quinta-feira, 2 de abril de 2015

O rei está nu, e o sindicalismo morto?



Eis que, de repente, por conta da ação da Polícia Federal, a empresa mais criticada do estado de Santa Catarina, a RBS, está nua diante dos olhos da sociedade, pega num musculoso esquema de corrupção. Como é um meio de comunicação de caráter oligopólico, a RBS tem dominado durante décadas tudo aquilo que o catarinense vê, lê e escuta. E, justamente por esse domínio dos meios, acaba sendo a empresa que define o salário e as condições de trabalho dos jornalistas. Sempre foi leonina, arrochando e superexplorando, demitindo os trabalhadores mais velhos sem dó nem piedade. Por conta disso, ao longo dos anos tem sofrido sistematicamente a crítica dos sindicatos, movimentos populares e políticos, que fazem discursos explosivos sobre o quanto essa empresa esconde e manipula a informação, bem como explora os trabalhadores.

A batalha contra a RBS sempre foi difícil. Afinal, sem uma unidade real no campo popular e sindical fica ainda mais difícil combater uma empresa que se apossou de todos os meios de comunicação mais fortes do Estado, comprando jornais regionais e reduzindo-os a locais. Ainda assim, aqui e ali, sistematicamente pipocaram críticas ao monopólio da informação e a forma como a empresa direciona o tratamento dos trabalhadores no mercado de trabalho. Ela dá a linha, define, impõe.

Pois agora a RBS está desnuda, pega com a boca na botija, praticando o crime da corrupção, coisa que seus porta-vozes condenam com veemência em todas as suas mídias. E, diante dessa nudez, o que fazem os sindicatos, os movimentos populares, os políticos de esquerda? Até agora, concretamente, nada.

Outro dia um colega jornalista divulgou em algumas listas que eu fico por aqui, confortavelmente sentada atrás do computador, fazendo críticas aos sindicatos, mas que não tenho atuação sindical. Tudo o que fiz foi sorrir. Posso estar sentada atrás da máquina (o que é uma meia verdade) mas, pelo menos, uso dessa minha singela aptidão, que é escrever, para denunciar o que penso ser importante para a opinião pública. Afinal, como dizia Orwell, nada pode ser mais poderoso que uma opinião pública bem formada.

Escrevo, essa é a minha contribuição. Penso, analiso e escrevo. Penso que cada setor da sociedade deve cumprir seu destino. Os sindicatos precisam fazer a luta para melhorar a vida dos trabalhadores, os movimentos sociais para melhorar a vida na cidade e assim por diante. Cada um fazendo um pouco, na união, constroem o edifício da mudança. E, nesse processo, a crítica à mídia tem um papel fundamental. Desvelar as entranhas do processo de invenção das notícias, mostrar porquê os trabalhadores aparecem nos jornais como os “baderneiros”, enquanto os empresários que roubam a cidade são saudados como “grandes homens”, essa é a tarefa.

Ontem, no Rio de Janeiro e em São Paulo, movimentos sociais se reuniram em frente a Rede Globo. Muita gente. Protestaram contra o domínio do pensamento único – da classe dominante - que é o pão comido da emissora. Saíram de suas casas e foram gritar em frente ao prédio da platinada. Pode parecer pueril, mas não é. É ação legítima de uma gente que já abriu os olhos e é capaz de sair de sua zona de conforto para derrubar o ídolo de pés de barro. Tanto bate que um dia cai.

No caso de Santa Catarina, a filial da Globo foi pega nas malhas da corrupção, dando calote em dívidas e surrupiando o Estado. Mas, enquanto isso fervilha nas redes sociais, na vida real o lago está parado. Nem os sindicatos, nem os movimentos, nem os políticos, nem mesmo os jornalistas arriscam ações. Uma nota aqui e ali, coisa tímida. O rei está nu e não há nenhum garotinho a gritar. O silêncio e a inação significam o quê? É diante dessa inércia que me ponho a pensar.

De certa forma, tudo isso denota uma verdade inconveniente: o sindicalismo, domesticado pelos anos de aproximação com o poder governamental, perdeu a mão. Parece não saber como atuar diante da vida real que se expressa – hoje com muito mais virulência - nas famigeradas redes sociais. Há um mundo novo se configurando, e há os que insistem entoar a canção da luta com velhas liras. Como bem diz o companheiro Danilo Carneiro, do Tortura Nunca Mais, é preciso estudar. Compreender melhor esse mundo imagético, cibernético, feicibuquiano, e, a partir daí inventar novas canções em novas liras. Inventar, inventar, inventar, diria Simón Rodríguez, gritando para um mundo deserto de imaginação.

Parece que assim estamos. Depois de tanta lamúria contra a dominação midiática da RBS a temos fragilizada e nua sob nossos pés. E o que fazemos? Nada! Não espero notas comportadas divulgadas nos sítios e redes sociais. Espero ação. E, do meu jeito, já estou agindo… Preciso de parceiros!

A comunicação é um campo estratégico na vida política. Quem a domina está em vantagem. Hoje, em Santa Catarina, enquanto os sofridos professores vivem mais uma greve, o oligopólio segue firme inventando verdades, mentindo, escondendo. A classe dominante tem seu Sancho Pança, aparentemente invencível. Mas, como aconteceu com Al Capone, que foi pego por uma coisa à toa, eis que o império comunicacional - Globo e RBS - está sob investigação, com claras evidências de culpa. O rei está nu. Vamos gritar. Jornalistas, sindicalistas, militantes sociais… Já não é mais hora de chorar. É tempo de avançar no rumo da soberania comunicacional. Uma comunicação do povo, para o povo, com o povo.

Ah, essas utopias!… E a louca esperança de que os políticos, o sindicalismo e os movimentos sociais encontrem o caminho da luta renhida. P´alante, diria Chávez, P´alante!!!




quarta-feira, 1 de abril de 2015

Me dá um prato de comida aí!


























Ele segue vívido nas minhas retinas, inesquecível, indelével, como um dos personagens mais intrigantes da minha infância. Seu nome: Newton. Era chamado de “o louco da rua” porque indefectivelmente por ali ficava, sob um pequeno monte de terra, bem em frente a casa de um vizinho, o seu Ciro, a gritar impropérios. A impressão que tínhamos era de que o único objetivo da sua existência era xingar o seu Ciro. E ele o fazia em todos os estilos. Cantando, em forma de versos, berrando. Diziam que eles eram meio parentes, e por isso o vizinho não se importava com aquela cantilena diária. Nunca soube ao certo.

Newton era um homem bonito, alto, de cabelo comprido – pouco comum à época. Tinha um rosto expressivo, mantinha uma barba rala, mas um bonito cavanhaque. No mundo fantasioso das minhas leituras eu o comparava a Mefistófeles, do Fausto, de Goethe, porque havia visto desenhos nos quais o personagem malino carregava um cavanhaque do tipo que usava Newton. Andava sempre descalço, mesmo no inverno. E nos dias de calor, ficava sem camisa, com as calças arremangadas à moda de pescador. Tinha um corpo atlético, um abdome tanquinho. Era um tipão.

Fazia parte da nossa rotina ficar à janela vendo o Newton declamar suas diatribes contra o seu Ciro. Muitas vezes decorávamos algumas de suas quadrinhas e cantávamos também. Ele era parte do nosso universo. Na verdade, todo mundo na rua cuidava dele, oferecendo café e comida. Lá em casa, era seguro que ele aparecia. No final da manhã, quando o feijão da dona Helena cheirava, ele empurrava o portão e caminhava pela calçadinha lateral até a porta dos fundos. Encostava no batente e, autoritário, dizia o seu tradicional: “me dá um prato de comida aí!”. A mãe falava com ele, conversava, perguntava sobre a saúde, e ele quieto, não respondia. Aguardava em silêncio e refeição. Não aceitava ficar à mesa com todos na família, pegava o prato e seguia para seu montinho de terra em frente a casa do seu Ciro. Comia e voltava para devolver o prato e os talheres. Ninguém o temia, apesar de todos o chamarem “louco”. Entrava nas casas sem pedir licença. Era um familiar.

Hoje já não andam por aí essas figuras míticas que povoavam a vida das crianças num passado não tão distante das cidades pequenas. Presas em apartamentos ou casas bem cercadas, as gurizadas já não têm acesso a esses seres estranhos, complexos e amorosos, com suas “loucuras” sãs. Hoje, as crianças já não convivem com os diferentes. Os temem. E, o resultado é a intolerância, o medo, a incapacidade de partilhar a vida com o “outro, completamente outro”, como diria Dussel.

Eu, por obra do acaso de uma infância feliz, carrego esse seres mágicos na lembrança. O Newton, o Lobisomem, a Horizontina. Pessoas que, apesar de serem diferentes, conviviam com a gente em parceria amorosa, sem que o medo de suas “maluquices” os afastasse de nós. Eram amigos e os cuidávamos, reverentes. Ainda hoje, nas tardes de primavera, posso ver o rosto de feições tão lindas, algo quadrado, do Newton, assomando na janela. Naqueles dias, a gente via a cara séria, olhando para dentro do quarto, como a buscar um olhar amoroso, e a gente corria para o beiral, rindo alto e gritando seu nome. Não lembro de tê-lo visto sorrir alguma vez, mas ainda me transpassa a mansidão do seu olhar. Creio que eles nos amava, a todas as crianças da rua. Porque ninguém ria dele ou de suas cantorias difamatórias. Ele era um de nós, só que grande.

Foi tão forte sua presença que até hoje ainda repetimos, à hora do almoço: “me dá um prato de comida aí”. É o Newton, que volta.


Cinco câmeras quebradas



Fotos: Rubens Lopes


A presença de Emad Burnat se impõe pela singeleza. Ele é um homem simples, um camponês, que tudo o que queria da vida era viver em paz com sua família, no povoado de Bilin, Palestina, colhendo suas azeitonas. Mas, a violenta ocupação das terras palestinas pelo exército de Israel mudou a vida dele para sempre. Roubado de sua terra e de sua paz, ele não viu outra saída senão enfrentar o invasor. E o faz de uma maneira muito singular: filmando. Assim, registrando o cotidiano de seu povoado, ele conseguiu mostrar ao mundo o que realmente acontece na Palestina e como se expressa a tenebrosa face do terror. 

Tudo começou quando nasceu seu quarto filho. Ele comprou uma câmera para registrar os momentos familiares. Mas, no mesmo período, também iniciou no povoado um processo de resistência à ocupação e ao roubo das terras para instalação de colônias israelenses, com a construção de um muro. A comunidade decidiu realizar atos de protesto e resistências, e desde aí, todas as sextas-feiras, as gentes caminhavam até o local onde estava sendo construído o muro para gritar a sua indignação. Emad começou a filmar. Era o único na aldeia a ter uma câmera. 

Ao longo de cinco anos ele registrou a violência sistemática sofrida pela gente da aldeia. O roubo das terras, a trágica queima das oliveiras, o avanço das construções israelenses, o sequestro de crianças no meio da noite, a morte de seus companheiros. Ele mesmo foi ferido várias vezes e teve cinco câmeras quebradas nos conflitos, daí o nome do filme. É a vida real sendo muito mais contundente que qualquer filem de ação de roliúdi. 

O documentário é doloroso. Impossível dormir depois de ver tudo aquilo, que para as gentes de Balin e de toda a Palestina é o dia-a-dia. A ação de Israel é a escola do ódio. Como ficar impassível diante da queima das oliveiras no meio da noite, para dar lugar a prédios de colonos? Como suportar o olhar do pequeno Gibreel, questionando o pai sobre a morte de Phil, um dos habitantes da cidade, alvejado diante dos seus olhos, em mais um dia de resistência? Como aguentar o olhar de dor de uma mãe que vê seu filho arrancado de casa, apenas por querer defender seu pequeno espaço de terra? É desesperador.

Diante das câmeras, Emad vislumbra a fragilidade da existência e tudo fica mais concreto, porque não é um discurso sobre, é a vida mesma. Uma vida permeada pela sistemática agressão e pelo ódio que acaba nascendo e fazendo morada em todos, de ambos os lados. Impossível não explodir diante do terror.

Emad veio à Florianópolis e na sua humildade expôs a chaga aberta da Palestina. A resistência do povo de Bilin que nunca esmoreceu, apesar de todas as perdas, e que se fez exemplo para o mundo. Seu corpo marcado pelas balas e pelos ferimentos de um terrível acidente de caminhão é a prova viva da dor. “Há dez anos que nós, em Bilin, seguimos com a luta. É a nossa terra. Nós só queremos viver nossa vida como sempre, plantando, colhendo, cuidando dos bichos.”

O filme “Cinco Câmeras quebradas” tem uma larga trajetória de sucesso. Feito quase que exclusivamente por ele – com ajudas esparsas de um ou outro – tem sido visto por milhões de pessoas no mundo. “A caminhada do documentário não fez com qualquer coisa mudasse em Bilin ou na Palestina, tudo segue igual. As pessoas seguem sendo roubadas, violadas e mortas. Mas, pelo menos, serve para mostrar como é a nossa vida de verdade. Isso já é alguma coisa”.  

Emad é um filmador compulsivo. Ele mesmo diz isso no filme em certo momento, quando se questiona se não deveria jogar pedras e enfrentar os soldados como fazem os demais homens na aldeia. Mas, ao mesmo tempo ele intuía que fazer o que fazia, filmar, era também um tipo de luta tão importante quanto a dos companheiros que, inclusive, deram a vida pela luta. Assim, prosseguia, filmando, registrando, até mesmo a sua própria prisão. Em duas ocasiões foi salvo pela câmera, com as balas parando dentro dela. Ele conhece a sombra da morte e não tem medo. Tanto que hoje, enquanto ele anda pelo mundo falando da luta dos palestinos, lá, na pequena Bilin, quem segue seus passos é o filho maior, que já empunha a câmara com precisão. 

Emad, o cinegrafista, é um exemplo de amor pela informação e pela vida. Agarrado a sua câmera ele eterniza a barbárie, não como expressão de um sacrifício, mas como um libelo à resistência de uma Palestina que segue viva e de pé. Não foi sem razão que as gentes que lotaram o auditório do CCS/UFSC aplaudiram em pé a sua aparição, logo após o acendimento das luzes. Chocados pelas imagens da dor cotidiana, e estupefatos por ver que a vida encontra seu caminho, mesmo diante da ação mais violenta. A figura pequena e serena de Emad é, ela mesma, uma bandeira de esperança. 

فلسطين حرة ! Falistin, horra! Palestina, Livre. 

A projeção do documentário e a vinda de Emad Burnat foram promovidas pelo “Comitê Catarinense de apoio ao povo Palestino” em parceria com o projeto “História e Cultura do povo palestino”, coordenado pela professora Magda Zurba, do Curso de Psicologia da UFSC.

terça-feira, 31 de março de 2015

A RBS e o drama dos trabalhadores



Causa profundo constrangimento abrir a página do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e não ver uma única linha sobre a operação Zelote, que investiga o sumiço de débitos tributários, um desfalque homérico aos cofres públicos, no qual está envolvida a mais importante rede de comunicação do estado: a RBS, afiliada da Globo. Há suspeitas de que a empresa dos Sirotzki tenha pago cerca de 15 milhões de reais para que desaparecesse um débito seu com o estado, que pode passar dos 150 milhões de reais. É dinheiro demais da conta. Quem explica isso? E por que o sindicato dos jornalistas não abre a sua boca?

Lembro que durante a gestão do Rubens Lunge, foi feito um importante trabalho de denúncia do oligopólio que é a RBS em Santa Catarina. Um trabalho difícil, na medida em que contou com um sistemático boicote. Naqueles dias, um procurador do Ministério Público Federal chegou a entrar com uma ação pedindo a investigação do oligopólio (que tratava da compra de vários jornais no estado), mas ele foi afastado da capital e as coisas esfriaram. Ainda assim, o Sindicato dos Jornalistas, à época dirigido por Rubens Lunge, fez vários atos públicos no centro da cidade, recolheu assinaturas para um abaixo-assinado, buscou apoio junto aos demais sindicatos. Mas, pouca ajuda veio e, finalizada a gestão, os novos dirigentes não levaram adiante o trabalho de denúncia. O resultado foi que a ação acabou julgada improcedente pelo juiz Diógenes Marcelino Teixeira, da Terceira Vara Federal de Florianópolis. A justiça se rendendo ao oligopólio.

Agora, quando as notícias fervilham por todo o estado e até nacionalmente, com a RBS envolvida em corrupção – enquanto ela mesmo posa de vestal da moralidade denunciando a corrupção alheia – o que faz o nosso sindicato de jornalistas? O mesmo que vê, todos os dias, trabalhadores sendo explorados e demitidos sem justa causa por essa empresa? Nada! Nem mesmo um texto de informe. É mesmo a morte do sindicalismo e da própria política nesse campo de luta. Será que os dirigentes do SJSC não percebem o tamanho da bomba que vem por aí? Porque certamente tudo isso vai explodir no lado fraco da corda, os trabalhadores. Certamente haverá cortes, demissões, mais exploração. Esse é um tema que deveria estar na pauta do dia. Lamentável.

E já que o SJSC não faz seu trabalho, a gente ajuda. A operação Zelote tem uma característica que escapa aos “moralistas” de plantão. Ela não envolve políticos – os que são alvos fáceis e preferidos. Ela envolve o sacrossanto setor empresarial. São os bonitinhos e engravatados executivos das empresas que estão dando o calote no estado brasileiro, deixando de pagar impostos. Não é só a RBS envolvida, não. Estão sendo investigadas a Ford, a Mitsubishi, a BR Foods, a Camargo Corrêa, a Ligth, Petrobras e pasmem, também os Bancos. Estão na lista o Bradesco, o Santander, o Safra, o BankBoston e o Pactual. Segundo os informes iniciais, essas empresas teriam deixado de pagar aos cofres públicos a bagatela de 5,7 bilhões de reais. Eu disse bilhões.

Esse é um escândalo que está sendo investigado pela Polícia Federal, a Receita Federal, o Ministério Público Federal e a Corregedoria do Ministério da Fazenda. Por certo haverá funcionários da Receita envolvidos pois o esquema de sumiço dos débitos se dava desde dentro, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), mas é importante lembrar que não há corrompidos sem um corruptor. Há notícias de que existam pessoas – lobistas – especializadas nesses esquemas de contestação administrativa de débito e as empresas se utilizavam deles para fazerem os débitos desaparecerem do sistema.

Conforme as investigações que estão sendo feitas desde 2013, dos 70 processos investigados junto ao Carf, o total de tributos devidos chega a 19 bilhões de reais, sendo que 5,7 comprovadamente foram “desaparecidos” de forma ilegal. Em alguns casos já está acontecendo até a apreensão de bens, como carros de luxo importados. Todas as empresas envolvidas responderão a inquérito administrativo aberto pelo Ministério da Fazenda. A rede da Zelote pegou gente demais. E o que é mais incrível, gente que até ontem estava nas passeatas gritando contra a corrupção. São os que têm, como popularmente chamamos, uma moral de cueca. Gritam contra seus inimigos e não se preocupam com as travas que têm no próprio olho. Na verdade, é uma gente que nada de braçada no mundo das finanças, certa da impunidade.

Assim, agora, junto com a operação Lava Jato, que investiga o rombo na Petrobras e envolve PSDB e PT, as “renomadas” empresas e bancos privados terão de prestar contas de seus maus feitos.

Em Santa Catarina, a RBS tem uma história de expansão vertiginosa. Em pouco tempo de ação no estado foi aos poucos acabando com praticamente toda a imprensa regional. Comprou o “Santa”, de Blumenau, e o “A Notícia”, de Joinville, que eram jornais de circulação estadual e os transformou em tabloides locais, sem que houvesse qualquer chance do aparecimento de uma voz dissonante no estado. A RBS passou a ser a única voz de circulação estadual a partir do Diário Catarinense. Não bastasse isso, foi estendendo os tentáculos também na televisão e hoje abrange todo o estado com emissoras em cidades chave. É um oligopólio e oferece ao estado um pensamento único, sempre ancorado nos interesses da classe dominante, reservando aos sindicatos, movimentos sociais e lutas populares a alcunha de baderneiros, bagunceiros e criminosos.

A comunicação em Santa Catarina está sob o controle majoritário dessa empresa que, além de não pagar os tributos corretamente, como agora se anuncia, ainda lucra sobre os trabalhadores, no geral superexplorados. A multifunção é uma realidade denunciada todos os dias, com trabalhadores tendo de cumprir jornadas exaustivas, cumprindo funções de quatro ou cinco pessoas.

É fato que a categoria dos jornalistas é de difícil abordagem e de pouca participação nas lutas corporativas. No geral existe muito medo, e não é para menos quando se vive num estado no qual praticamente todo o mercado de trabalho é dominado por uma única empresa. Aquele que reclama ou que luta fica marcado e as pessoas precisam ganhar a vida.

Por isso o trabalho de um sindicato é importante. Porque o sindicato pode falar, denunciar, mostrar. Um sindicato tem as condições de atuar sem medo. Infelizmente não o faz. Nem mesmo agora, quando a denúncia já circula em nível nacional.

É hora dos jornalistas cobrarem ação, se juntarem, participarem da vida sindical. Nos tempos difíceis que virão, não será fácil enfrentar sozinho. Haverá choro e ranger de dentes, mas isso não acontecerá nas salas acarpetadas da empresa de comunicação. Se a RBS tiver de devolver aos cofres o que tem sonegado, é na carne dos trabalhadores que haverá o corte.

É hora de pensar sobre o caso e começar a se mexer.



domingo, 29 de março de 2015

A Venezuela e os defensores da democracia



A Venezuela não é um país socialista, embora Chávez tivesse sonhado com um caminho até esse modo de organizar a vida. Não teve tempo. Mas, por outro lado, não se pode negar que a Venezuela é um país que tem um sistema democrático bastante original e avançado. Para começo de conversa, esse país da ponta norte da América do Sul conseguiu desenvolver um sistema de governo bem diferente dos demais países de corte liberal. Lá, não existem apenas os tradicionais três poderes: executivo, legislativo e judiciário. São cinco os poderes que definem a vida do país, acrescentando-se o judiciário e o popular, sendo que o último é o mais importante. Ou seja, o elemento central de governo é a democracia popular. Na Venezuela manda o povo. Até o presidente pode ser retirado do poder por um referendo popular. Leis definidas pelo legislativo também podem ser revogadas se assim a população entender. É a democracia aprofundada. Nada pode ser menos parecido a um ditadura, como querem fazer crer alguns mandatários dos países centrais alinhados à política dos Estados Unidos. Numa ditadura, o povo não tem vez. E não é assim na Venezuela.

No mês de janeiro, a oposição ao governo de Nicolás Maduro - que faz o quer no país, sem que ninguém a constranja - chamou alguns ex-presidentes para discutir o tema democracia. Andrés Pastrana, da Colômbia, Sebastián Pinera, do Chile e Felipe Calderón, do México, todos eles governos títeres, quando no poder. Aliados dos EUA, escravos sem opinião. E, além disso, nenhum deles podendo servir de modelo para a democracia, nem mesmo a liberal-burguesa. Logo, o tal encontro para discorrer sobre democracia nada mais era do que uma farsa. O motivo central era desgastar o governo de Maduro, que passava por um período de crise, com um criminoso boicote de produtos, que esvaziou os mercados e obrigou as pessoas a viverem momentos de profunda tensão. Ações como essa, da oposição venezuelana, são bem conhecidas, e visam criar focos de violência para desestabilizar governos, abrindo passo para golpes ou intervenções econômicas.

Os três ex-presidentes foram visitar o que ele chamaram de "preso político", mas que a população chama de criminoso, por incitar jovens a atos de violência visando derrubar o governo. Pois eles não conseguiram entrar na penitenciária e alardearam pelo mundo inteiro que foram "impedidos" de ver o preso. Outra bobagem midiática. Não entraram porque não marcaram nem avisaram da visita. Mas, isso não evitou que disparassem suas diatribes contra Maduro, chamando-o de ditador, autoritário e ameaça ao mundo livre.

O presidente dos Estados Unidos, possivelmente o mandante de todo o imbróglio, decidiu dar uma de herói mundial - defensor da democracia -  e baixou um decreto considerando o pequeno país do norte da América do Sul, uma ameaça para os EUA. Outra bobagem homérica. Que ameaça pode representar um país como a Venezuela a um império militar e nuclear como os Estados Unidos? Nenhuma.

Mas, os meios de comunicação que dominam o mundo decidiram dar visibilidade a essa estupidez e a Venezuela voltou às manchetes como um lugar obscuro, onde a ditadura vige. Repito: a Venezuela não é uma ditadura, é um país democrático que serve de modelo de estudo a estudiosos de todo mundo pela sua original organização de cinco poderes. Uma democracia mais profunda que a tradicional. É uma novidade boa, mas disso nenhuma televisão fala.

Agora, não bastando toda a campanha desenvolvida pelo presidente Obama contra a Venezuela, outras lideranças políticas começam a engrossar o coro de apoio ao presidente estadunidense, visando dar cores de verdade a mais uma das mentiras inventadas pelo serviço secreto (nem mais tão secreto) dos Estados Unidos.

O tema é a prisão de Leopoldo López, o que incitou os jovens à violência, e a de Antonio Ledezma, outro político que conspirou pela queda do governo no episódios da guerra econômica, em janeiro. Os dois estão sendo pintados como os paladinos da democracia e recebem apoio de figuras como FHC, do Brasil e Felipe Gonzáles, da Espanha. Fernando Henrique, que foi o responsável pela entrega das estatais mais rentáveis do Brasil à empresas estrangeiras, diz que "já basta de abusos" na Venezuela. Mas ora vejam só. Seria de rir, se não fosse trágico.

E Felipe González já foi até expulso de Miraflores por Chávez quando tentou negociar a venda da CanTV a uma empresa telefônica espanhola que ele representava em 2006. A CanTV foi estatizada por Chávez, que ousou definir a comunicação como espaço estratégico na Venezuela.

Pois essa gente do tipo de FHC, González, Piñera  e outros que posam de vestais da democracia jamais tiveram coragem, quando nos seus governos, de aprofundar o processo democrático como fez Chávez. Jamais teriam topado uma reforma constitucional que desse ao povo poder maior. Tudo o que fazer é servir aos interesses das empresas transnacionais e dos governos centrais, dos quais são meros marionetes. Quem pensam ser esses senhores para abrirem a boca sobre a vida da Venezuela? Querem, por acaso, repetir a arrogância de outro refinado títere, o rei Juan Carlos, que ousou dizer à Chávez que se calasse. Ele, um monarca conduzido ao trono por um ditador?

Que se calem esses senhores sobre a Venezuela. Mal ou bem as gentes estão conduzindo seus destinos. Ao longo da quinta república estão realizando eleições, referendos, assembleias democráticas, e refinando sua democracia. Esse é o verdadeiro perigo que Obama não diz ao seu povo e ao mundo. O perigo da democracia mais profunda, popular. Essa é a ameaça que causa insônia ao monarca do "mundo livre" . Porque o "mundo livre" é uma pequena comunidade de ricos empresários, que controla os governantes a base de muito dinheiro, usando as populações a seu bel prazer, produzindo guerras, miséria, violência e medo.

A democracia direta, a democracia que se aprofunda e se aprimora é objeto de terror para esse "mundo livre", porque ela desloca o poder dos pequenos grupos legislativos e executivos, que são fáceis de corromper. Ela coloca o poder na mãos das gentes, muito mais numerosas para serem corrompidas. Esse é o medo, essa é a ameaça.

O doloroso nisso tudo é pensar que a maioria das gentes, a que realmente tem o poder de mudar as coisas, segue dominada pelo brilho ilusório da televisão ou pelas mentiras das redes sociais. Não querem ver a verdade, ou não podem, por várias razões. Essa maioria, que um dia haverá de ver... E, aí sim, provocar a grande transformação. 


A luta dos professores em Santa Catarina

Entrevista com Adalberto Tabalipa, do comando de greve. Ele fala sobre os motivos que levaram à greve e sobre a situação do professor em Santa Catarina.


A greve dos professores


 Alunos em Palhoça





A luta sem medo










Em Santa Catarina, a categoria dos professores decidiu entrar em greve. Nas emissoras de Tv e nos jornalões comerciais, a mesma lenga-lenga: estão atrasando os alunos, são uns irresponsáveis, não se importam com as crianças. Nenhuma simpatia por quem luta por direitos ou melhor qualidade de vida. Bem diferente do discurso "contra a corrupção" que /chamou as pessoas para manifestação em 15 de março. São os dois pesos, duas medidas de empresas que servem ao poder, não importa o que esse poder peça.

Os professores em Santa Catarina vivem o drama da superexploração do seu trabalho  e do completo desrespeito aos direitos que conquistaram. De um total de 44 mil trabalhadores na ativa, mais de 19 mil não são concursados. São os famosos ACT, os que tem contrato temporário.  Esses, além de não terem os mesmos direitos que os concursados, agora foram completamente desvinculados da tabela salarial, com retirada de direitos, pelo Plano de Educação aprovado pela Assembleia Legislativa. Não receberão mais por jornada de trabalho, mas por horas. Eles que tinham seus contratos suspensos em dezembro, sem décimo terceiro ou férias, e com a incerteza sobre se voltavam ou não a ter emprego em fevereiro, agora vão ter de batalhar por horas-aula. Só ganharão por isso. O contracheque  do mês de março já mostrou uma diminuição significativa dos salários. Eles não têm direito a hora-atividade e nada mais. São a mão de obra mais explorada do sistema educacional. E são eles os que ensinam as crianças da rede estadual.

Já os concursados, que precisam fazer greve para ter garantido o piso nacional - que deveria ser um direito - precisam também lutar por qualidade de vida no trabalho, uma vez que as escolas não oferecem estrutura para o ensino mínimo.  Basta lembrar a greve de 2011 que acabou com violência, com professores feridos, um verdadeiro massacre físico e psicológico. O governo insiste em também desvincular os trabalhadores com Nível Médio e Licenciatura Curta da tabela de vencimentos, "enxugando" a folha de pagamento, mas jogando os profissionais na vala da superexploração e da incerteza.  O governo também retirou a regência de classe do contracheque e substituiu por um "prêmio" de incentivo à sala de aula. Agora pensem. Quem serão os premiados? E quem não será premiado? Não dá para esquecer que o governador Raimundo Colombo pune com a criminalização os professores que ousam lutar por melhorias nas escolas. Foi o caso do professor Eduardo Perondi, da escola do Rio Tavares, que acabou exonerado por apoiar a decisão dos pais e alunos em não realizar as aulas numa escola que caia aos pedaços.

Diante desse quadro de destruição da educação, como esperar por um ensino de qualidade? Não que os professores ensinem mal por "vingança", mas porque é humanamente impossível ensinar com qualidade nessas condições. A luta pelo piso nacional - que é uma lei - já vem desde o ano de 2008, sem avanços. Pelo contrário, o que há é um governo insensível às questões da educação. Não há o menor interesse em garantir educação de qualidade para os alunos da rede pública. E tampouco há o interesse em dialogar com a categoria. As decisões vem de cima para baixo.

Não é sem razão que os próprios estudantes estão se mobilizando dentro da greve dos professores. Muitas turmas têm se recusado a entrar nas salas dos professores que ainda não aderiram ao movimento, mostrando que eles estão alertas para o descaso governamental. Sabem que só terão educação de qualidade se tiverem professores bem remunerados, com tempo suficiente para preparar boas aulas, sem que precisem correr de escola em escola para garantir um meio-salário.  

O ataque do governo de Raimundo Colombo tem objetivos claros. Na medida em que desvincula boa parte dos trabalhadores da educação da folha de vencimentos, ele também provoca uma quebra na força do sindicato. Com a categoria dividida, as lutas também precisam ser segmentadas, o que enfraquece o movimento e dá grande vantagem ao governo para que imponha suas regras. O resultado é a superexploração dos trabalhadores e um ensino que se esboroa.


Resta saber como os sindicatos, movimentos sociais e as forças que ainda estão vivas vão se comportar em mais esse momento de luta. A educação diz respeito a todos, não pode ficar só vinculada aos professores. Eles fazem a luta corporativa,e nós, a sociedade que ainda vibra e se organiza, temos de fazer nossa parte, apoiando o movimento e também alavancando a luta pela educação de qualidade. Isso pressupõe trabalhadores valorizados, bem pagos, estruturas seguras e políticas de emancipação. Isso é bandeira de todos os que querem transformação de verdade.