sexta-feira, 1 de maio de 2015

A educação libertadora







Fotos: Rubens Lopes




Professores acampados na Assembleia Legislativa de Santa Catarina









Corria o ano de 1794. Um jovem professor, debruçado sob a luz da vela, escrevia sem parar. Redatava o documento que ficou conhecido como as "reflexões sobre o estado atual da escola". Com esse texto ele acreditava poder mudar toda a política de educação pública da sua cidade, Caracas. Era um desses educadores que amava demais o ofício de ensinar e, por isso, queria melhorar a escola pública que nascia, finalmente, atendendo aos filhos de camponeses e comerciantes pobres. Naqueles dias, só os pobres iam para a escola pública. Os filhos da elite tinham preceptores. Já os negros, índios e pardos nem à escola podiam ir, a eles o que estava reservado era a instrução fortuita, nas barbearias, quando alguma boa alma se prestava a ensinar as primeiras letras. E as escolas públicas eram poucas e ruins.

Simón Rodríguez era o jovem professor. Ele acreditava que para ensinar as primeiras ideias sobre qualquer coisa era preciso cuidado e delicadeza e isso não podia ser feito assim por qualquer um e de qualquer jeito. Era necessários que às crianças fossem colocados à disposição professores muito bem formados e bem pagos, porque seriam eles os que forjariam as mentes e os corações de um novo tempo que se avizinhava.

O documento escrito por Simón era longo e analítico. Ele colocava todos os problemas que via na educação pública e apontava caminhos novos. Primeiro: as escolas deviam ser bonitas, espaçosas e limpas. Deviam ter móveis condizentes com a comodidade para os estudantes. Os alunos deviam estar na escola de manhã e à tarde, aprendendo não só as primeiras letras, mas também trabalhos manuais para que pudessem aprender um ofício. Quanto aos professores, esses deveriam receber pelas aulas que davam e pela preparação das mesmas. "Nenhum emprego que exige a atenção de um homem se dota com escassez. Um professor, para além da penosa tarefa que leva, investe todas as horas do dia no desempenho do seu ministério". 

E Simón ainda insistia, falando sobre o trabalho do professor: "Considere-se que os professores desempenham uma tarefa extraordinária e, com ela, prestam um particular serviço à deus, ao rei, à pátria e ao estado, e não seria necessário mais nenhuma razão para que lhes fosse assegurada um recompensa proporcional ao seu mérito". 
Não bastasse toda a sua preocupação com o vencimento justo de um professor Simón ainda defendia que eles deveriam ter boa formação e que ela deveria ser continuada, para garantir que os maestros estivessem sempre "al tanto" de tudo que era necessário ensinar. Para finalizar ainda aponta a necessidade de que as escolas públicas se abrissem também para os negros, índios e pardos. Uma heresia.

E foi essa terna figura de Simón Rodríguez, escrevendo avidamente sob a luz da vela, que assomou - 221 anos depois  - no lusco fusco da Assembleia Legislativa de Santa Catarina quando vi diversos professores preparando as camas para passar mais uma noite, na ocupação da casa que deveria ser do povo, em função da greve que vivem desde o dia+ 25 de março. Professores que estão em luta por salário digno e por uma escola de qualidade, tal qual Simón naqueles turbulentos dias do final do século 18.

O documento histórico escrito naquele 1794, que Simón acreditava iria revolucionar a educação, não mereceu qualquer comentário por parte das autoridades de Caracas. Ninguém entre as autoridades escolares e municipais queria que a educação fosse acessível aos negros e pobres. Ninguém deu a menor pelota para a proposta de um salário digno, condizente com o trabalho realizado e muito menos alguém ficou preocupado com que os pobres recebessem ensino de qualidade por professores bem preparados. As folhas escritas com tanto zelo foram parar no lixo. E a vida seguiu seu curso. Simón, indignado, pediu demissão do cargo e saiu da Venezuela, jurando nunca mais voltar. Dedicou toda sua vida a plantar escolas na América Central, nos Estados Unidos, na Europa e depois, na América livre dos espanhóis. Morreu com mais de 80 anos, completamente só, com as pessoas do povoado - onde estava agonizando depois de um naufrágio - proibidas de lhe levar comida, porque ele era considerado um perigoso herege.

Esse tem sido o destino daqueles que querem mudar a escola, garantindo uma educação de verdade para os filhos do povo. Ou são destruídos fisicamente ou imputam a eles os adjetivos mais vexatórios: baderneiros, perturbadores da ordem, vagabundos, subversivos e outros tantos sinônimos. Assim como na Caracas de Simón Rodríguez, nas cidades, nos estados e nos países de quase todo o mundo conhecido, as autoridades seguem pouco se importando com a qualidade do ensino que é dado aos que não podem pagar por preceptores de luxo. Aos filhos do povo dá-se o mínimo. Basta que possam ter alguma ideia sobre matemática, geografia, historia, regras gramaticais e que sejam criadas as mínimas condições cognitivas para que possam obedecer - compreendendo - as normas que lhes serão impostas como trabalhadores nos lugares onde forem desenvolver alguma atividade. Nada de boas escolas, móveis confortáveis, professores de qualidade - bem pagos - nem delicadezas ou cuidados. 

Não é sem razão que os professores estejam sistematicamente realizando greves. Esses movimentos de luta são as formas coletivas que eles encontram para fazer aquilo que Simón fez no longínquo 1794:  uma boa análise da escola e propostas para que ela seja melhor. No mundo de hoje bater o pó das sandálias e partir já não é solução. Há que resistir na escola e fazer o impossível para que aqueles meninos e meninas possam ter muito mais do que o mínimo. Para que aprendam a ler o mundo, além das letras. Porque eles sabem, como sabia Simón e nosso grande Paulo Freire, que quem aprende a ler o mundo também é capaz de transformá-lo. 

Assim que fica bastante fácil entender porque os professores precisam fazer greves e porque são atacados violentamente como o foram, na semana passada, no Paraná, ou deixados para morrer a míngua, como faz o governador Raimundo Colombo em nosso estado, cortando-lhes, inclusive, o salário. É preciso derrotar esses educadores que ultrapassam o senso comum de que é preciso dar o mínimo aos pobres. Esses que marcham, que enfrentam a polícia e que resistem são os que querem oferecer os melhores frutos, os que querem ensinar a ler o mundo. Logo, são perigosos, desestabilizam a ordem das coisas, tão bem organizadinhas desde longos tempo. 

É por isso que nos movimentos de greve existem os que não aderem, os que se recusam a caminhar com os hereges. Porque pessoas há que aceitam essa regra cruel, de oferecer um arremedo de ensino. Assim como também há os que acreditam que as coisas tem de ser assim mesmo. Há os ricos, que tudo tem, e há os pobres, que precisam aceitar o seu lugar. Então, ficam, comodamente, nos seus lugares, reproduzindo a maça podre.

A batalha da educação é mais uma frente da velha luta de classe. Defender ensino de qualidade para os que estudam em escola pública é também defender uma outra sociedade, na qual as oportunidades sejam mesmo iguais para todos. Aceitar a escola como ela é acaba sendo uma adesão à mentira. A boa e velha enganação de que todos têm as mesmas oportunidades e que só não se dá bem quem não quer.   
  
Por isso me enternecem esses educadores que estão ali, deitados, no chão da Assembleia. Porque sei, que cada um deles carrega no peito aquela chama que tinha Simón. Lutam por seus salários sim, por vencimentos dignos do trabalho que realizam, mas também lutam para que a educação seja de fato libertadora. Porque uma educação de qualidade começa nos pequenos detalhes como apontava Simón: a escola bonita, a cadeira confortável, os materiais necessários e professores qualificados e bem pagos. 

As autoridades de Caracas não deram bola para Simón, bem como as de hoje ignoram as batalhas dos professores. Mas, pouco a pouco - o tempo da história é largo - as coisas mudam. Ou devagar, no compasso do pinga-pinga, ou abruptamente, numa revolução. O fato é que as coisas mudam e quando isso acontece é porque houve gente como esses educadores que hoje estão em luta. Muitas vezes, mesmo sem saber, eles estão pavimentando o difícil e longo caminho da consciência de classe. 

Esses valentes que resistem hoje já são vencedores. Furaram a bolha da mediocridade e avançam. 

quinta-feira, 30 de abril de 2015

estudantes negros na luta

A palavra nua


UFSC diz não a EBSERH

foto: Agecom

O plebiscito realizado na UFSC sobre a adesão ou não a empresa pública de direito privado, EBSERH, para administrar o Hospital Universitário garantiu a vitória do NÃO. 

Entre os estudantes que votaram, 75,62% disseram NÂO e 25,3% disseram SIM.

Na categoria dos servidores técnico-administrativos, os números foram: 68,34% votaram pelo NÃO e 28,67% pelo SIM. 

Já entre os professores a vitória foi do SIM com 58,51%, enquanto o NÃO ficou com 37,94%.

Aparentemente nenhuma surpresa, visto a cara cada vez mais conservadora dos docentes que, inclusive, encabeçam uma luta pelo retrocesso nas eleições para a reitoria. A Apufsc capitaneia o movimento pela aplicação do 70/30 nas eleições, buscando garantir um peso maior (70%) para os docentes, enquanto o restante de 30% seria dividido entre TAEs e estudantes. 

Agora, com esse resultado, que no geral mostrou que mais de 70% dos votantes não querem a EBSERH, o Conselho Universitário deverá decidir se adere ou não. Considerando que essa administração já realizou várias consultas para discutir questões importantes - como a cessão do terreno da UFSC para a duplicação de rua - e não acatou o que disse a comunidade, é preciso não se deitar sobre os louros e seguir com a luta.   

Professores no Paraná


Curitiba, Paraná.  Professores lutando por melhoria nas condições de trabalho e contra a retirada de direitos. As imagens mostram como o sistema a trata quem luta. A democracia é uma palavra sem significado, só vale para quem diz amém aos desejos do capital. A violência sobre os professores, estudantes e trabalhadores não é nenhum "absurdo". Ela é pão comido, coisa naturalizada, ação corrente em todos os momentos nos quais alguém se levanta contra leis ou atos injustos. E há quem diga que os que lutam são vagabundos. Pois são esses que fazem o mundo caminhar. Cada trabalhador caído faz, lá na frente, que aconteça a mudança. É triste, é dramático, mas é necessário seguir. Todo apoio aos companheiros que hoje enfrentam com valentia o governo de Beto Richa. Que todos os trabalhadores do Paraná se levantem e mudem a realidade. É hora da ação coletiva e solidária. É hora da consciência de classe.



quarta-feira, 29 de abril de 2015

Os negros, os pobres e a indiferença







A luta por permanência na UFSC











O Conselho Universitário da UFSC protagonizou nessa terça-feira, dia 28, mais uma página lamentável da sua existência. Sentindo-se confrontados por um pequeno grupo de estudantes negros, que reivindicava o direito de permanência na universidade – uma vez que 12 deles, excluídos dos auxílios, estão em situação de emergência – alguns professores bateram boca, gritaram e se retiraram da sala. Para piorar a situação, a reitora em exercício, Lúcia Pacheco, imediatamente suspendeu a sessão, impedindo assim que o tema fosse conhecido e discutido pelos conselheiros. Boa parte dos membros saiu e apenas a representação dos técnicos,  alguns poucos professores e alguns representantes dos estudantes permaneceram na sala dos Conselhos e ouviram as demandas dos estudantes. 

Eram cinco horas quando gritos começaram a ser ouvidos na sala contígua ao Conselho. “Ô reitoria, chega de ausência. Preto e pobre exige permanência”. Mais um pouco e um grupo de estudantes negros adentrou a sala. Eles vinham cobrar respostas a uma demanda que já estava sendo discutida há dias, sem que a administração desse uma resposta favorável. Segundo eles, vários alunos em situação de extrema necessidade ficaram de fora do edital que garante assistência estudantil. Mostravam que a situação era de emergência e que era um direito que precisava ser garantido. “Estamos em uma situação de vulnerabilidade econômica muito séria, tem gente que está passando fome. Queremos saber por que nós ficamos de fora de todos os editais se o nosso cadastro prova que não temos como estudar sem o auxílio”. 

Os estudantes colocaram uma série de informações sobre outras pessoas, em situação econômica melhor, que foram contempladas e exigiam explicações sobre os critérios que a UFSC usa para distribuir os auxílios. “Nós entramos na UFSC pela porta da frente e não vamos sair pela porta de trás. Queremos nossos direitos, queremos estudar”. 

A reitora em exercício, Lúcia Pacheco, chamou a representante da pró-reitoria de assuntos estudantis para a mesa e quando um dos estudantes insistiu em continuar falando, os professores Paulo Pinheiro Machado e Maninho se levantaram dizendo que o estudante estava sendo desrespeitoso e autoritário com a reitora. Tudo isso porque ele disse que não precisava da permissão de ninguém para falar.  Nesse momento, vários outros membros do conselho começaram a se retirar, gritando com os estudantes, recusando-se a ouvir as suas falas. A reitora então suspendeu a sessão, dando legitimidade ao abandono. 

O que se seguiu foi uma série de falas e contra/falas que só demonstraram a triste realidade de uma instituição que apesar de 50 anos de história ainda não conseguiu aprender a conviver com a diferença. A presença de negros e pessoas empobrecidas na UFSC aumentou muito nos últimos anos, em função da política de cotas – que também demorou a se estabelecer na universidade. Essas pessoas fogem do padrão do estudante médio que a UFSC sempre teve, que era de classe alta ou média. Em função disso a demanda por bolsas e auxílios permanência aumentou consideravelmente. A instituição, em vez de travar dura batalha pelo aumento desses auxílios prefere o cômodo caminho do “a lei não permite”, “as regras são essas”, “vocês têm que entender”. 

O professor exaltado considera que o aluno que reivindica o direito de comer, morar e estudar é um autoritário. “Já basta de abaixar a cabeça. Somos negros, somos gente igual. Não somos subalternos”, repetiam os estudantes. A casa-grande continua querendo ditar regras para os negros. A casa-grande ainda não saiu de dentro de muita gente, esse era o sentimento. Desde quando uma mãe, negra, com um filho nos braços, não tem o direito de gritar por atenção e pelos seus direitos? Quando isso é autoritarismo? Quando isso é desrespeito com a autoridade? 

Que fique claro. Não se trata de vitimização. Não está em pauta o mantra de “somos coitadinhos”. Nenhum daqueles estudantes que entrou no Conselho estava pedindo favor. Há uma lei que garante a entrada na universidade e é necessário que a instituição encontre caminhos para que esses jovens possam permanecer e terminar os cursos. A questão racial é latente. “Temos muitos colegas que estão trabalhando, fazendo bico à noite para poder seguir. Outros já desistiram, já foram embora. Não têm de onde tirar. O caminho que a gente está buscando é a educação. Se amanhã um de nós pegarmos uma arma e sairmos assaltando, esses mesmos professores que se levantaram serão os primeiros a pontar o dedo e dizer: vagabundos, tem de morrer. Essa é a verdade”.  

A resposta da administração é de que vai estudar uma possibilidade. Mas os alunos não querem mais promessas, eles precisam pagar as contas agora. Entendem que a universidade tem de encontrar caminhos para a demanda de pedidos de auxílio que cresce a cada dia. Não dá para ficar escondida detrás de regras e editais. Se não há recursos, há que batalhar por eles, inventar, criar. A força política da universidade não é capaz de mover coisas desse tipo? 

Na verdade, a administração se comporta dentro da regra de como tem sido desde que assumiu esse mandato: agarrada a letra fria da lei. Não importa que bem ali, na sua frente, estejam pessoas de carne e osso. São números na matrix. E a resposta é: Não pode. Não dá. 

Os estudantes que entraram na reunião do CUn exigindo serem vistos não querem que a UFSC burle as leis, nem que não siga os editais. Querem que a administração tenha a sensibilidade de enxergar o problema e caminhar para uma solução. Hoje são 12 pessoas que estão em situação de emergência. Amanhã, indefectivelmente, serão mais. 

Os pobres e os pretos estão entrando na UFSC. Os pobres e os pretos estão falando na UFSC. Essa é uma realidade que não tem mais volta. 



MST é homenageado na Assembleia Legislativa de Santa Catarina














Fotos: rubens lopes



















Eu tinha pouco mais de vinte anos, no início dos anos 80,  quando avistei o primeiro acampamento de sem-terra do MST. Era no interior da cidade de Ronda Alta, na estrada do Pontão. A Fazenda Annoni tinha sido ocupada por mais de 1.500 famílias e eu era repórter da RBS TV. Nunca saiu de minhas retinas aquela cena primeira, num virar da estrada, de centenas de barracos de lona e gentes em profusão. A bandeira vermelha, a fumaça dos fogões de chão, a correria das crianças e dos cachorros. Era uma cidade.

Naquele acampamento de sem-terra forjei meu espírito, nas conversas ao redor do fogo, sorvendo um chimarrão, conhecendo as histórias de cada homem e cada mulher que ali escrevia também a história do nosso país. A Fazenda Annoni foi o primeiro grande acampamento construído pelo MST instituído e organizado. Naqueles dias, os agricultores envolvidos naquela “aventura” eram considerados “bandidos”, “invasores” e toda a sorte de adjetivos que ficaram colados a eles por décadas.  

Desde a vivência da Annoni a experiência de organização e luta do Movimento Sem Terra nunca mais saiu do meu foco. Com eles passei a caminhar, não apenas como narradora dos seus mundos, mas como alguém que também acreditava na reforma agrária como uma necessidade para o país.
Foram anos e anos de marginalidade. Tanto para eles que faziam a luta, quanto para os que apoiavam o movimento. Em cada ocupação, cada marcha, cada ação, os meios de comunicação aplicavam sua velha fórmula de mentiras para a fabricação de um consenso contra o movimento, contra os trabalhadores, contra a reforma agrária. Muita gente morreu nessa jornada que já leva 30 anos. Mas, também, muitas famílias, que ousaram entrar para as fileiras de luta do MST hoje tem sua terra, sua casa, sua produção. São incontáveis os assentamentos que produzem a comida posta em nossa mesa.

Em Santa Catarina o MST nasceu na região oeste, quando realizou sua primeira ocupação – na fazenda Burro Branco. Desde aí, os trabalhadores sem-terra souberam que tinham um lugar no mundo. Cada ocupação, cada barraco fincado no chão desse estado, avançava no sonho da terra repartida. Também aqui não foram poucos os momentos de dor, de violência, de morte e de execração. E também aqui, as bandeiras vermelhas ousaram se desfraldar em marchas e movimentações reivindicativas. Tantos rostos, tantos sonhos, tanta beleza.

E foi recordando cada uma dessas ações do MST em Santa Catarina que acompanhei, cheia de alegria e orgulho, a entrada dos sem-terra e dos assentados do MST, na Assembleia Legislativa na noite do dia 28 de abril. Uma noite cálida de outono, mesclada do grito de luta dos professores estaduais em greve que também ocupavam a “casa do povo” nesse dia histórico. Ali estavam os velhos guerreiros da luta pela terra em Santa Catarina homenageados em uma sessão solene. Ali estava a nova geração, gurizada nascida nos acampamentos, ensinada no fragor da luta renhida. E naquela casa tão estéril, tão surda aos anseios dos trabalhadores, os deputados puderam ver a poderosa mística que movimenta a esperança dos sem-terra.

O barraco de lona, as ferramentas de lida na terra, a bandeira vermelha, aquele riso carregado de certezas, o braço erguido no gesto de luta. As falas emocionadas, as lembranças dos 30 anos de batalha por uma terra que ainda não chegou para todos. Tudo isso fez da noite de homenagem um momento de beleza.

O MST ocupou as cadeiras, as galerias, as escadas, os corredores. O MST entrou pela porta da frente, sem forçar, sem polícia para barrar. O MST entrou de peito aberto e cabeça erguida porque sabe o que tem feito nesse estado e nesse país, recuperando a dignidade de milhões de famílias sem-terra. O MST, que é responsável por quase uma centena de cooperativas e agroindústrias familiares em Santa Catarina, gerando comida para nossa mesa. O MST que tem revolucionado o método de ensino no campo e dando exemplo em áreas como a comunicação, a cultura e a arte.

Já não dá mais para chamar de “bandidos” a esse povo que tanto tem contribuído para a vida econômica e política do nosso estado. E foi por isso que a Bancada dos deputados do PT propôs a homenagem. Nesses 30 anos, a luta dessas famílias desenhou um estado diferente. Ninguém pode mais fingir que eles não existem ou que são apenas uma massa informe embaixo de barracos. O MST tem inserção significativa na vida de Santa Catarina e mereceu o reconhecimento. Não que precise disso. Essa gente já ocupou aquele espaço da Assembleia tantas vezes na força da luta, exigindo direitos. Sabe que aquela casa é do povo e a usa em consequência. Mas é sempre bom ver chegar aquela onda vermelha, entre risos e canções, ocupando os espaços do poder apenas para uma festa.

Também foi particularmente bom ver Vilson Santin, que já foi deputado estadual representando o MST, entrando no plenário cercado pela gente com a qual ele escolheu caminhar desde quando era muito jovenzinho. Um homem que nunca se perdeu nos caminhos do poder. Hoje, com os cabelos brancos, ele vai abrindo passo para uma juventude aguerrida que segue as pegadas dos antigos com a mesma valentia.

E assim, cada rosto marcado que entrou naquela casa na noite de terça-feira, foi trazendo uma lembrança. Boa. Cálida. Cheia de emoção.

O MST faz 30 anos. É forte, vigoroso, atento. O MST marca com sangue e suor a história desse estado. O MST é também Santa Catarina. Tudo isso se vê na exposição de fotos que está também na Assembleia Legislativa, marcando essa data tão importante.

E eu, que um dia cruzei as cercas desse movimento, me encolhi num cantinho, entre lágrimas, na firme certeza de que tomei a decisão certa lá nos meus distantes 20 anos. Porque o MST é muito mais do que seus erros ou os erros de algumas de suas lideranças. O MST é aquela força viva que assoma nos barracos, nas escolas rurais, nas cooperativas. A gente sem-terra que rasga o chão e faz brotar a vida. Esses são os meus.


O MST faz 30 anos e Santa Catarina disse: Obrigada! Foi bonito de ver.  

terça-feira, 28 de abril de 2015

primeiro de maio no Campeche

















O Campeche celebra a vida

O bairro do Campeche tem uma longa tradição de luta e festa. Desde os bons tempos do velho Bar do Chico, a luta pela cidade se fazia em meio à alegria, porque a vida mesma precisa de batalha e riso. Não é sem razão que o Campeche foi pioneiro na construção de um Plano Diretor para o bairro, que depois se espraiou para a cidade inteira. São mais de 30 anos de peleias para manter um jeito de viver que é simples, bonito e comunitário.

No Campeche também sobrevive ainda a pesca artesanal. São poucos barcos, mas todos os dias se pode ver pela praia a labuta difícil de quem vive do mar. A canoa à remo, a força bruta do pescador que precisa arrastar a rede com as próprias mãos, a partilha amorosa do peixe na beira da praia. Tudo isso vibra e mantém a comunidade unida.

É por isso, que no dia primeiro de maio, desde há 10 anos, as gentes do Campeche celebram a vida numa linda festa comunitária. É missa que marca o início da temporada da tainha, peixe bom que vem junto com o frio, trazer fartura para as mesas campechianas. 

Esse ano, além da missa, a Associação dos Pescadores do Campeche preparou uma intensa programação cultural que começa já na quinta-feira, dia 30, com a projeção de filme lá no Rancho da Canoa Glória, que hoje é praticamente um espaço de cultura local. E, no dia primeiro de maio, em meio às celebrações do dia do trabalhador,  o dia começa com um café comunitário no rancho, depois tem a missa e, em seguida, uma série de atividades culturais como brincadeiras e apresentações de teatro, com a Dona Bilica,  e de música.

O primeiro de maio no Campeche é um dia de encontros e delicadezas comunitárias. É quando a gente sabe que pertence a um lugar. Quando os abraços se fazem, o riso ecoa e as pessoas se encontram para comungar a vida preciosa. Tudo isso com o som do mar. Um momento em que a vida faz pleno sentido.

Quem é comunidade pode chegar. Porque comunidade são as forças vivas de um lugar, que lutam por vida digna, por beleza e pela distribuição da riqueza. 

Esperamos vocês.  

A revolução não será televisionada

Nesses dia 28 de abril, a partir das 19h, no Instituto Arco-Íris, que fica na Travessa Radcliff, 56, será exibido o filme "A revolução não será televisionada", sobre o golpe na Venezuela em 2002. Logo após haverá debate com Elaine Tavares e Jonaz Gil. A entrada é gratuita e a promoção é do CINEARTH, da Faed.