sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O voto na Dilma e alguns equívocos de interpretação



O anúncio dos novos ministros do próximo mandato de Dilma Roussef vem gerando, outra vez, uma onda de violências e agressões nas redes sociais. Mesmo entre companheiros de esquerda que, agora, cobram uma posição daqueles que ofereceram à presidente o tal do "voto crítico", contra o ex-governador de Minas, Aécio Neves.

A primeira coisa a esclarecer é que não existe voto crítico. Quem inventou esse conceito? Existe o voto, e pronto. O voto é um dos momentos da nossa democracia representativa e aquele ou aquela que decide votar em alguém e não nulo, simplesmente vota. Não há como embutir criticidade a esse voto.

Pelo menos não foi o que aconteceu nesse segundo turno das eleições. Aqueles e aquelas que, no campo da esquerda, decidiram não votar nulo tinham suas razões.  Um bom número acreditava que com o "susto" dado pelo crescimento da figura do Aécio levaria a presidente e seus aliados mais para a esquerda, uma vez que haveria de firmar alguns compromissos com esses grupos para garantir o voto. Outros, menos ingênuos, votaram na Dilma por saber que, de alguma forma, esse governo seria mais sensível às emergências do povo mais pobre, ainda que não saísse da borda da direita.

Terminada a contenda, aqueles que conseguem fazer um mínimo de análise - aí sim, crítica - da realidade, sabem que não podem esperar nenhuma mudança estrutural, nenhuma reforma mais ousada, desse governo que agora inicia seu segundo mandato. Infelizmente, apesar de vivermos num regime presidencialista, nossos últimos presidentes nunca usaram desse poder para impor suas propostas. Como avalia o professor de Economia, Nildo Ouriques, há, por parte do executivo,  uma equivocada dependência do Congresso Nacional e uma busca de "governabilidade" a partir de acordos que, obviamente, apenas atendem a parcelas poderosas do jogo político. O povo está excluído desse momento.

O que parece é que os mandatários temem um novo 64, já que, naqueles dias, apoiado no desejo popular que havia rifado o parlamentarismo, preferindo continuar no regime presidencialista, o então presidente João Goulart decidiu - ouvindo a maioria - iniciar um processo de reformas. Não eram propostas comunistas, nem mesmo socialistas. Eram reformas dentro da estrutura burguesa. E ainda assim teve o rechaço violento da minoria que sempre constituiu a classe dominante. Vindo dali, o golpe.

Talvez venha desse temor a fraqueza presidencial, que prefere aliar-se ao que há de mais podre no tabuleiro do poder.  E é tão tolo esse medo que, mesmo servindo aos interesses da classe dominante, como já fez Lula e agora Dilma, ainda assim, os velhos e os novos coronéis da política conseguem colar nesse governo a etiqueta de "comunista" e "bolivariano". Nada mais fora de propósito. 

O governo que Dilma começa agora a montar para o segundo mandato vai lidar com um Congresso Nacional ainda mais atrasado e conservador. Poder quase supremo da bancada ruralista, grande bancada evangélica fundamentalista, poucos deputados e senadores de esquerda. Esses, aliás , conformam uma minoria quase ritual. Muito pouco poderão fazer - desde dentro - para que avancem as pautas populares. E, justamente por conta disso, Dilma e seus aliados, procurarão ajoelhar diante da ideia que sempre se manteve na condução dessa nação: progresso para uma minoria, desenvolvimento para os ricos e algumas migalhas para os pobres - o suficiente para que não se movimentem.

Poderíamos ter apostado no  "quanto pior, melhor", votando no PSDB, que representa a velha direita e sonhar com o levante das massas. Mas, isso seria também ingenuidade. O governo petista domesticou boa parte do movimento social, houve um retrocesso no campo da luta organizada. E esse campo sempre foi  um grande componente fomentador da rebeldia. Haveria que ter um longo trabalho de reconstituição da radicalidade perdida, para evitarmos perder energia em conflitos pontuais e desorganizados.

Esse é o trabalho que nos espera, aos da esquerda. Haveria que realizar longas análises de autocrítica, compreender o que nos divide e definir um programa de luta com aquilo que nos une. Um longo tempo de medidas conservadoras e até reacionárias aponta no horizonte. Podemos ficar  atirando pedras nos companheiros que votaram na Dilma, ou podemos reconstituir o bonito tecido de uma esquerda revolucionária. Só que esse não é um trabalho para ser feito dias antes das novas eleições. É trabalho para uma vida.

Como exigem alguns companheiros nas redes sociais: Cadê os que deram o "voto crítico"?, eu me apresento e  assumo meu voto. Mauro Iasi no primeiro turno e Dilma, no segundo. Mas, dei meu voto sem estabelecer nenhuma ilusão programática. Não foi voto crítico, foi voto. Esse governo não me representa. Votei porque entendi que era minha obrigação evitar o pior, principalmente no que diz respeito às políticas sociais compensatórias que, de alguma forma, tiram dos mais pobres a indignidade da fome. Isso não impede que eu agora faça uma autocrítica, observando que o que vem por aí pode não ser o "menos pior". Talvez tenha errado - isso ainda está sujeito à análise  -  mas considero que a participação política de quem tem compromisso com seus país, com o mundo com o qual sonha, não se esgota no voto. Essa participação é cotidiana, na rua, no movimento, no partido, no grupo político. E, nesse compromisso sigo atrelada.

Estamos numa encruzilhada. E é nossa responsabilidade palmilhar o caminho da transformação. Para isso, temos de trabalhar em alguma medida de unidade. Um desafio, para partidos e movimentos. E, como dizia Simón Rodríguez, essa é nossa hora histórica: Ou inventamos, ou erramos! 


quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Na rodoviária de Porto Alegre



Novembro de 2014. Ali estava eu na rodoviária de Porto Alegre. Chinelo havaiana preto, um vestido colorido, colares e pulseiras multicores, aquele jeito meio hippie de ser. Esperava a hora de volta para casa. Na mesa, acompanhava-me uma Polar, bem gelada. Olhava, distraída, o passar das gentes. Os anos se sucediam e nada ali parecia mudar. Tudo estava como há 40 anos, quando eu pisara naquela rodoviária pela primeira vez. Era 1974, eu viera com meu pai para conhecer a capital. Ele a trabalho e eu para visitar uma amiga que se mudara há pouco tempo. Pois naquela tarde de quase verão, no vai e vem das pessoas, parecia ver a mim mesma descendo do ônibus de São Borja. Cabelo longo e cheio, chinelo de couro e aquele ar de quem busca descobertas. 

Não foi a mesma cara do ano de 1977 quando ali arribei de novo, desta vez acompanhada apenas da mãe, minha irmã mais velha e o irmão caçula. Naqueles dias vínhamos, não para conhecer a capital, mas para realizar uma longa e dura travessia até Minas Gerais. Meu pai havia perdido tudo o que tinha, enganado por um “amigo”, seu sócio numa bomboniere. Fora então buscar horizontes nas terras do norte, onde tinha um irmão. E, naquele ano, nos tocava, ao restante da pequena família, subir o mapa em busca de vida melhor.

Carregávamos duas malas grandes e uma caixa com a máquina de costura da minha mãe. Era tudo o que nos restara. Lembro-me de mim. O mesmo cabelo armado, uma blusa azul, velha, de crochê, uma calça jeans desbotada e as indefectíveis havaianas. Os olhos estavam assustados, mas curiosos. Sempre fui boa com mudanças.  

Agora, em 2014, eu estava na mesma velha rodoviária que tão pouco mudara. Podia me reconhecer no vidro da lancheria. A guria de blusa de crochê azul olhava para mim, com os olhos ainda cheios de susto e curiosidade. Sorri para ela. A vida fora boa para nós. Desde aquele triste 1977, quando abandonamos tudo pela promessa de Minas, quantas águas rolaram. Quantas dores, lágrimas. Mas também quantos risos e conheceres.

Sorvendo a Polar eu voltei a sorrir para mim mesma. “Gosto dessa mulher”, murmurei. Guerreira, braba, de nariz empinado e olhar inquieto. Mas, nos rastros das minhas havaianas bem sei o que já passei. Por isso a cerveja gelada me caia tão bem, como a celebrar uma vida plena. Tive todos os apertos, mas fui feliz. Abri meus caminhos a facão, sem reclamar. Construí uma vida.
Tenho cada coisa que sonhei. Um homem para amar, bichos para cuidar, uma caneta, uma folha de papel e todas essas histórias que me pulam na cara a cada tanto. Como aquela mulher que, do nada, arrancou de si as calças, o bustier e saiu gritando, só de calcinhas, pela rodoviária. Que coisa esse Porto Alegre...

Os garotos da lanchonete saíram às pressas, com os celulares, e eu, algo cansada, apenas gritei ao que sobrara: 

- Quirido, mais uma Polar!

Ah, o quanto gosto da pessoa que sou, toda feita de caminhos. E o quanto gosto de fruir esses momentos estelares, plenos de felicidade. Foi aí que o garçom bonito colocou na mesa o prato com o “à la minuta”.

Bueno, nada mais a dizer. Só esse sentimento de pura gratidão. 


domingo, 23 de novembro de 2014

A luta pela moradia

Fincada bem no centro da cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a Comunidade Autônoma Utopia e Luta tem sido um exemplo para a luta pela moradia em todo o país. Sua história começa no ano de 2005, quando organizadamente algumas famílias decidiram ocupar um prédio abandonado do INSS, durante o Fórum Social Mundial. A ocupação resistiu, prosperou e hoje é uma cooperativa que inclusive obteve regularização fundiária pelo Programa Crédito Solidário do governo federal. Conversamos com Eduardo Solaris, que vive na comunidade e participa de todo o processo de organização.