sábado, 28 de novembro de 2015

Encontro de Blogueiros de SC


foto: Iris Cavalcante

Participei nesse dia 27 do Primeiro Encontro de Blogueiros de Santa Catarina, promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, que é dirigido pelo jornalista Altamiro Borges. Na mesa que dividi com Milton Pomar falei sobre a conjuntura da mídia no estado, trazendo aspectos históricos da formação da mídia em Santa Catarina, centrando na formação do oligopólio da RBS a partir do final dos anos 70. No debate os temas foram os mais variados, a conversa foi rica. Lembrei que a democracia na comunicação só virá quando tivermos outra sociedade e que não é possível humanizar o capitalismo. Insisti que a comunicação alternativa é sempre resistência, e no mais das vezes pouco eficaz diante da abrangência e o poder dos meios comerciais. Resistir à formulação ideológica da mídia comercial é necessário, mas se não avançar desde aí, ficaremos sempre dando remédio para o monstro. É hora de caminhar para outra organização da vida. Unir, disseminar a comunicação que universaliza, fugir da manipulação, e abrir espaço para as vozes que não tem onde se expressar. Mas, sempre de olho no lá na frente, quando os meios serão nossos. 

O jornalismo na Furb


Estive na primeira semana acadêmica de jornalismo da Furb, um curso novo que vingou muito por conta da insistência generosa da jornalista Roseméri Laurindo, que é filha de Blumenau e há muito sonhava com um curso desses na região. Agora, nessa primeira semana organizada pelos alunos dá para ver o quanto é importante que se tenha um curso de jornalismo em Blumenau, voltado para os problemas locais, capaz de auscultar a realidade regional. E o que a gente vê é uma galera curiosa, interessada em fazer a diferença. O jornalismo está vivo e é uma das profissões mais necessárias do mundo. Contar as histórias, desvelar o que está escondido, narrar a vida na sua universalidade... Muita alegria em participar e poder contar a experiência de se praticar jornalismo nas margens.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Ação de graças



Final de tarde, barra do dia se escondendo e eu fui dar uma espiada nas redes sociais, ver as notícias, saber o que está acontecendo e essas coisas. Com surpresa reparei várias postagens de gente saudando o Dia de Ação de Graças. Estaquei, cabelo em pé. Já não basta a tolice de festejar o halloween, uma festa gringa que nada tem a ver com nossos mitos? Agora essa? Festejar o "thanksgiven", outra festa típica dos Estados Unidos.  Então, talvez por conta de outras tantas dores represadas, chorei. Chorei até mais não poder.

O dia de Ação de Graças tem sua origem mais remota numa festa da colheita realizada pelos colonos recém chegados na terra nova. O primeiro desses festivais foi celebrado em 1620, em Plymouth, Massachusetts, por migrantes ingleses. Eles agradeciam pela boa colheita que tiveram depois de terem passado por alguns desastres no enfrentamento com os povos nativos durante o processo de invasão do território. Naquela colheita específica, eles contaram com a ajuda dos índios e com eles compartilharam a comida. Mas, tão logo a festa acabou, a guerra sem quartel continuou para "limpar a terra prometida dessas criaturas perniciosas", como atestam os escritos da época.

E é justamente por conta desse aspecto histórico que os povos originários dos Estados Unidos realizam nesse mesmo dia o "Dia do Luto". Eles recordam aos que invadiram suas terras que a boa colheita celebrada pelos colonos de Massachusetts só aconteceu porque eles levaram a cabo a destruição da vida daqueles que já viviam naquelas paragens, seja por morte, por contaminação de doenças ou escravidão. Por isso, fazem questão de jejuar e lembrar do genocídio que ainda não acabou.

Mas, apesar dos protestos no mundo indígena, a festa de ação de graças segue sendo o feriado mais importante do país, superando inclusive o natal. A data virou feriado em 1863, por decreto do presidente Abraham Lincoln.  

Tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá, o Dia de Ação de Graças é um dia de encontro familiar. Quem mora longe aparece para o jantar e o peru enfeita todas as mesas. Também é nessa semana que o comércio aproveita para fazer suas mais quentes liquidações, aproveitando para garantir bons lucros.

Em outros países esse dia também é celebrado, com outras motivações, mas sempre buscando agradecer pelas dádivas recebidas. No Brasil ele também é celebrado desde 1949 porque Joaquim Nabuco, que foi embaixador nos Estados Unidos gostou da festa e quis reproduzi-la aqui.

Hoje, quando o movimento indígena busca recuperar seu território e fazer respeitar sua cultura, esse ainda é um dia de dor. Enquanto alguns agradecem por terem conseguido conquistar uma nova terra e fazer dela uma das nações mais poderosas do mundo, os povos originários que seguem confinados em reservas, sem terra e eternamente vítimas de preconceito e discriminação, lembram a conquista e tudo o que ela significou de sofrimento, dor, miséria e morte. Séculos se passaram desde aquele 1620, quando brancos e índios sentaram na mesma mesa. Essa partilha amorosa não se concretizou na vida cotidiana.  Por isso, os indígenas não tem nada para agradecer.


Alguém vai dizer que nós estamos sempre reclamando e que temos de dar o direito às pessoas que querem celebrar. Tudo bem. Direito concedido. Mas os que tiveram seus antepassados assassinados e toda sua vida cortada também têm o direito de protestar.   

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A lição da juventude paulista



Paulo Freire já dizia: o mestre é aquele que, de repente, aprende. E é esse homem lindo que me vem à mente ao acompanhar as notícias das escolas ocupadas em São Paulo. Quando a máquina de ideologia – que são os meios de comunicação – transmitem, à exaustão, informações sobre o colapso da educação, sobre a violência nas escolas, alardeando que os jovens não querem nada com nada, vem essa gurizada a mostrar que isso não é verdade.

Eis aí um fato que precisa ser compreendido na sua mais ampla dimensão. Por que raios essa gurizada está ocupando as escolas, contra a proposta de fechamento e reestruturação do governo paulista? O que nos dizem esses guris e gurias, abraçando e protegendo velhos prédios carcomidos pela incompetência governamental? Que estupenda lição oferecem esses jovens aos “especialistas” que arrotam verdades sobre eles?

Marx já nos alertou desde há séculos que é preciso auscultar a realidade e que é da história mesma que brotam as ideias que, então, passam a comandar a vida. Então é hora de olhar a vida. Não existe colapso na educação, o que existe é a deliberada ação de não oferecer aos alunos do primeiro e segundo graus um ensino de qualidade. E como se faz isso? Simples. Começa-se pelo abandono das estruturas. As escolas vão se desmilinguindo, ficando feias, com tudo caindo. Não há cores, não há flores, não há beleza, os ambientes vão se parecendo com prisões. Depois, paga-se mal aos professores e eles precisam se virar nos trinta, dando quinhentas aulas para conseguir uma renda capaz de sustentá-los com um mínimo de dignidade. E o que pode ensinar um professor esgotado, cansado, estressado? Por fim, cria-se um plano de educação que não respeita os anseios das gentes, construído em salas fechadas, por especialistas ou tecnocratas que não conhecem a vida real, abarrotado de preconceitos e verdades cristalizadas. 

Então, juntando tudo isso, as escolas vão ficando cada dia mais tristes, parecendo um depósito de gente, um lugar onde o riso é punido, a brincadeira é vista como um problema, e a afetividade passa longe. Não é possível criar um ambiente amoroso - como queria Paulo Freire – se não são dadas as condições materiais para isso.  Lembrem, a realidade vem primeiro que a ideia.

Aí vem o governo paulista  - e não é só ele, em Santa Catarina também – falar em reestruturação, que nada mais é do que adequar o sistema de ensino aos interesses econômicos. Fechar escolas para baixar custos, baseado em números, estatísticas, planilhas. Pouco importa se o fechamento vai tirar o guri e a guria do seu bairro, ou vai desfazer um vínculo afetivo. Dane-se isso. Dane-se Paulo Freire, “aquele comunista”.

Pois quando o estado – baseado na algaravia conservadora de que a juventude não está nem aí para nada – decide mexer nesse já miserável quadro do ensino público, vem a realidade e o confronta. Os jovens pegam suas tralhas, seus cadernos surrados, seus telefones espertos comprados nos camelôs, colchões velhos, seu entusiasmo, seus sonhos, e ocupam a escola. Diante da polícia, das armas, das botinas, dos cassetetes eles colocam seus corpos ainda em formação, frágeis, mas resolutos. Aquele lugar em escombros ainda é o único espaço que eles encontram para minimamente burlar o perverso sistema que só os quer minimamente capazes para fazer girar a máquina.

Os secundas de São Paulo protegem a escola com seus corpos. Pode haver lição maior? Eles dizem não ao projeto de desmonte, ao descaso, ao desamor, ao golpe do capital. Eles apontam um horizonte de belezas. Sabem que aquilo que ali está  - a escola, o programa – ainda não é suficiente, têm consciência do que está por trás do desmonte, do fechamento, dos baixos salários dos professores, e exigem mudanças.

A escola que eles estão defendendo é o espaço do saber, o saber que é sabor, gosto bom. A escola de Simón Rodríguez, de Paulo Freire, de José Martí. A escola que forma para a vida, que promove a solidariedade, o afeto, a cooperação. Uma escola que é real, mas que não existe ainda por conta da habilidade de quem governa. Porque uma escola assim é sementeira de transformação.

O que os governos não sabem é que essa escola que eles plasmam com seus planos de ensino engessados e baixos salários – ineficiente, escura, conservadora – não é o único espaço por onde transita a criança e o adolescente. Eles caminham pelo bairro, andam de ônibus, enfrentam a violência, a miséria, a falta de interesse dos adultos. Eles são capazes de fazer as ligações e compreender o mundo que se mostra cotidianamente. E, assim, podem transcender às marteladas ideológicas da mídia, dos governos, dos adultos empedrados e conservadores. 

A pedagogia das ocupações em São Paulo é libertária e transformadora. Essa escola que os secundas estão construindo com seus corpos, suas danças, canções e sorrisos é a escola necessária. Mas, não esperemos que os governos os compreendam e os aceitem. O estado vai combater essa escola e esses jovens até o mais amargo fim, assim como combate e pune os professores que se insurgem contra a lógica bancária e mercantilista da educação. 

É uma queda de braço. É a luta de classe. 

E, aconteça o que acontecer, essa gurizada já venceu. Porque essa experiência pedagógica vivida, esse fazer o próprio caminho não será esquecido por milhares de jovens. Isso viverá para sempre forjando espírito e corpo para novas batalhas, para além da escola.

 O humano sempre escapa à escravidão. Essa é uma lição que os dominadores parecem não entender. Os quilombos são parte constitutiva do que somos, e seguirão existindo. Terras livres, de negros, de crianças, de mulheres, de índios, de velhos, de todos aqueles que, incapazes de aceitar o garrote, se levantam e andam. 

As escolas ocupadas de São Paulo fervem de vida, de luta, de alegria, de amor. Isso é educação! 

domingo, 22 de novembro de 2015

Hospital Universitário - um jogo de interesses


 A comunidade exige: respeitem o plebiscito.

Na última sexta-feira o Conselho Universitário da UFSC se reuniu mais uma vez para discutir a adesão à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. E, de novo, a mobilização de grupos contra e a favor, arrastou a decisão para a semana que começa. Cercados pelos manifestantes num auditório sem saída, os conselheiros decidiram apenas ouvir o voto do relator. Num documento de 44 páginas, o professor Carlos Locatelli apresentou os argumentos dos dirigentes do HU, da Ebserh,  e não levou em consideração a consulta pública realizada pela instituição que deu um sonoro "não" à adesão. Seu voto foi favorável a contratação da Ebserh para administrar o Hospital Universitário, coisa que já era esperada.

O que se seguiu a leitura do parecer foi uma discussão que bem retrata a formação do conselho e os interesses que o movem. A maioria esmagadora dos membros do CUn é formada por professores. Funciona ali a democracia dos "filósofos", bem ao gosto de Platão. Os técnicos têm apenas seis votos, assim como os estudantes, num fórum que tem mais de 50 pessoas. No famoso jogo das "garrafinhas", só passa aquilo que é do agrado dos professores. Temas de interesses dos técnicos ou dos estudantes só são vencedores quando algum elemento também interessa aos docentes.

A fala de um conselheiro - depois de vários discursos - foi incisiva: "não adianta fazer discurso, todo mundo já tem seu voto. Ninguém vai mudar de lado por conta de uma fala". Queria dizer com isso o jovem professor que todo o debate que se faz no CUn é ritualístico, mera formalidade, tudo já está dado. Talvez ele tenha razão. Outro professor atacou os que se manifestavam contra a adesão à Ebserh dizendo que o discurso desse grupo é ideológico, que não há números. "Eu quero números, números", insistiu, depois de dizer que só quem vive dentro do HU pode saber o que se passa lá, e, portanto, decidir sobre ele. De novo, a lógica de Platão. Na república dos filósofos, só eles podem saber o que é bom à maioria.

Mas, os que ainda resistem, formando a minoria do Conselho, seguiram falando, porque, afinal, é só isso que podem fazer. Logo, que não venham os "iluminados" querer tirar até isso dos sem-poder. Os argumentos, que o professor chama de ideológicos, são baseados na vida mesma, na realidade concreta daqueles que precisam de um serviço público de saúde, coisa difícil de ser entendida por quem não necessita dele. Com a adesão à Ebserh, os hospitais-escola, vinculados às universidades, estão agora com duas portas. Uma para os doentes do SUS e outra para os dos planos privados. Quem depende da saúde pública sabe muito bem a diferença no atendimento.

A tal empresa pública - que é de direito privado - se move pelo lucro, pela produção. E o que produz um hospital? Doença? E o discurso dos "contra" é que é ideológico... A Ebserh entra no jogo da administração com metas e projeção de resultados, contrata trabalhadores pela CLT e cria uma seleta casta gestora. Haverá um superintendente e mais 75 cargos comissionados e funções gratificadas, todos com salários bem polpudos - maiores do que os dos cargos de direção da UFSC -, fatia bastante cobiçada pelos que querem a imediata contratação.

O que deveria ficar bem claro para a população catarinense - que é quem de fato precisa do hospital - que há nesse debate uma inversão da linguagem. Os chamados "contra" são os que lutam pela manutenção do HU 100% público, sem a segunda porta privada. Já os que se dizem "à favor" escondem esse pequeno detalhe: a Ebserh é uma empresa e agirá como tal. Ou seja, numa empresa, o que vem em primeiro lugar é o lucro e não o interesses público.

Nessa batalha o que fica escondido é justamente a miséria da saúde pública e a cada dia mais voraz investida do mundo privado sobre o que deveria ser um direito. As relações de produção criadas no sistema capitalista tornaram a vida mesma um espaço para a compra e venda. Há uma indústria de alimentos que promove a doença, há uma indústria de remédios que vende o paliativo para a doença criada e há os serviços de saúde que oferecem a ilusão da cura, num círculo vicioso de oferta de "mercadorias". Nesse mundo só pode existir o cidadão-cliente, ou seja, aquele que paga pelas coisas. Os que não podem pagar são não-seres, inúteis no jogo, completamente dispensáveis, valendo algo apenas quando são evocados para garantir os recursos públicos que sustentam o lucro privado.

Essa semana, na terça-feira, o Conselho dará seu veredito e ele não será surpresa. Como a consulta institucional feita para ouvir a comunidade não é considerada "deliberativa" ela sequer será levada em conta, ainda que 70% da comunidade tenha dito não. Na UFSC, as "consultas" só são legais quando interessam a maioria dos professores, como é o caso das eleições para reitor que também são consultas informais, mas sempre respeitadas. Já no caso do HU, não. Ela é só consulta e ainda "teve muita abstenção", como lembrou o relator. A lei de Ricúpero em ação. "Se é bom pra nós, acatamos, se não é, escondemos". E assim segue a nave da UFSC.

Para os que discutiram com seriedade durante mais de sete anos a proposta da Ebserh, realizando seminários, encontros, debates e consultas, restará a amarga sensação de serem os "arautos da desgraça", ou seja, aqueles que gritam na montanha sobre os males que virão, e que não são ouvidos ou críveis. A república dos filósofos votará pela adesão e o HU deixará ser administrado pela universidade. O tempo, então, dirá quem estava certo. Pessoas há que se darão muito bem no novo sistema, é certo. Mas, serão poucos. Aqueles que apenas contam com o serviço público para cuidar da saúde certamente perderão.

O discurso - esse sim ideológico - de que o privado é melhor que o público venceu entre os professores, entre os alunos da medicina e até entre a população, porque esse é mesmo o modo de ser da ideologia. Falsa consciência. Verdade encoberta. Poucos são aqueles que olham com vista crítica para os serviços públicos que foram privatizados, como a telefonia por exemplo. Todo mundo tem celular, é fato. Mas quanto custa mantê-lo e como é o serviço? Ah, a difícil tarefa do pensamento crítico!

E assim, na terça, lá estaremos, para o que nos resta. Falar. Deixar registrado na história que vozes contrárias existiram e lutaram. As mesmas vozes e pessoas que estarão, de novo, na luta, quando preciso for.