou conhecido como América não foi um encontro de culturas. Foi uma invasão genocida, afinal, atrás deles vieram a tortura, a escravidão, a morte e o desaparecimento de povos inteiros. 

Assim, nos primeiros tempos, foram esses dois países, Espanha e Portugal, que definiram a vida de todos. Mas, eles, na verdade, não eram os verdadeiros donos da América. Toda a riqueza que tiravam daqui ia para a Inglaterra, que no espaço geográfico da Europa, era quem dominava. Então, para sustentar uma vida de luxo de poucas famílias da nobreza espanhola e portuguesas, o continente americano foi depredado, saqueado e seu povo escravizado. História diferente se deu nos Estados Unidos e no Canadá, para onde vieram famílias de colonos com a finalidade de fixar residência. Mas, ainda assim, essas famílias foram as responsáveis pela morte e destruição de milhões de pessoas dos povos originários.

Quando três séculos depois tiveram início os processos de independência quem se posicionou na retaguarda, pronto para abocanhar as nações recém-libertas, foi a Inglaterra, novamente, agora negociando diretamente com as Américas. E ela pairava sobre a vida de todos, decidindo os destinos das nações. Quem ousava fugir de seu controle, como foi o caso do Paraguai, era arrasado. Foi para colocar o país no lugar de subalterno que a Inglaterra fomentou a guerra contra o Paraguai, da qual vergonhosamente participaram Argentina, Uruguai e Brasil, como testas de ferro do império inglês.

Com o fortalecimento dos Estados Unidos, como nação livre, o pêndulo do poder foi mudando de posição. A nação emergida do colonialismo inglês resolveu ela mesma comandar o destino das gentes no continente. Era seu “destino manifesto”. Segundo seus dirigentes, “deus” havia decidido que agora quem mandaria no mundo seriam os Estados Unidos, e em nome dele, principiaram a tramar contra a soberania de todas as nações. John Winthrop, governador da colônia de Massachussets, em 1630, criou um selo, conhecido como o “grande selo” que rege a lógica daquele país até hoje. Nele, há a figura de um indígena, com um pergaminho saindo de sua boca. Nesse pergaminho está escrito: venham e ajudem-nos. Messianicamente, os colonos que tomavam os Estados Unidos, achavam-se os “ungidos do senhor” com a missão de salvar os hereges e os selvagens.

O grande selo foi a imagem que também comandou a tomada de Cuba, Haiti e Porto Rico em 1898, das mãos da Espanha, e desde então tem sido assim. Os governantes usam desse argumento praticamente religioso e, em nome do que chamam de “intervenção humanitária”, invadem, matam e destroem países inteiros.

Para garantir esse destino manifesto os Estados Unidos tornaram-se uma máquina de matar. Não é sem razão que hoje ele são as maiores autoridades em tortura, usando-a para seus interesses e também exportando os métodos para os países da sua órbita. Foi assim durante as ditaduras militares na América Latina, quando seus homens treinavam os policiais na tristemente famosa “Escola das Américas”.

Hoje, com os meios de comunicação, a ideologia do “venham e ajudem-me” se espalha de maneira viral. Foi o argumento usado para invadir o Afeganistão. Era preciso livrar a população de lá do tremendo mal que era o Talibã. Como se os afegãos não pudessem eles mesmos definir suas vidas. Foi o “venham e ajudem-me” que determinou a invasão ao Iraque, para livrar o povo de lá do ditador sanguinário. E assim poderíamos enumerar cada intervenção dos Estados Unidos, não apenas de agora, mas também do passado.

Estranho destino esse de ajudar, matando e destruindo. Segundo Noam Chomsky, se as informações divulgadas fossem as verdadeiras, o mundo inteiro saberia que o governo mais terrorista no planeta é o dos Estados Unidos. Para ele, o maior ato de terror até hoje foi o que John Kennedy perpetrou com a invasão do Vietnã e da Indochina. Milhões de pessoas foram mortas das maneiras mais cruéis. Naqueles dias, dizia Kissinger, então conselheiro de Segurança Nacional: “tudo o que voa contra tudo o que se move”. Foi um massacre sem igual na história durante os oito anos que durou a guerra, inclusive com o uso de armas químicas, de resultados avassaladores.

Olhando para o Oriente Médio e toda a destruição que vem sendo causada desde a guerra do golfo, só mesmo um ingênuo poderia ainda acreditar na invenção de Winthrop, do “venham e ajudem-nos”. Isso nunca existiu. Os povos originários dos Estados Unidos foram massacrados e nunca pediram para entrar na “civilização”, porque sabiam que aquilo não era bom.

Essa semana temos acompanhado pelos meios de comunicação comercial mais um terrível capítulo dessa enganação. As garras da águia estão sobre a Venezuela, um país que decidiu seguir seu caminho longe da órbita estadunidense. E, por conta disso, tem pago um preço alto demais. Primeiro foi uma tentativa de golpe, financiado e organizado pela inteligência dos EUA na parceria com a classe dominante venezuelana. Não deu certo. Depois, mataram Chávez, e também não deu certo. Agora, financiam uma oposição criminosa que coloca o país dentro de uma guerra econômica, e não satisfeitos ainda promovem o terror. Grupos de jovens são incitados a praticarem atos de terror e violência, chegando a atacar um hospital infantil. Tudo isso sob o argumento de que o “povo” está pedindo ajuda para se livrar do “ditador”.

Um breve recorrido pela história mundial e o que se vê é a história se repetindo. E de tal maneira que parece incrível que ainda há quem acredite na “bondade” dos salvadores do mundo. Tal qual um Midas ao contrário, todos os países onde a “intervenção humanitária” se dá, fica pior. Os lugares são destruídos e se seguem sob o controle dos Estados Unidos, nunca mais se levantam. O Iraque é um exemplo que nos salta a cara. Quatorze anos de matança e destruição. Um dos mais belos lugares do mundo segue em escombros.

O grande selo inventado pelo governador de Massachussets foi uma enganação. Uma piada de mau gosto, a considerar todo o genocídio dos povos originários. É preciso que as gentes saibam de que não há um destino manifesto, muito menos um povo eleito, que se arvore em dominar o mundo. Somos todos um pequeno gênero humano, como dizia Bolívar, povos com suas particularidades, belezas e desafios. Ninguém necessita de um “grande salvador branco”, cada povo pode muito bem se autogerir de acordo com sua cultura e suas tradições.

O “venham e ajudem-me” inventado pelo colono estadunidense é só um engodo para justificar as atrocidades que são praticadas apenas para o saque das riquezas.

No Brasil já tivemos a nossa cota, durante o período militar. E é bom que os brasileiros estudem mais a história para não cair na armadilha. Também para não reproduzir as barbaridades que se ouve e lê nas redes sociais, seja sobre a Venezuela ou sobre a Síria. Não precisa muito, só uma boa observação, para vem quem está nos países dizendo aos EUA, “vem e ajude-me”. São aqueles que, quando no poder, se comportam de maneira imperial, governando apenas para seu grupo de amigos, ignorando aqueles que os ajudaram a garantir o poder.


A Venezuela, a Síria, o Iraque, o Brasil, o Haiti, qualquer país, tem todas as condições de resolver seus problemas sem a intervenção de ninguém, muito menos daqueles que só se ocupam em saquear as riquezas.     


quinta-feira, 20 de abril de 2017

O lugar do corpo na cena



Para Marcos Mazzuco

A nova votação no Congresso Nacional brasileiro, configurada como manobra, aprovou a urgência no projeto da reforma trabalhista. Uma votação no dia anterior derrotara o governo. Eles votaram de novo, até ter quórum para sua vitória. O golpe no golpe, se fazendo cotidianamente, e transmitido ao vivo, pela TV. A ação criminosa dos meios de comunicação cuja função é desinformar, desintegrar, fragmentar, levando a população ao engano e a alienação. O crescimento de figuras como Dória, empresários gananciosos gerindo o estado, escrachando ainda mais a verdadeira verdade que é a de que o estado é o balcão de negócios da classe dominante.

No plano internacional temos a guerra contra a Síria, mais uma obra do império estadunidense, que já tem plantado campos de guerra no Afeganistão, no Iraque, na Palestina, na Somália, no Haiti, e em tantos outros espaços onde age, com armas ou conspirações. A possibilidade de um iminente ataque nuclear no mundo, levando nações à guerra, sem nem saber por quê.

Nossa América Latina sob ataque constante dos “tanques de pensamento” neoliberal e imperial, provocando a desestabilização, a violência, a destruição. É o que se vê na Venezuela, onde a direita, financiada pelos Estados Unidos, forma e arma jovens pobres para destruir a possibilidade de uma nação ser soberana e livre. A perversidade da destruição por dentro. E tudo em nome do enriquecimento de alguns, porque essa molecada que está na rua provocando a violência não terá espaço numa Venezuela “azul” (cor dos esquálidos).

O nosso Brasil, vivendo de maneira clara e concreta um retrocesso abissal. Os direitos dos trabalhadores sendo retirados, a impossibilidade de uma vida digna, a saúde destroçada, a educação entrando na idade média, a violência aumentando de maneira exponencial, os povos indígenas sofrendo novos reveses, perdendo territórios já conquistados, jovens negros morrendo como moscas.

Tudo isso nos coloca um novo/velho problema: qual o lugar do nosso corpo nessa cena?

Os governos petistas que atuaram desde 2003 incentivaram os trabalhadores a acreditar que com eles lá, tudo estava dado. Os corpos em luta – pelo menos uma grande parte - saíram de cena, apostando na institucionalidade. Mas, a realidade mostrou que isso foi um erro. Um governo não pode tirar o povo da rua. Pelo contrário. Tem de fomentar cada vez mais a rebeldia e a radicalidade, porque as mudanças, mesmo as mais pueris, são enfrentadas com violência pela classe dominante. 

Agora aí está. Um golpe atrás de golpe. Um congresso entreguista, que se move a partir dos interesses dos conglomerados empresariais. Tudo contra as gentes, contra os trabalhadores, contra a vida. Votação trás votação, os direitos se perdendo e a classe dominante abocanhando tudo o que há.

Enquanto isso, nas ruas, nos bairros, nas escolas, nas igrejas, nas comunidades, as pessoas estão perplexas, hipnotizadas pela televisão. Há uma paralisia, um estupor. E claro, não é “culpa” das gentes. A responsabilidade é de quem, por apostar no campo institucional, descuidou da formação de base. Um povo capaz de lutar é um povo organizado desde baixo, na cabeça e no coração. E isso significa trabalho, árduo e cotidiano, nos fundões da vida.

Esse é lugar do corpo na cena. O corpo em movimento, nas quebradas, nos bairros, na vida dos trabalhadores. O corpo falante, contando as histórias dos ancestrais, contando das tantas lutas já travadas, dos nossos heróis, nossas heroínas, desvelando as possibilidades de vida boa e digna. O corpo brincante, dançante, festivo, capaz de se alegrar na comunidade, ao mesmo tempo em que aponta caminhos de belezas coletivas e solidárias. Um corpo capaz de seduzir o outro, para além do discurso, mas com o exemplo concreto e cotidiano.

A cena do grande teatro humano é a sinistra globalização do modo capitalista de produção. A luta de classes é o enredo. E o lugar do corpo, do nosso corpo, é junto aos oprimidos, aos de baixo, à maioria. Não importa em qual cantinho da cena estamos: na universidade, no teatro, na música, no sindicato, na igreja. Nesse nosso cantinho singular nosso corpo deve estar em luta. Em luta com os trabalhadores.

E todo esse movimento deve desembocar agora, no dia 28, na Greve Geral. Depois, é ir crescendo, crescendo e crescendo... Para esse ainda-não tão sonhado, para lá mandaremos nosso corpos em luta...




quarta-feira, 19 de abril de 2017

Sobre o Dia do Índio
























Atividade foi promovida pela vereador Renato da Farmácia, do PSOL, e contou com a participação de Cris Tupã e Marcos Karaí, da etnia Guarani.

Aceitei falar hoje aqui na seguinte condição. Primeiro, como uma descendente do povo Charrua, da Banda Oriental, que vicejou junto às duas margens do Rio Uruguai, tanto no lado uruguaio quanto brasileiro. E segundo como alguém que tendo sangue charrua e não renegando a minha condição, tem pautado sua vida na missão de falar aos não-índios  sobre a importância de se conhecer as culturas originárias, para que não se reproduzam os discursos discriminatórios e racistas, tão comuns àqueles e àquelas que desconhecem a realidade desses povos. Importante ressaltar que a chegada dos espanhóis e portugueses nas costas de Pindorama não foi um encontro de culturas. Foi uma invasão, violenta e genocida. Mas, hoje, passados mais de 500 anos, os povos originários seguem acreditando, como naquele então, que é possível viver em paz. Apenas não abrem mão de seu direito de ter território e vida digna. 

1 – A primeira coisa a dizer é que essa gente – que muito chamam erroneamente de índios - é a verdadeira dona dessas terras. Digo erroneamente porque essas etnias tem nome próprio: Guarani, Laklãnõ Xokleng, Kaingang, Xetá, Charrua e assim por diante. Eram e são povos com história e cultura. Eles aqui estavam quando chegaram os invasores, eram mais de cinco milhões, e seus espaços foram sendo roubados na ponta da espada e na bala do canhão. Cada pedaço de terra onde hoje estão nossas cidades, as propriedades rurais, as fábricas, tudo, era originalmente desses povos.

2 – Não há qualquer argumento plausível para justificar o massacre desses povos. O que moveu os nossos antepassados brancos foi a sede incontrolável de ouro e riquezas. Em nome disso eles invadiram, mataram, estupraram, violentaram e destruíram tudo o que viam pela frente, incluindo aí grandes civilizações. Em nome de um deus único, o deus cristão, e argumentando que os originários não tinham alma, eles roubaram a vida e a terra de todos eles.

3  - Todo esse processo de invasão e violência não se deu sem luta. Os povos originários resistiram e batalharam contra os invasores desde os primeiros anos da chegada deles às nossas praias. Caciques como Hatuey, Guaicaipuro, Tupac Catari, Tupac Amaru, Sepé Tiaraju e tantos outros empreenderam lutas gigantescas na defesa de seu mundo. Infelizmente foram vencidos e tiveram suas terras roubadas.

4 - Mas, se foram vencidos, não foram extintos. Eles sobreviveram e estão aí. Com a instituição do estado nação, Brasil, houve a tentativa de incorporar esses povos sobreviventes a uma única identidade: a brasileira. Mas, isso não foi possível. Não por eles, que sempre foram muito tranquilos na possibilidade do encontro. A dificuldade sempre foi do lado do branco, que sabendo de seu crime, sempre teve medo. Então, a saída foi desqualificar e aviltar.  Assim, o indígena, mesmo que vivendo na cidade, sempre foi apontado como alguém ruim, perigoso, preguiçoso, inútil. Essa é a ideologia que venceu. E mesmo aqueles que nunca viram um índio na sua vida, que nunca conheceram as culturas originárias, são capazes de reproduzir essa mentira.

5 – O resultado é perverso. O homem branco destruiu o modo de vida do originário e ao mesmo tempo se nega a conviver com ele. Não quer que ele tenha terra, e lhe nega a possibilidade de ser alguém digno de respeito na sociedade branca. É um beco sem saída.

6 – O fato é que contra todas as previsões, os povos originários não se acabaram e nem se aculturaram. Eles sobreviveram à extinção e se fortaleceram como povo. De cinco milhões na época da invasão a 180 mil no final dos anos 60 do século passado, eles passaram para 300 mil nos anos 80 e agora já são quase um milhão. Contra todas as previsões de desejos eles sobreviveram e cresceram. Por isso, hoje, eles querem de volta seus territórios. Porque ninguém pode ser uma cultura sem território. É o território que determina o modo de viver. Assim que nas culturas originárias eles precisam de espaço para caçar, pescar, nadar, fazer suas batalhas, plantar, enterrar seus mortos, dançar, educar os filhos, fazer coisas que a comunidade branca não consegue compreender porque não é o seu modo de vida. Os brancos podem viver apertados numa quitinete ou morar numa cidade sem mobilidade. Uma comunidade originária, não. Então, porque se nega a eles seu território? Se sabemos que foi roubado? Se conhecemos a história? Por quê? 

7 - Os povos originários não querem tirar a terra dos brancos, não querem sua fazenda, sua casa, seu quintal. Não. Eles sabem que já não é mais possível viver aqui nesse espaço, sem a presença dos brancos. Afinal, são 500 anos de convivência forçada. Mas, eles querem um espaço para viver conforme seus costumes e tradições. Um espaço grande, que lhes permita viver de verdade. Seus espaços tradicionais, com água pura, florestas, terra fértil. Esse espaço existe e pode ser ocupado pelos povos autóctones.

8   - Mas, há uma grande barreira nisso tudo: vivemos no sistema capitalista de produção. E, para o sistema capitalista essa proposta de vida dos originários é inconcebível. No sistema capitalista as pessoas existem para serem trabalhadoras, para vender sua força de trabalho a  algum patrão. Isso fará com seja gerado valor, e isso será o lucro do patrão. Ninguém ficaria rico se as pessoas trabalhassem para si ou vivessem coletivamente em comunidade. A riqueza só é possível com a exploração do trabalhador.

9 - Por isso, para os que controlam o sistema, o índio é um inútil e tem de ser destruído. Só que o índio não é um inútil. Ele só não quer ser um trabalhador aos moldes do capital. Ele não quer vender sua força de trabalho. Não quer gerar riqueza para uma pessoa que ele nem conhece. Não. O indígena quer viver na sua terra, na sua comunidade, trabalhando para o bem viver de todos os seus, em equilíbrio com a natureza. E por favor, isso não significa que ele queira andar pelado, de arco e flecha, como nos tempos primitivos. As comunidades estão convivendo há 500 anos com o mundo branco, e durante todo esse tempo eles foram obrigados a gerar valor, a vender sua força de trabalho para poder comer. Portanto eles têm direito a todas as maravilhas criadas pela tal “civilização”. Essas maravilhas são deles também. Então não venham com esse mimimi de que índio usa celular, computador e tudo mais. Sim, ele usa. Não parou no tempo. As culturas avançam e o índio não está cristalizado na floresta.

10 - O real motivo da guerra contra os índios hoje é o mesmo que moveu portugueses e espanhóis no final do 1400: riqueza. Se o índio não quer gerar riqueza para o capital, que desapareça. Os grandes senhores brancos que dominam espaços como esse, de poder, não querem que essa gente seja uma cunha de “mau exemplo”, exercitando coisas como trabalho coletivo, terras comunais, equidade, solidariedade, cooperação, amor pela natureza, equilíbrio. Isso é coisa de comunista, dizem. Logo, eliminem.

11  - As poucas terras que ainda estão na mãos dos originários somam perto de 12% do território nacional, ou seja, nada. Mas, para desgraça dos povos elas são também cheias de riqueza: madeira, ouro, diamante, nióbio, água. E o agronegócio, a empresa rural insaciável, quer tudo isso para si. Não apenas a riqueza material que está no solo e no subsolo, mas também a força de trabalho que virá do índio expropriado, que expulso da terra e do seu modo de vida, será obrigado a vender sua mão de obra por troca de nada, como os trabalhadores brancos.  Vocês sabiam que os Terena, do Mato Grosso do Sul, vêm como boias-frias para Santa Catarina, na colheita da maça? E que eles ganham pouco mais que nada? Pois é, é índio que o capital quer. 

12 - Então, é por isso que pessoas como Caiado, Kátia Abreu e outros de seu tipo, se tiverem de arrasar cada aldeia, cada comunidade, eles o farão. Não há compaixão no capital.

13  - A má noticia, para eles, os poderosos, é que os originários seguem vivos, crescem, se organizam, mantém acesa sua cultura e sua cosmovisão. Mesmo os mais aparentemente integrados tem dentro de si seu núcleo ético-mítico a lhe chamar. E, convocados, estarão nas fileiras da luta por território e pelo direito de ser quem são.

14  - Conhecer esses rápidos pontos já é um bom caminho para os não-índios. No Brasil, na América Latina, nos Estados Unidos, na África, todo dia tem sido dia de índio. Porque essa gente existe, está de pé e em luta, cotidianamente, ainda que a gente não veja quase nada sobre essas lutas nos meios de comunicação. Assim, compreender esses povos e seus mundos é o primeiro passo para o pagamento de uma dívida que ainda precisa ser cobrada. Mas, o que tem de ficar claro é que os povos originários não querem cobrar o terror da invasão com sangue. O que esses povos querem é o seu território e o direito de viverem em paz. 

O tal diálogo de culturas que muitos dizem ter existido em 1492, e que não existiu, ele ainda é possível. Mas, para isso é preciso uma mudança de postura por parte dos não-índios. Uma mudança que precisa começar. Já é tempo. Uma mudança que se expresse no respeito ao modo de vida originários, e no seu direito ao território. É tempo do pachakuti, como anunciam os indígenas dos Andes. Quando tudo muda. No 1492 os brancos mudaram a vida de quem vivia aqui. Agora é hora de a mudança acontecer no mundo branco. 

Já basta, dizem os zapatistas. Nunca mais o mundo sem nós. E assim é. 

terça-feira, 18 de abril de 2017

No busão... da UFSC ao centro




Saí da universidade por volta das cinco e meia da tarde. Respirei fundo, pois, depois das cinco, já se sabe que o calvário será doloroso. No geral, o ônibus leva uns cinquenta minutos só para ir da biblioteca até a Eletrosul. Não deve dar mais de dois quilômetros. É um martírio. E não há saída. Quem mora longe tem de pegar o ônibus. Não dá para ir à pé e a bicicleta não é opção. Não há ciclovias e não há respeito com quem pedala. Fazer o trajeto na magrela é arriscar a vida, sempre.

Agora para completar a tragédia da imobilidade ainda estão em andamento as obras da duplicação de parte da Edu Vieira. Outra obra inútil, pois duplica apenas um pequeno pedaço do trajeto, que novamente vai engarrafar na Eletrosul. É uma coisa de louco. Talvez fosse bom a gente investigar sobre os contratos da empreiteira que está fazendo o serviço, porque não tem explicação racional para aquilo.

O fato é que depois das cinco e meia os ônibus andam lentos e totalmente lotados. Quem vai em pé sofre demais, ainda mais carregando livros e cadernos. É o terror.

Pois nesse dia uma cena grotesca me jogou no chão. Uma daquelas coisas que nos deixa sem palavras, pelo tamanho do absurdo.

O busão seguia lento, o povo com aquelas caras de desespero, apinhado no corredor. Na catraca, a cobradora, a cada ponto, recitava o mantra: um passinho mais pra trás, por favor, tem mais gente pra entrar. Só que não tinha mais espaço. Nenhum passinho podia ser dado. Todos com aquela cara de bunda, já olhando feio para a moça. Mais um ponto e nem a porta conseguia abrir, de tanta gente. Então, ela, tentando ser engraçada, começou a gritar: olha a barata, olha a barata. Duas garotas que estavam mais a minha frente arregalaram os olhos, cheios de terror. Eu acalmei. Bobagem, não tem barata. Só a tentativa desastrada da guria em fazer as pessoas se apertarem mais.  

Lá na frente a moça sorria de sua própria piada. Só ela, ninguém mais. Eu, que ando com os nervos à flor da pele não consegui reter as lágrimas. Que porra de mundo é esse? Que merda de sociedade a gente criou? Na qual se tem de andar como bicho, olhos no chão, resignados? E ainda tendo de aturar brincadeiras idiotas de quem infelizmente não tem consciência de classe.

Bateu uma tristeza infinita. Porque aquela moça é uma trabalhadora. Deve também pegar o busão cheio para voltar pra casa. E certamente seguirá cabisbaixa e triste como todos nós que levamos quase três horas para chegar a casa depois de um dia de trabalho.

Do meu lado, as garotas rastreavam o chão, ainda sem acreditar que não havia barata. E me olhavam, estranhadas, por conta das lágrimas que corriam devagar. Vontade de quebrar o ônibus e a cara da mulher, que seguia rindo. Tem dias que é uma merda, mesmo... 




28 de abril - dia de parar o Brasil



O Brasil se prepara para uma greve geral no dia 28 de abril. E não é por acaso. Passado um ano do processo que retirou do poder a presidenta Dilma Roussef, conduzido por um Congresso corrupto e baseado unicamente num desejo de vingança do então presidente da casa, Eduardo Cunha, o país vive uma vertiginosa ação de desmonte. Sem nenhum prurido, a classe dominante assumiu o controle, impondo uma avassaladora derrota aos trabalhadores no que diz respeito aos direitos conquistados com longas e dolorosas lutas. Não que essa gente não estivesse no controle, durante os governos petistas, mas as coisas caminhavam mais devagar, com possibilidade de organização e luta. Agora, sem freio e com seus gerentes bem afiados, o processo de desmonte de direitos acontece sem máscaras e de maneira muito rápida.

O Congresso Nacional tem sido o protagonista principal nesse teatro de horrores. Com uma maioria expressiva, desde o próprio processo de impedimento, vem aprovando tudo o que o novo presidente quer. E o que Temer quer é o que quer o conglomerado empresarial industrial e agrário. Às claras, aqueles que deveriam representar a maioria da população, simplesmente viram as costas, ficam surdos às vozes das ruas, e legislam para os pequenos grupos de poder que os elegeram. Votam leis que fortalecem unicamente a classe dominante. Sem máscaras.

Com as denúncias realizadas no âmbito da operação Lava-Jato, a população finalmente se informa, com dados e números, sobre a realidade que desde sempre andamos denunciando: o estado nada mais é do que o comitê de negócios do capital. O estado existe para garantir que os ricos e poderosos sigam ricos e poderosos, seja pela expropriação de direitos dos trabalhadores, seja pela entrega das riquezas nacionais, seja pela sucessão de benesses oferecidas aos empresários nacionais e estrangeiros. Não é sem razão que todas as lutas travadas pelos trabalhadores encontram firme repressão. Vez em quando, se há algum crescimento nos lucros, a classe dominante permite uma ou outra proteção social. Mas, basta que caia a taxa de lucros para que tudo seja retirado. E aí, compram-se os deputados, os senadores, os vereadores, os governantes. Tudo é passível de suborno e corrupção. Ou seja, é da natureza do estado capitalista a corrupção.

Mas, todo o midiático escândalo da Lava-Jato é apenas uma agulha no “generoso” palheiro do sistema capitalista de produção. As propinas distribuídas aos legisladores, ministros e outros dirigentes do balcão do estado, são café pequeno diante das grandes quantias garantidas aos conglomerados nacionais e internacionais. Assim, enquanto os jornalistas de boca-alugada gritam histericamente sobre pagamentos de 10 milhões, dois milhões, 100 milhões, o estado brasileiro vai perdoando dívidas de empresas no valor de 26 bilhões – como é o caso do ITAU – ou 100 bilhões, como o caso das teles. Esse sim dinheiro gordo, que deixa de ser investido na saúde, educação, segurança, moradia, para encher as burras dos capitalistas.

Só que enquanto a mídia coloca no poste, para justiçamento, os peixes pequenos, os graúdos seguem nadando de braçada nas verbas do estado. Apenas o pagamento dos juros da dívida pública leva do orçamento brasileiro quase a metade de tudo que se arrecada. E sobre isso não se vê matéria na TV, nem comentários indignados dos jornalistas das grandes redes, acostumados a serem valentes contra os pobres e os trabalhadores. E uma auditoria nos contratos dessa dívida já deixaria claro o tanto de roubo, de corrupção e de entrega de riquezas se perpetrou desde a ditadura militar, momento em que a dívida começou a crescer vertiginosamente.

Os meios de comunicação não se preocupam em informar à população a totalidade do processo de corrupção que é natural no capitalismo. Limitam-se a fazer barulho com pequenos factoides, mostrando uma ou outra punição, como se isso fosse suficiente. Não é. A grande corrupção segue firme e a todo vapor. Ela é inerente ao sistema. E enquanto o estado perdoa dívidas dos empresários em valores estratosféricos, impõe aos trabalhadores o pagamento de toda essa conta, com aprovação de leis que tiram direitos e enxugam os serviços públicos.

Só no ano de Temer os congressistas congelaram, a seu pedido, os gastos públicos em 20 anos, condenando a maioria da população ao sucateamento de toda rede de serviços de saúde, educação, moradia, segurança, ciência, arte. Aprovaram o projeto das terceirizações que precariza ainda mais a vida do trabalhador e destrói tudo o que é público. Insistem na contrarreforma da previdência que tira o direito da aposentadoria, obrigando o trabalhador a contribuir 49 anos para então pleitear o direito de se aposentar. E, para fechar com chave de ouro, querem realizar uma contrarreforma trabalhista, destruindo tudo o que foi conquistado com sangue no último século.

Aos trabalhadores resta a luta e a organização. Antes de tudo é preciso totalizar esse cenários de desmonte e corrupção. Montar o quebra-cabeças inteiro e não apenas uma parte. A operação Lava-Jato - essa peça midiática -  é só a ponta do iceberg da corrupção do estado burguês. Há que mergulhar no mar de lama do capital e conhecer cada centímetro desse corpo que, para ser forte, precisa do trabalho e da vida do trabalhador.


Só os trabalhadores podem cortar a fonte do crime. Por isso, no dia 28, dia da Greve Geral, é preciso parar a produção, cada máquina, cada empresa, cada espaço de produção de valor. Se são os trabalhadores os que geram a riqueza, só os trabalhadores podem estancar a sangria. Parar é fundamental. Parar geral, travar a máquina do capital, mostrar força e organização. Essa é a única arma capaz de vencer a classe dominante. Há que lembrar: os que dominam conformam apenas 1% da população, os trabalhadores são 99%. Geram a riqueza e são a maioria, logo, o poder é deles. É tempo de usar essa força e esse poder.