quarta-feira, 18 de março de 2015

UFSC mostra uma cara nada democrática



Reunião do conselho universitário discutiu regras da eleição para a reitoria

O conservadorismo que volta a se mostrar de forma explícita nas ruas e nas redes sociais, também se apresenta na UFSC em todas as suas cores. E, nada melhor do que uma reunião do Conselho Universitário para se perceber isso. Na terça-feira, dia 17, a discussão foi sobre as eleições para a reitoria. Desde há meses vêm se movimento pela universidade um grupo de professores que quer o retorno da porcentagem 70/30 para a escolha do reitor ou reitora. Os professores pregam a “legalidade” uma vez que a Lei de Diretrizes e Base determina que os professores tenham peso maior no processo decisório, garantindo a eles 70%, com os técnicos administrativos e os estudantes dividindo os 30% restantes.

A LDB, como sabem, foi votada nos anos 90, com um substitutivo do então senador Darcy Ribeiro, que atropelou mais de 20 anos de discussão e construção coletiva. Nesse substitutivo foi mantida essa regra inconstitucional, pois não há nada que justifique o voto de alguém valer mais ou menos. Que justificativa pode ser apresentada para que os professores sejam considerados “superiores” a técnicos e estudantes?

E foi justamente essa resposta que se tentou responder no Conselho Universitário. Qual argumento plausível para que o voto do professor valha mais? Não faltou quem respondesse com clara tranquilidade. O professor Daniel Martins defendeu que os professores decidissem a vida da universidade porque era assim que acontecia nas universidades de ponta de todo o mundo. Também defendeu a meritocracia, dizendo que um docente que estudou mais tinha mais direito do que quem estudou menos. E também comparou a universidade com a família, apontando que na sua casa não havia democracia. Chegou a dizer que se orgulhava da meritocracia, ratificando que preferia trabalhar numa universidade estrangeira de qualidade – onde os professores definem o administrativo – do que numa universidade do Amazonas.

O professor Rogério Portanova também defendeu que mesmo entre os professores deveria haver diferença. Um professor iniciante – argumentou – vale menos do que um com doutorado. “A democracia garante igualdade de tratamento, mas temos de levar em conta o mérito”. E bueno, se até entre os seus pares ele defende diferença no voto, que sobrará para TAEs e alunos?

Outros não foram tão explícitos e verdadeiros como os professores mencionados, mas, seja no silêncio ou nas falas dúbias, também defenderam que os professores são os mais capacitados para definirem os destinos da universidade. E o argumento é o mérito pelo estudo. Um argumento furado, pois não é o estudo em determinada área que faz de alguém capaz de administrar uma universidade. E, não bastasse isso, a democracia é uma bandeira tão defendida que até mesmo o MEC já acatou em vários documentos a consulta informal – eleição realizada pelas entidades – como legítima para a escolha do reitor ou reitora.

Outros conselheiros defenderam o voto paritário como um degrau na consolidação da democracia dentro das universidades. Os votos das três categorias valendo de maneira equitativa, 1/3, 1/3 e 1/3. Isso significa que há um melhor equilíbrio de forças ainda que o voto dos professores siga valendo mais do que o de um técnico e o dos técnicos mais do que o de um estudante.

E ainda houve quem defendesse o voto universal, como os técnicos e os estudantes, para quem uma pessoa vale um voto, sem qualquer diferenciação. Não há argumento que se sustente na defesa do voto majoritário dos professores. Dizer que os alunos são passageiros e não teriam interesse no processo é uma mentira. Quem faz um curso superior está sempre conectado a sua universidade, pode voltar, fazer uma especialização, uma pós-graduação, se importa com o seu destino. Os trabalhadores técnico-administrativos estão na instituição pelo mesmo tempo que os professores e estão cada vez mais qualificados. E mesmo que não aprofundassem os estudos, quem garante que eles não teriam capacidade para definir um voto? O professor Paulo Horta chegou a dizer que os estudantes e os técnicos não eram “engajados o suficiente” para ter peso igual ou equilibrado com o professor. Depois, confrontado pelo TAE Luciano Agnes, redefiniu sua fala dizendo que era preciso haver paz entre as categorias. Mas, enfim, quem está fazendo guerra?

Os estudantes também se manifestaram mostrando as incoerências dos argumentos meritocráticos. “Que qualidade pode ter um professor que forma um aluno que ele mesmo considera incapaz para o voto?”, E lembraram que o Conselho Universitário, enfim, não é o campo das lutas. Ali, onde também imperam os professores em maioria avassaladora, não é espaço democrático. As grandes batalhas se dão com a mobilização dos estudantes e trabalhadores.

E a tarde caminhou nessa interessante batalha de ideias, a qual teve também ameaças veladas de intervenção via justiça, caso se votasse pela consulta informal e paritária, como sempre foi na UFSC. Falou-se ainda em instabilidade institucional e coisa do gênero, bem ao gosto do mais espantoso conservadorismo.

Ao final havia três propostas na mesa. Uma que orientava a eleição informal e paritária, conduzida pelas entidades, outra que arquivava o processo, deixando sem qualquer indicação o tema e outra que reivindicava que o Cun fizesse a consulta formal – o que pela lei teria de ser com o percentual 70/30. Como a terceira proposta ficou dúbia, porque não se sabia que se propunha o 70/30 ou se orientava para o paritário, fez-se a votação – nominal - das duas propostas iniciais. O resultado foi 28 votos para a proposta da consulta informal e paritária, e 15 pelo arquivamento. A terceira proposta acabou não sendo votada pois se entendeu que já estava superada com a primeira votação, que indicava as entidades para comandar o processo.

Com essa decisão, a eleição para a reitoria da UFSC segue sendo como sempre foi, organizada pelas entidades. Mas, a história parece que não terminará por aí. A Apufsc, que representa os professores é quem está puxando a retomada do 70/30 e já divulgou que não participará. Outros falam em buscar na justiça a aprovação para a eleição em 70/30. O grupo de alguns “iluminados” professores da UFSC insiste que os mesmos são mais iguais que os TAEs e os estudantes. Essa guerra ainda promete muitas batalhas.

A reitora Roselane Neckel, bem como os pró-reitores votaram pela proposta um, de consulta informal e paritária.

Para quem vive o cotidiano da UFSC, esses debates de fundo que o Cun realiza são realmente fabulosos, porque permitem que as ideias se expressem com claridade, mostrando como ainda falta muito para que a democracia realmente seja entendida como um espaço de igualdade, de respeito pelo outro e de liberdade.


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