sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Vitor, presente!





















Na imensidão da Biblioteca Universitária, se destacam, bem à entrada, duas mesas de exposição. São como uma ferida aberta no grande saguão ainda um pouco vazio, por conta das férias escolares. Ali, gritam figurinhas de animais, flechas, arcos, cestos e livros que falam da cultura indígena do estado de Santa Catarina. Os bichinhos, entalhados em madeira, representam a meninice e a brincadeira das crianças Guarani, Kaingang e Xokleng Laklãnõ, as três etnias que sobrevivem no estado.

No trabalho de tecer as ramas para o cesto, entalhar a madeira ou fabricar as flechas fica muito claro a relação que os povos originários, desde a mais tenra infância, mantêm com a natureza. A cultura brota da mata, num intercâmbio respeitoso e cúmplice com a natureza. São essas peças que representam de maneira muito profunda cada etnia e que os indígenas procuram vender para garantir o sustento das famílias, uma vez que, muitas vezes, sequer têm suas terras demarcadas, o que dificulta tremendamente qualquer possibilidade de subsistência dentro das aldeias. É, então, o artesanato que eles levam para as cidades, na tentativa de garantir o bem-viver.

Foi numa viagem assim que Vitor Pinto perdeu a vida. A família saiu de Chapecó (no oeste do estado) para o litoral, para aproveitar a presença dos turistas. E, como sempre acontece, não há qualquer estrutura para receber essas famílias. Elas vêm por conta e acabam se abrigando onde é possível. Naquele dezembro de 2015, a família de Vitor ficou na rodoviária e foi ali, na calçada, enquanto comia no colo da mãe, que o garotinho foi assassinado. Um crime tão vil que ainda não cabe na compreensão.  

O assassino é um jovem de 23 anos, com uma triste história de abandono e exclusão, que já está preso. Mas, a prisão não traz Vitor de volta e muito menos abranda a dor causada pela perplexidade de uma morte sem razão. Assim, passados 30 dias daquele terror (o assassinato foi no dia 30 de dezembro), a singela homenagem desse grupo de Florianópolis à memória do pequeno  kaingang procura marcar a necessidade do reconhecimento das terras indígenas para que as gentes originárias possam viver na dignidade. 

A exposição foi montada pelo Museu do Brinquedo da Ilha, que funciona na Biblioteca da UFSC, a partir de uma articulação envolvendo pessoas e movimentos que atuam na causa indígena. A organização do acervo ficou a cargo de Viviane Vasconcelos, Telma Piacentini e Gleide Bitencourt Ordováz. O material pode ser visitado até o final de fevereiro.  

Venha visitar e render homenagem Vitor .

* Horário da Exposição

Horário de Verão da BU/UFSC

Das 07:30 às 13:30 h de segunda à sexta até 26/02/16
Sábado e domingo fechado

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

América Latina e seus dilemas



Já vai longe o tempo em que as notícias chegadas dos países irmãos da América Latina enchiam a vida de esperanças. Cooperação, soberania, equidade, mudanças, os ventos cambiantes soprando desde a Venezuela e se espalhando pelo continente. Nada muito revolucionário, mas pequenas e significativas transformações que começavam a cimentar um caminho diferente para uma população sempre subjugada dentro de um capitalismo dependente, no qual só sobrevivem os que mais roubam e exploram.  

Com Chávez à frente foram criados novos espaços de integração latino-americana como a Unasul, a Celac, o Caricom, bem como um Banco do Sul e uma emissora de televisão que buscava igualmente integrar o continente pela cultura: a Telesul. Durante mais de uma década, esse lugar geográfico denominado América Latina finalmente conseguiu olhar-se e descobrir-se parte de uma mesma proposta, a mesma com a qual um dia sonharam Petión, Bolívar e Artigas, uma América unida, grande e soberana.

Mas, apesar desses avanços, os Estados Unidos, que acredita ter como destino manifesto a posse sobre a riqueza e a vida de todos os que vivem abaixo do rio Bravo nunca desistiu de barrar esse sonho. Por isso, em 2002, o governo de Washington jogou pesado no apoio ao golpe contra Chávez. Mas, a bravata do empresariado local aliada aos EUA acabou debelada pelo povo nas ruas e pelo exército bolivariano. Foi uma derrota fragorosa que obrigou o governo estadunidense a pensar formas alternativas de destruição do chavismo e da ideia de integração. E, de qualquer forma, mostrava claramente que o tempo dos "golpes" não se acabara. Eles sempre poderiam voltar, se fosse do desejo do governo imperial.

Assim, dois anos depois, em 2004, Os Estados Unidos desestabilizavam a região do Caribe com a deposição do presidente eleito do Haiti, Jean-Bertrand Aristide. A partir desse golpe, o país foi invadido pelas tropas da ONU, incluindo aí soldados de países como o Brasil e a Bolívia, que, em tese, deveriam estar alinhados com a Pátria Grande e não com o Império. Já foi mais uma jogada de mestre dos Estados Unidos, pois além de tirar o Haiti da rota da esquerda, criou desconforto e desconfiança entre os governos latino-americanos. 

Depois, também no combate contra o avanço das ideias bolivarianas no Caribe, os Estados Unidos fomentaram o golpe em Honduras, no qual os militares locais sequestraram o presidente Manuel Zelaya, deportando-o para Costa Rica. Foi o retorno explícito de uma prática que a América Latina pensava já ter sido vencida. E, apesar de toda a gritaria da comunidade internacional Zelaya não voltou ao cargo e a constituição do país foi rasgada. Os militares golpistas realizaram eleições que foram consideradas ilegais, mas o presidente eleito no pleito imoral acabou sendo reconhecido e a vida seguiu. 

É que apesar dos percalços e das perdas a corrente bolivariana seguia arrastando dirigentes governamentais, movimentos e sindicatos. Transformações na saúde, na educação, nas matrizes energéticas, tudo tomava novo ritmo. Países como a Venezuela, Brasil, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai, Argentina, Nicarágua, com governos considerados progressistas, iam - cada um no seu ritmo e com suas especificidades - mudando leis, nacionalizando riquezas, distribuindo renda. 
É claro que tudo isso não se deu sem contradições. A Venezuela não conseguia sair da matriz petrolífera, o Brasil se rendia ao agronegócio, o Equador excluía os indígenas e se aproximava das multinacionais do petróleo e da mineração, o Uruguai cedia aos transgênicos, a Argentina não atendia os trabalhadores. A batalha se dava também internamente em cada país. 

Então, em 2012, a fábrica de golpes apresenta um novo formato. E ele aparece no Paraguai, onde o presidente Fernando Lugo tentava - ainda que timidamente - dar combate ao latifúndio. Por conta de um conflito entre policiais e camponeses na região de Curuguaty, o qual terminou com 22 mortes, o legislativo nacional apresenta um pedido de impedimento de Lugo, acusando de omisso, e num processo relâmpago, eivado de ilegalidades, no dia 22 de junho,  o presidente constitucional é deposto pelo Senado paraguaio, numa votação que contou 39 votos a favor e 04 contra. De novo, a gritaria geral dos países latino-americanos e de outras partes do mundo não mudou a realidade. O golpe foi respaldado. Caia mais um governo articulado na ala dos progressistas.

No ano seguinte, em março de 2013, a onda bolivariana que embalara mais de uma década de transformações na América Latina, sofre mais um golpe. Morre o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que era o principal condutor desse processo. Com ele, desaparece muito da força carismática que carregava multidões e encantava governos. E, a partir daí, abre-se um flanco para que - tal e qual nas guerras de independência  - os governos até então alinhados aos sonhos de integração passem a atuar de forma mais individualizada. Chávez, o que puxava as orelhas, o que chamava para a boa direção, já não estava, e cada um tratou de cuidar de si. Mais um ponto para a águia, os EUA, que seguia não apenas à espreita, pronta para o bote, como ajudando no processo - inclusive financeiramente - de revitalização das entidades e organizações conservadoras nos países latino-americanos.

Em 2014, os ataques se concentraram na Venezuela, onde tentaram de todas as formas derrubar o governo de Nicolás Maduro. Ajudada pelos erros do novo presidente, a elite local - aliada dos EUA - produziu uma poderosa guerra econômica na qual os venezuelanos se viram sem produtos para consumir, com uma inflação galopante e com o dinheiro desvalorizado. O contexto de caos e carestias levou ao crescimento das forças conservadoras que acabaram vencendo as eleições legislativas em 2015, tirando a maioria do governo. 

Em 2015 também o Brasil foi sacudido por forte crise política que já se manifestava desde 2013, e que foi crescendo ao ponto de se tornar uma espécie de cruzada contra o PT. Apesar de o governo de Dilma Roussef jamais ter sido um obstáculo para os conservadores e para a elite local, essas forças atuaram fortemente no sentido de derrubá-la do poder. E, como numa ópera bufa, as tentativas de golpe legislativo - a exemplo do Paraguai - contaram com a participação desastrada do próprio vice de Dilma, Michel Temer. Até agora ainda caminha no Congresso Nacional o processo de impedimento da presidenta. E tudo isso num quadro que nunca se aproximou de qualquer mudança estrutural significativa. Um pouco de distribuição de renda, com o Bolsa Família, mais acesso à educação superior pelos pobres e um forte apelo ao consumo, com facilitação de crédito. Ou seja, nenhum risco para o capital.

Também em 2015 a Argentina deu o passo mais significativo, já que foi com a decisão popular: uma guinada para a direita, a partir da escolha de Maurício Macri para a presidência da nação. O jovem milionário, representante do atraso,  entrou chutando todos os baldes, com uma sede de mais de uma década. No primeiro dia depois da eleição, levantou as forças mais bizarras, que, num editorial de jornal, saudavam os velhos militares do tempo da ditadura. E, depois da posse, o próprio Macri tratou de mostrar sua inspiração, uma vez que nos primeiros dias nomeou ministros da justiça por decreto - o que é contra a lei - demitiu trabalhadores públicos, fechou veículos de comunicação, suspendeu programas nas TV públicas, fechou a TV Senado e tentou acabar com a Lei de Meios, que regula a comunicação. Dias depois, numa reunião do Mercosul, interpelou a representante venezuelana exigindo a liberdade de Leopoldo López, que ele chama de "preso político" e que a Venezuela entende ser um assassino. Na ocasião levou um cala-boca por parte da chanceler Delcy Rodriguez, que repudiou a ingerência, mostrou fotos da violência provocada por López e acrescentou: "Não nos surpreende que isso venha de uma pessoa cujo primeiro ato como presidente foi liberar torturadores". 

Agora, nos albores do ano de 2016, Macri assoma como o queridinho da direita latino-americana e terá como companhia os deputados venezuelanos da oposição, que também assumiram seus cargos provocando o governo, retirando quadros de Bolívar e de Chávez, mandando-os para o lixo. Sem contar o gesto absurdo do presidente da Assembleia Nacional, Henry Allup, que, durante o discurso de posse, se referiu ao governo passando a mão pelo pescoço, no gesto de degola. Cenas explícitas de violência e terror que são saudadas por todos os que querem de volta a explícita bota estadunidense. 

Esse é o cenário no qual se desenrola a velha luta de classe, a queda de braço entre um pequeno grupo que detém a riqueza e os meios de produção, e a maioria despossuída. Nesse embate, surpreendentemente, temos muita gente que faz parte do grupo dos despossuídos apoiando e saudando os representantes da nova/velha direita. Marx diria que é porque eles não sabem, estão com os olhos velados pela alienação, pela falta de conhecimento. Eu, modestamente, arriscaria dizer que hoje dificilmente seria possível não saber. Creio que estão mais para a servidão voluntária, como descreveu o então jovem Etienne de La Boétie, por volta do ano 1550, aqueles que, podendo ser livres, escolhem servir a um tirano apenas por algumas migalhas.

Grandes desafios se configuram no horizonte. Grandes desafios. Os adversários e os inimigos continuam os mesmos, mas os novos tempos exigem dos latino-americanos aquilo que exortava o grande mestre Simón Rodríguez: ou inventamos, ou erramos!

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Exposição marca 30 dias do assassinato de Vitor


Ato e exposição de brinquedos marcarão o dia

Desde há 500 anos, quando chegaram nas nossas terras os invasores, que a proposta do mundo branco é exterminar os povos indígenas. Primeiro foi através da escravidão.Não deu certo. Depois houve a tentativa de integrar o índio na cultura branca, entendida como civilização. Tampouco foi possível. O índio que vive no mundo branco nunca é totalmente aceito. A sociedade é racista, preconceituosa e discriminadora.

Assim, não foi sem razão que o assassinato bárbaro do menino de dois anos, Vitor Kainkang - degolado por um jovem de 23 anos em Imbituba, litoral catarinense - passou sem maior alarde nos meios de comunicação. Um pouco mais de atenção e já se poderia notar a culpabilização da vítima. O que fazia a família fora da aldeia? Porque não ficam quietos nos seus lugares de origem? Porque para a sociedade dita branca o lugar do índio é confinado em algum lugar bem distante, que não incomode a vista.

Mas, os povos indígenas são povos livres que como qualquer um de nós têm todo o direito de se movimentar pelo território. Além do mais, como são relegados pelas políticas públicas governamentais e raramente tem suas terras demarcadas, eles precisam batalhar para garantir a comida na mesa. E uma das formas de sobrevivência que encontram é justamente vender seu artesanato na temporada de verão no litoral. Logo, o fato de uma família Kaingang estar no litoral, tão longe de sua terra e em condições precárias de alojamento é muito mais responsabilidade dos governos do que deles.

Daqui a quatro dias se cumprem os trinta dias do assassinato de Vitor, o pequeno guerreiro kaingang. O provável assassino está preso, mas o inquérito deve ser concluído até a próxima semana. Em Florianópolis movimentos sociais e de apoio a questão indígena, bem como representantes das três etnias (Kaingang, Guarani e Xokleng Laklãnõ, preparam uma homenagem para marcar a data do assassinato. Estão sendo organizados pelo Museu do Brinquedo um ato e uma exposição de brinquedos e brincadeiras no hall da Biblioteca da UFSC, no dia 29 de janeiro, para lembrar a meninice perdida de Vitor.

Passe o tempo que passar, nas terras indígenas ninguém vai esquecer. Até porque, outros meninos e meninas estão aí, na dura luta pela sobrevivência não só de si mesmos, mas de toda a sua cultura.

Vitor Pinto, presente!!!

domingo, 24 de janeiro de 2016

Comunidade vai reconstruir o rancho do Aparício

Em entrevista no programa Campo de Peixe, da Rádio Campeche, seu Aparício e o filho Pedro contam da mobilização da comunidade.