segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Derrotada!





As obras já estão a todo vapor para fechar o vão central










Quando o prefeito César Souza decidiu gourmetizar o mercado público, a gente resistiu. Fizemos protestos, gritamos, escrevemos, tudo o que tínhamos direito. Não adiantou. Ele decidiu fazer uma licitação e acabou tirando do espaço do mercado comerciantes que estavam ali uma vida inteira. Gente que já era patrimônio cultural, como foi o caso do Alvim, o bar da ponta da rua, lugar perfeito para uma gelada, um bolinho de bacalhau e a espionagem da vida que fluía para o terminal de ônibus. 

Depois da licitação dos espaços - que era necessária, mas que poderia ter respeitado os históricos - o prefeito do PSD decidiu fazer uma reforma no prédio. Até aí tudo bem, sempre são bem vindos os melhoramentos. Mas, o que deveria durar alguns meses se alongou para mais de um ano e, ao final, o que recebemos foi uma espécie de xópim. Os boxes, que antes abrigavam bares populares, com comidas baratas e acessíveis, sumiram. No seu lugar vieram os negócios de comida rápida, tipo o Bob´s, e restaurantes caros. Nada de botecos, nada de bares populares. Tudo ali estava feito para os turistas ou para a burguesia local. 

A música que rolava livre nos finais de tarde e nas manhãs de sábado também mudou. Agora, nada de pagode, ou de livre expressão das gentes. Tudo bem organizadinho, com inscrição e pagamento de taxas. Artistas populares e livres estão proibidos no local. No vão do prédio, ao ar livre, as cadeiras homogeneizadas da Coca Cola dão aquele ar de praça de alimentação, dessas que são iguais em todo o mundo nos centros de compras. 

Durante algum tempo buscamos resistir. Com alguns amigos sentávamos nas mesas e levávamos nossa cerveja ou nossa cachaça, visto que agora não há mais cervejas de 600 mls. Só chope fino ou garrafinhas long neck. Tudo muito caro. Tampouco há jeito de comer alguma coisa. Um pastel custa 12 reais. Levávamos então um saquinho de amendoim  e insistíamos em ocupar aquele espaço que fora nosso por décadas.

Na semana passada fomos lá, eu e o Rubens, em mais uma tentativa de estar no mercado. O novo bar, que ficou no lugar do Alvin, bem na ponta da rua, não vende bolinho de bacalhau unitário. Só porção. Ou seja, tem que gastar muito. Não dá. Lá no meio, nas mesas cocacoladas, tampouco se pode ficar. Uma olhada para os lados e não se vê qualquer globo ocular simpático. Não estão os amigos, os bêbados, os pescadores, os sambistas, as putas. O que se vê são os turistas e um outro tipo de gente que nunca antes tínhamos visto por ali, com joias no corpo e roupas finas. Por mais que a gente insista em ocupar nosso mercado, ele já não tem mais a nossa cara. Estamos expulsos dali, por conta dos preços, da freguesia, do ambiente pasteurizado. 

Mas, naquele triste dia, uma coisa mais me roubou a alegria. Iniciavam as obras de fechamento do vão central. A proposta da prefeitura é colocar um teto sob a parte que fica ao ar-livre. Ou seja, não bastou cocacolizar o espaço, há que torná-lo fechado, tomado pelo ar-condicionado, xopinizado ao extremo.

Nosso mercado de peixe deixará de existir. Será só uma casquinha amarela, cheia de granfinos gastadores por dentro, que sequer estarão interessados no lugar. Para eles, será só mais um espaço para tomar seus espumantes. Quanto a nós, os amantes do mercado, que nos embriagávamos da vida mesma, que ali fluía, resta desistir. 

Naquele dia de chuva, saí dali vertida em lágrimas. O meu, o teu, o nosso mercado não há mais. Derrotada. Agora, só mesmo a nostalgia da velhas fotos. O velho mercado se nos escapou, e poucos somos os que choramos por ele...

Um dia alguém dirá: Por que? Por que? Como hoje dizemos do antigo Miramar. E, tal como antes, será tarde demais...

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