quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O ano que vem



A abertura dos trabalhos legislativos no Brasil mostrou que o ano de 2016 não vai ser fácil para os trabalhadores. Com a presença da presidenta Dilma, que falou para os deputados e senadores, buscando apoio para suas pautas, o que ficou nítido e claro é que muita luta será necessária para garantir que direitos não sejam tirados e outros possam vir. Tendo como mote a retomada do crescimento, Dilma pediu apoio para a aprovação de um novo tributo, a CPMF, que incidirá sobre movimentações financeiras e também para as novas medidas que aprofundarão o chamado ajuste fiscal.

Não precisa ser muito esperto para saber que o tal ajuste será pago pela maioria dos trabalhadores, uma vez que o carro chefe da sua proposta é a desvinculação das receitas. E o que isso significa: que com ela, o governo poderá manejas os recursos do orçamento jogando verbas para onde julgar mais necessário. Com isso, o orçamento da seguridade social, que envolve saúde, moradia, educação, assistência social e previdência, poderá ser movido para outros objetivos, coisa que atualmente não pode ser feita. A Constituição define que arrecadação das contribuições sociais só podem ser gastas com o social. Desvinculando as receitas, o governo pode puxar recursos das contribuições sociais e garantir o superávit fiscal sem precisar criar outros tributos.

Com essa proposta de desvinculação o governo já acena com redução de financiamento do programa Minha Casa, Minha Vida, para quem tem menos renda, e cortes no Pronatec (formação técnica e para o trabalho) e o programa Ciência sem Fronteiras (formação no exterior). O argumento da presidenta para que aconteça a desvinculação é de que a carga tributária - que é a parte do orçamento que pode ser movida - diminuiu de 16% do PIB para 13,5%, enquanto que as contribuições previdenciárias aumentaram. A proposta é criar a CPMF e colocar parte dos recursos desse imposto na previdência. É deveras, uma matemática estranha, já que põe e tira recursos ao mesmo tempo e ainda continua com o velho discurso de que a previdência é deficitária.

Não bastasse querer mexer nos valores orçamentários das contribuições sociais, a presidenta ainda quer fazer nova reforma na Previdência que vai aumentar a idade mínima, mudar o fator previdenciário e ajustar a previdência dos trabalhadores públicos. Com isso, as novas gerações  - as mudanças não valerão para quem já está no sistema - terão de trabalhar muito mais tempo para garantir aposentadoria, além de terem de recorrer, obrigatoriamente à previdência privada, caso seus salários ultrapassem o valor definido como máximo que é, na verdade, muito baixo: 2.400 reais. 

Nesse pequeno mas significativo pacote de propostas se esconde um mundo de mudanças que mexe diretamente com o bolso e vida da maioria dos trabalhadores, visto que os mais ricos seguirão acumulando sem maiores problemas. Dilma acenou com medidas que beneficiam os empresários médios e prometeu abrir novos mercados para os grandes exportadores, bem como a privatização de estratégicos espaços, como é o caso dos terminais dos portos públicos e estradas. 

As pautas legislativas

Mas se as metas do governo federal não parecem muito atrativas para os trabalhadores, as outras pautas que estarão em debate nesse ano novo legislativo também representam péssimas mudanças, quando não um retrocesso abismal.

Pelo menos 10 grandes projetos deveriam preocupar sobremaneira os brasileiros e mobilizá-los no debate e na resistência pois, ainda que sejam temas periféricos às questões estruturais influem demasiado na vida cotidiana e reforçam preconceitos e ódios que já se expressam em grande número no país. Um deles é a proposta de um Estatuto da Família, da bancada evangélica, que considera família apenas a união entre um homem e uma mulher. Nada poderia ser mais atrasado que isso, mas já foi aprovado nas comissões. Outro é o da redução da maioridade penal para 16 anos, que pretende encher as cadeias para melhor alimentar a roda do capital. Também estará em pauta a chamada lei antiterrorismo que nada mais é do que legalizar a criminalização das lutas sociais  visto que, hoje, o conceito de terrorismo ficou mais largo, abrangendo nele qualquer pessoa que se coloque em luta contra os governos. Nessa linha de leis esdrúxulas está também a que criminaliza os agentes de saúde que informarem às mulheres sobre soluções abortivas como por exemplo a pílula do dia seguinte, mesmo que em caso de estupro.   

A pauta do ano igualmente se ocupará de temas como a permissão da terceirização sem limites, a retirada da Petrobras como exploradora exclusiva do pré-sal, a revogação do estatuto do desarmamento, a privatização dos Correios e da Caixa Federal, a flexibilização do conceito do trabalho escravo e a redução da idade para o trabalho que deverá ficar em 14 anos. 

Assim que os dramas serão intensos e a vida nacional colocada num profundo turbilhão. Nesse cenário temos um movimento social ainda muito dócil, sindicatos adormecidos e centrais de trabalhadores mais ocupadas em defender o governo, o que torna tudo muito incerto. Permitirão os trabalhadores brasileiros a retirada de mais direitos? Suportarão uma nova reforma da previdência? Estarão dispostos a aceitar retrocessos bárbaros e a consolidação de preconceitos? 

Recentes pesquisas mostraram que 1% da população mundial detém a riqueza equivalente aos 99% restantes, o que mostra que o abismo entre os mais ricos e os mais pobres só aumenta. Os dados ainda comprovam que 62 pessoas no mundo detém uma riqueza equivalente a riqueza da metade da população - ou seja, do que 3 bilhões e meio de pessoas. Isso não é bolinho. São dados aterradores. Esse abismo se expressa igualmente nos países capitalistas, nos quais os índices de riqueza também aumentam e se separam drasticamente dos mais pobres. Isso significa que motivos para luta existem e sobram. 

Ocorre que o capitalismo moderno e sua pedagogia da sedução ainda tem muito poder sobre as pessoas que, ingenuamente, acreditam que "com muito esforço" podem vencer na vida, "chegar lá". Esse tipo de crença é o que permite que os pobres permaneçam pobres e os ricos cada vez mais ricos. Romper essa mentira é tarefa difícil, ainda mais se considerarmos a crise pela qual passa o sindicalismo, que deveria ser o espaço da rebeldia e da organização para a luta. Sem trabalho de base e sem credibilidade essas entidades estão aí, em vida vegetativa. Caberá aos trabalhadores e aos que vivem sob a opressão do capital encontrar os caminhos da luta para mudar tudo isso.  


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O veneno de todo dia



Acompanhei a polêmica dos feirantes que vendiam produtos ditos “normais” como se fossem orgânicos. Um crime contra a economia, contra as pessoas. Uma fraude. Bom que tenham denunciado, evitando assim que pessoas comprem – e paguem caro – por um produto que, apresentado como saudável, não o é. Mas, o ponto de fundo, que definitivamente toca meu coração e meu corpo, é que poucos falam dos produtos cheios de agrotóxicos que são empurrados para nós em todos os mercados e feiras. O fato inexorável é: comemos veneno, e comemos muito veneno.

As feiras de orgânicos que começaram timidamente e agora já são encontradas com mais facilidade na cidade são uma alternativa boa, mas ainda para poucos. Como a produção é pequena e todo o processo de distribuição é difícil, os preços cobrados pelos produtos saudáveis são altos e a maioria das gentes não tem como pagar. Também é bom que se diga que mesmo comendo alguns produtos orgânicos, ainda sobra muito produto contaminado na nossa alimentação.

O agrotóxico, e isso já foi cientificamente provado, provoca uma série de doenças nas pessoas, sendo o câncer a que tem tido maior incidência. No Brasil, ingerimos, no mínimo, nove litros de veneno por ano. Que corpo pode resistir a isso?  Todos nós estamos morrendo envenenados, e da pior maneira possível, com doenças malucas que nos exigem o uso de uma infinidade de remédios.

A lógica perversa é a lógica da produção de mercadorias, para que se alimente a roda da indústria e do comércio. Cria-se a ideia da agricultura ultra-produtiva, que precisa de muito agrotóxico, e esse agrotóxico produz centenas de doenças, que movimentam os laboratórios farmacêuticos. E assim, vamos, presos à roda de um consumo induzido e criminoso. E não há escapatória. Quem pode manter uma alimentação orgânica? Quem pode fugir dos transgênicos?

A maioria da população, que passa o dia na dura faina de garantir o pão daquele dia, como pode se proteger? Não pode! Esse é o ponto. Apesar de todas as pesquisas e alertas sobre os males dos transgênicos e dos venenos na agricultura esses produtos seguem sendo produzidos e vendidos. Até bem pouco tempo ainda havia a rotulagem, que pelo menos nos informava o que estávamos comendo. Agora, por conta dos lobistas do “agrotóxinegócio” – Kátia Abreu, atual ministra da agricultura à frente - até isso nos é negado. Não há o que fazer.

O leite que chega na caixinha, tem de tudo, menos leite, e abundam as pessoas com reação à lactose, coisa que nem acredito, pois lactose deve ser o que menos tem na caixa. Certamente deve ser algum veneno. O trigo que comemos em profusão, nos pães, bolos e biscoitos típicos da nossa cultura, estão modificados e refinados e “quimicalizados” de tal forma que passam a nos fazer mal. Polenta é coisa que nunca mais podemos pensar em comer, uma vez que a farinha de milho que nos vendem é sabe-se lá que monstruosidade genética. Carnes e comidas enlatadas, embutidas, ensacadas. Mas, ainda assim, lá vai a procissão ao supermercado pagar por veneno. E é porque não tem jeito. Vamos fazer o quê? Nossa única chance é estarmos também nós tão profundamente modificados geneticamente que possamos resistir a essas drogas e venenos que nos empurram diuturnamente. Mas, mesmo assim, ainda estaremos alimentando a indústria dos remédios, tomando pílulas para dor de estômago, náuseas, dor de cabeça, mal estar. O festival dos horrores.

A ministra da Agricultura do Brasil, Kátia Abreu, que é representante dos grandes fazendeiros nacionais, declarou há pouco tempo que essa gritaria sobre os males do agrotóxico é puro preconceito e que o Brasil não usa produtos que causam câncer. O que explica então, o fato de latifundiários estarem jogando agrotóxico nas fontes de água dos indígenas – para exterminá-los - em algumas regiões do país? O que explica o índice elevado de doenças nas áreas rurais? Se é preconceito, o que explica instituições idôneas como a Fiocruz e o Instituto Nacional do Câncer insistirem para que se elimine o agrotóxico das plantações? Ou seja, o cinismo é moeda corrente entre aqueles que nos empurram veneno goela abaixo.


Bueno, mas se tudo é assim, então não há mesmo saída? Sim, saída há. Mas ela não é individual. Precisa ser coletiva e massiva. Uma nova organização da vida, as gentes mobilizadas contra o massacre cotidiano que envolve não apenas a comida que comemos, mas todo o resto. A saída não pode ser encontrada isolada na questão alimentar. Ela diz respeito a grande política, aos desafios estruturais. Vamos caminhando e, enquanto não alcançamos o grande meio-dia, bradamos e lutamos!