sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Notas sobre as eleições ou sobre porque votarei na Dilma



O PT não é um partido que representa o comunismo, nem mesmo o socialismo. Dizer isso é, ou estar mal intencionado, buscando criar um medo infundado nos conservadores e nos ingênuos, ou ser um completo ignorante sobre o que sejam esses sistemas políticos. Talvez lá nos seus primórdios, o PT tenha flertado com a proposta do socialismo, que é uma proposta generosa de organização da vida, na qual todas as pessoas poderão ter acesso aos bens produzidos coletivamente, bem como participar de forma direta das decisões sobre suas vidas.

Há quem diga que o PT busque atuar tal como Cuba ou Venezuela. Outra ignorância completa sobre  a realidade. Cuba é um sistema político baseado nos pressupostos socialistas, com uma forma de organização do estado bem diferente da forma liberal, tal qual a que temos nos países do bloco ocidental. É um país em guerra desde há mais de 60 anos e, portanto, sem conseguir realmente instituir uma forma acabada de socialismo. Afinal, está sempre enfrentando alguma ameaça militar ou econômica, basta ver o embargo que sofre há 50 anos. Logo, o modelo cubano é o modelo cubano, com suas belezas e mazelas. Nunca poderá ser transplantado para o Brasil, até porque as condições que gestaram a revolução cubana são totalmente diversas das que temos hoje no país.

O PT tampouco vai atuar como o governo de Hugo Chávez que, na Venezuela, apontou para uma proposta socialista, sem ter conseguido chegar sequer à porta de um sistema assim. Ao longo dos 13 anos que ficou no poder Chávez conseguiu inverter algumas prioridades, instaurar políticas públicas de distribuição da renda do petróleo, fazer brotar uma nova Constituição, construir um processo de participação popular, mas, acossado pelos ataques da elite interna e dos inimigos externos ( leia-se EUA), praticamente não conseguiu avançar muito nas questões estruturais. Precisou enfrentar momentos de instabilidade, um golpe cívico-militar e sucessivos entraves de toda ordem. Ainda assim, avançou naquilo que chamou de "revolução bolivariana", também um processo genuinamente venezuelano, de profunda participação popular. Impossível pensar em instaurar aqui no Brasil algo semelhante. Faltar-nos-ia um dirigente com cultura revolucionária, com compreensão da luta pela Pátria Grande e também um povo grávido de desejos de integração latino-americana, de soberania e liberdade. Não estamos nesse nível.

Assim, qualquer "acusação" sobre essas possibilidades revolucionárias do PT soam completamente sem base. Como já disse: ou má fé ou ignorância.

O PT nasceu com a proposta de ser uma alternativa classista, brotando do fundo da luta dos trabalhadores, mas com o passar do tempo foi adquirindo uma forma social-democrata. Logo, distanciando-se a cada dia de uma proposta socialista. A social- democracia, a grosso modo, é um sistema que propõe uma forma de governo representativa, que não se desvincula do poder econômico dominante, logo, as forças com mais recursos são as que dominam os postos de representação. Também propõe a constituição de políticas públicas que atenuem as diferenças num processo lento de melhoria para as classes menos favorecidas. Sem maiores rupturas institucionais.  Sem grandes transformações estruturais. Fez história com o seu Estado de bem estar social, típico de países europeus, coisa que funcionou por algum tempo, mas que hoje faz água. Ainda assim, mesmo no Estado de bem estar social, sempre há os excluídos. Ou seja, as políticas não servem à emancipação real das pessoas. Seria algo assim como uma tentativa de "humanizar"  o capitalismo. Ou seja, preserva-se a lógica do capital, de exploração dos trabalhadores, de primazia para os endinheirados, mas ampliam-se as políticas públicas para os pobres.

É isso que o PT é hoje. Um partido que, para garantir governabilidade, abandonou seu caminho socialista, aliou-se a grupos de alto poder econômico, fez acordo com a elite. Mas, por sua característica social-democrata, também dividiu uma parte - pequena - do bolo com os empobrecidos. Tirou milhões da miséria, proporcionou alguma melhora no sistema educativo, criou universidades, investiu na cultura, enfim, fez coisas que os governos de estrato conservador jamais fizeram. E justamente não o fizeram porque governos como o do PSDB, de Fernando Henrique, e agora de Aécio Neves, não são sociais-democratas, embora essas palavras estejam no seu programa. E não são sociais-democratas justamente porque não concedem qualquer coisa às classes subalternas. Não estão preocupados em diminuir o fosso entre pobres e ricos, não se importam se milhões morrem de fome. Estão no poder para servir a um pequeno grupo que conforma a elite local.

Então, para que fique claro: Socialismo não é social-democracia. E social-democracia não existe nos governos conservadores. O socialismo não quer diminuir diferenças entre pobres e ricos, quer acabar com ela. É um processo radical. A social-democracia atende também aos ricos, mas busca atacar problemas pontuais das classes menos favorecidas. E os conservadores só cuidam de suas vidas e dos seus aliados.

Então, dito isso, chega-se a seguinte conclusão. O segundo turno das eleições brasileiras não oferece ao povo brasileiro nenhuma opção socialista. Não há, em nenhuma das candidaturas qualquer possibilidade de um sistema de governo assim. Nem socialista, muito menos do tipo cubano ou venezuelano. Não temos essa opção.

A opção que hoje está posta é a social-democracia petista ou o conservadorismo radical do PSDB. O PSDB é o atraso rotundo, é o consolidação de um projeto que - de saída - exclui milhões de brasileiros, os pobres, os trabalhadores. Não há propostas reais para eles. Nenhuma. O PT é o que temos visto. Um governo à serviço do capital, mas com cores sociais-democratas, com o desejo sincero - eu creio - de "melhorar" a vida da maioria empobrecida, ainda que esse desejo se expresse em políticas danosas como a de incentivo ao crédito, que engorda os bancos, ainda que coloque dentro das casas da classe média baixa os bens de consumo que, antes, eram apenas objeto de desejo .

Esse é o quadro.

Para mim, que sonho com uma forma de organização da vida que não apenas "melhore" a vida das gentes, que acredito firmemente na necessidade de derrotar o projeto capitalista, que é opressor, explorador e assassino, o projeto do PSDB é impensável. Ele é a expressão acabada de tudo aquilo contra o que eu luto desde os 12 anos de idade quando comecei a entender a política.

O projeto do PT tampouco me é suficiente. Longe está dos meus desejos. Mas, diante do quadro eleitoral - que é um momento da conjuntura  - não é possível permitir qualquer passo atrás. Por isso, nesse segundo turno, meu voto vai para a senhora Dilma Roussef. Não está aqui colocada nenhuma condição. Sei o que é seu projeto, o conheço profundamente e tenho feito a critica sistemática desde o terceiro mês do governo Lula, quando iniciou a reforma da previdência.  Mas, entre o conservadorismo radical e a social-democracia petista não há como ter dúvidas.

Votar no Aécio por "raivinha" do PT não me parece um argumento válido para um ser político. Ao PT e sua política temos de fazer a crítica e a oposição. Mas, o PSBD e seu atraso, temos de varrer da história. Logo, a opção eleitoral é o 13.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O destino do Hospital Universitário da UFSC














Ato contra a EBSERH






O principal conselho da UFSC, que é o que define, em última instância, todas as políticas para a universidade, realizou nesse dia 07 de outubro, a primeira discussão sobre o destino do HU, o Hospital Universitário.  Em pauta, a adesão ou não à famigerada EBSERH, Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, criada pelo presidente Lula, como último ato de sua gestão, em 2011. Essa empresa foi a solução dada por Lula para um problema crônico dos HUs: a falta de pessoal. Mas, ao criar uma empresa de direito privado o então presidente incentivava ainda mais a privatização da saúde. No debate realizado pelo CUN já foi possível medir a temperatura sobre o tema. A maioria dos professores que se manifestou apontou desconhecimento quase total sobre a questão. Técnicos-administrativos e parte da bancada estudantil – que são minoria - defenderam a não adesão à empresa, e os diretores do HU, apelando para discursos emocionais, defenderam que essa é, hoje, a única saída para o hospital no momento. 

Entenda a questão

Os tempos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) impuseram um longo processo de sucateamento das universidades públicas. Para quem não lembra, os dois mandatos de FHC foram marcados por uma onda de privatizações. Telefonia, energia elétrica, empresas públicas, tudo foi entregue às mãos privadas sob o argumento de que o público é lento, atrasado e ineficaz.  Naqueles anos, a universidade pública também sofreu ataques. Como não foi possível privatizar, por conta da resistência dos trabalhadores, o governo foi sucateando. Uma das formas de fazer isso foi a não contratação de pessoal. Passaram-se oito longos anos sem concursos públicos. 

Por conta dessa situação, os Hospitais e mesmo as universidades, começaram um processo de contratação de pessoal via fundações de apoio, que são entidades de direito privado, encravadas dentro das instituições públicas, e que atuam no sentido de apoiar as universidades naquilo que a lei do serviço público não permite. Uma delas era a contratação de trabalhadores. E foi assim que o HU de Santa Catarina conseguiu funcionar, com um número bastante grande de trabalhadores, celetistas, contratados pelas fundações. 

Durante todo esse tempo, as fundações estiveram envolvidas em várias denúncias de irregularidades e sua presença dentro das universidades era - e ainda é -  sistematicamente questionada. Muitos escândalos explodiram em vários estados do Brasil, inclusive em Santa Catarina. Assim, os órgãos fiscalizadores do público foram apontando como uma das mais complicadas irregularidades justamente a contratação de pessoal, e tudo isso acabou numa decisão de que esses trabalhadores precisavam ser demitidos. Quando essa hora chegou, Lula já era o presidente do Brasil.

A solução apontada pelos movimentos de luta pela educação e pela saúde já tinha sido dada, desde os governos de FHC: contratação de pessoal via concurso público. Mas, nem FHC nem Lula acataram essa ideia. FHC por sua visão privatista e Lula porque já estava convencido de que as universidades deveriam enxugar seus quadros, apenas com a manutenção de trabalhadores considerados estratégicos, ou seja, de nível superior. Os demais estavam fadados à extinção e seus espaços deveriam ser ocupados por contratações terceirizadas. 

Assim, quando o Tribunal de Conta da União exigiu o fim da contração de trabalhadores via fundação, o governo precisou definir um rumo. Os reitores das universidades realizaram vários encontros com o governo. Diziam que sem os trabalhadores os hospitais iriam parar, criando um caos na saúde nacional, visto que os 46 hospitais universitários são responsáveis pela formação de médicos, enfermeiros, nutricionistas e vários outros profissionais ligados ao campo da saúde. 
Sem ouvir os movimentos sociais, Lula decidiu, no último dia de seu governo, criar a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, uma empresa de direito privado, que funcionaria como uma espécie de fundação única, atendendo assim aos desejos dos reitores que queriam uma solução rápida para o problema das contratações.  O discurso presidencial era de que essa seria uma empresa pública, por tanto, não estaria privatizando os hospitais, apenas dando oportunidade de as universidades fazerem o que precisavam, sem a “burocracia” da lei que rege o serviço público. 

O lobo atrás do cordeiro

Uma olhada nas letrinhas pequenas do estatuto da EBSERH mostra claramente que o que rege a empresa é a lógica privada. A saúde é colocada na mesa como uma mercadoria qualquer, um produto, e os hospitais são vistos como uma empresa que gera lucro, a tal ponto de as especialidades médicas serem vistas como “produtivas” ou não. Ora, o que é uma especialidade produtiva? A que recebe mais doentes? A que usa remédios mais caros? Sendo assim, o que seria o doente? Um receptáculo gerador de lucro? E se o doente não tiver uma doença “produtiva”, o que fazer?

Com o argumento de que não teria como bancar a contratação e trabalhadores públicos, o governo prefere gastar milhões de reais na construção de uma nova estrutura, com sede em Brasília, mas com superintendências regionais. Isso significa centenas de outras contratações – não apenas de trabalhadores para os HUs – mas para a manutenção da própria máquina da empresa. Um completo contrassenso, tanto político como financeiro. 

Não bastasse isso, toda a direção da empresa, que passa a administradora dos hospitais, é nomeada pelo Presidente da República, ou seja, o processo de controle dos HUs sai completamente da mão das universidades. Apenas o superintendente local pode ser indicado pela universidade, embora toda a lógica de gerenciamento venha de Brasília. “A empresa é pública, não haverá privatização de leitos”, insiste o diretor do HU da UFSC, Carlos Alberto, o Paraná. Mas, essa é uma meia verdade. A empresa é de direito privado e tem sim condições de abrir leitos privados, se for de seu interesse. Quem poderá garantir que não haverá duas portas no HU? Se hoje o hospital catarinense atende 100% SUS – com quase 250 mil procedimentos por ano – nenhuma garantia há de que a lógica privada não vá se infiltrando gradativamente, sempre amparada no mantra: “não há outra alternativa”.  As alternativas existem, apenas não há vontade política para levá-las adiante. 

Outro problema causado pela implantação dessa empresa é que o ensino, a pesquisa e a extensão também serão comandados por ela. E, se a lógica é privada e produtivista, que políticas haverão de ser implantadas? Que tipo de ensino e que pesquisas serão efetivadas? A partir de quais interesses? Os interesses privados.

A luta em santa Catarina

O diretor do HU fez um discurso emocional na reunião do CUn. Falou das dificuldades do hospital, do fechamento de uma clinica médica, que causou o não-atendimento de mais de 700 pessoas, da falta de equipamentos e da ameaça iminente do fechamento de outros leitos. O HU de Santa Catarina tem hoje apenas 214 leitos ativos, com 103 desativados, justamente por falta de pessoal. Segundo ele, para que tudo voltasse a funcionar como precisa, seria necessária a contratação de mais de mil trabalhadores. E isso não será feito se a UFSC não aderir à EBSERH.

Os problemas do HU são reais, mas a solução requerida é uma meia verdade também. O governo federal criou a empresa administradora de hospitais, mas não tornou a adesão obrigatória. A universidade pode aderir ou não. Se não é obrigatória, o governo precisa garantir verbas e contratações para os HUs que não aderirem. Se isso não acontece, há um problema aí, e deve ser enfrentado pelas autoridades. Estar submetido à EBSERH significa poder atuar com mais agilidade, fugindo das amarras da lei do serviço público, com a rapidez de uma empresa privada, mas sem qualquer controle sobre a vida do HU. Não estar vinculado significa caminhar mais lentamente, dentro das regras do serviço público, mas com o completo controle, seja no campo administrativo como no ensino na pesquisa e na extensão. E significa também que não  haverá brechas para a privatização. É o que está em jogo.

As falas das autoridades estão no campo emocional. “As pessoas estão morrendo”, “não há leitos”, “não há outra solução”, dizem,  apelando para o sentimento. Mas, é preciso ver muito mais do que a particularidade do HU. Se as pessoas estão morrendo certamente não é por conta de que uma clinica está fechada no HU ou de que 100 leitos estão desativados. As pessoas estão morrendo justamente porque a saúde é uma mercadoria cara demais para a maioria da população. 

Para se ter uma ideia, no estado de Santa Catarina, com 295 municípios e seis milhões de habitantes, existem 213 hospitais que estão vinculados ao SUS. Desse número, apenas 22 são públicos, um é universitário – portanto, hospital escola – e 190 são privados. Todos eles juntos oferecem 14.422 leitos pelo SUS, com uma distribuição muito desigual, uma vez que a maioria dos leitos está concentrada na grande Florianópolis e nas macrorregiões. Então, com base nesses números alguém realmente acredita que a adesão à EBSERH pode resolver o quadro de precariedade da saúde em Santa Catarina? Não, a adesão à empresa privada de administração do HU apenas coloca esse importante hospital-escola, que é uma referência estadual, no caminho da mercantilização da saúde. 

O debate no Conselho Universitário

O primeiro debate sobre a adesão à EBSERH aconteceu em meio a protestos dos estudantes, trabalhadores técnico-administrativos em greve, lideranças comunitárias e representantes do Fórum Catarinense em defesa do SUS. Eles já haviam se reunido na UFSC, no dia 30 de setembro, quando a discussão havia sido pautada e, em seguida, retirada. A tentativa de desmobilização não deu certo e nesse dia 07 lá estavam todos outra vez, com tambores e palavras de ordem. Como esse debate já vem sendo travado desde o ano de 2010, há muita clareza por parte de todos esses segmentos sobre o que significará a adesão do HU a uma empresa de direito privado.  Basta ver o que já acontece em Santa Catarina, com a entrega de hospitais para a administração das Organizações Sociais, que só têm aumentado o sofrimento de quem precisa de uma vaga pública.

Dentro do Conselho, os professores – que são maioria – mais uma vez impediram que o debate fosse aberto. A proposta era que a discussão se desse no auditório da reitoria, com a participação de todos, mas, colocado em votação o pedido dos técnicos e estudantes, foi rejeitado por 20 votos a 14. A partir daí foi apresentado o relatório sobre a situação do HU feito por uma comissão eleita no CUn, e também uma série de ponderações sobre as consequências da adesão a empresa de administração de hospitais. Aberto o debate, o que se viu – a exceção dos representantes dos técnicos e parte dos estudantes – foi o completo desconhecimento do tema por parte dos conselheiros. Alguns chegaram a dizer que toda a discussão feita era ideológica e que não havia dados concretos para decidir. 

Esse desconhecimento fortaleceu a proposta da realização de debates por toda a universidade, centro por centro, para que todos possam ser esclarecidos sobre as diferentes posições. Mas, mesmo aí há divergências. Há os que defendem a rapidez no processo, com a realização de poucos debates, e há a proposta de debates por centro de ensino, nos três turnos. Esse será o novo embate da próxima reunião. O professor Paraná, diretor do HU, insiste numa solução imediata, um quê fazer urgente que dê conta da falta de pessoal. “Os que são contra a EBSERH não têm solução”, insistiu.

A bancada dos trabalhadores técnico-administrativos em educação apresentou a solução: “A universidade é uma instituição que tem muita força no estado. Então, a reitora, o diretor do HU e os demais dirigentes do hospital precisam fazer a luta política. Articular o apoio de vereadores e prefeitos de todos os municípios que utilizam o HU dentro da lógica da ambulancioterapia, enviando pacientes todos os dias para esse hospital. Articular o apoio dos deputados estaduais, federais e fazer uma grande pressão em Brasília exigindo os recursos necessários. Essa administração é boa em aplicar a ´mão-dura` sobre os trabalhadores em greve, mas não é capaz de ser dura com o governo federal. É preciso que a UFSC use sua força e traga os recursos, mas isso significa trabalho e vontade política. Se a administração fizer isso, nós estaremos juntos nessa luta”. 

Para os trabalhadores, a entrada de uma empresa de administração externa dentro do HU, e com uma lógica privada, não terá influência apenas na vida de quem utiliza o HU. Ela se espraia para os seis milhões de catarinenses que serão atendidos por médicos formados num espaço em que a saúde será vista como um produto e o doente como um cliente em potencial. A saúde é um direito e a doença não pode estar submetida a padrões de “produtividade”.


domingo, 5 de outubro de 2014

Os desafios da luta pela jornada em turnos na UFSC


Enquanto boa parte dos militantes e candidatos às eleições de 2014 descansa da batalha pelos votos, os trabalhadores da UFSC voltam para mais uma semana de luta. Serão completados dois meses de greve de ocupação, uma greve nova, de trabalho, na qual nenhum serviço deixou de ser prestado. Ao contrário, ampliou-se o atendimento para mostrar o quanto a universidade precisa de estar funcionando de maneira ininterrupta, sem excluir ninguém. Uma batalha de gigantes: trabalhar, dar conta de tudo, e ainda ter de organizar reuniões, mobilizar, escrever, pensar, tudo sem ajuda do sindicato.

Dois meses de luta renhida e quase solitária. Na casa do saber nenhum “intelectual” dignou-se a discutir o tema dos trabalhadores. Redução de jornada parece ser um tema espinhoso demais. Nenhum iluminado quis indispor-se com seus pares por um tema tão “tacanho”. O silêncio dos professores denota uma gritante verdade: estão bastante satisfeitos com o chicote instituído pela reitora Roselane Neckel. Muitos acreditam que a universidade pode funcionar muito bem sem os trabalhadores técnico-administrativos, os computadores fazem tudo agora. E a outros, os TAEs são tão insignificantes que não há porque mover palha por eles. Que se virem. Ou então, que peçam ajuda, como verbalizou um colega.

Também é sintomático o silêncio dos demais sindicatos da cidade. Nenhuma nota de apoio, nenhuma manifestação pública, nenhum gesto de solidariedade, nenhuma nota da greve nos seus informativos. E estamos lutando na UFSC por uma pauta que é de toda a classe trabalhadora. Mas, ao que parece os sindicalistas andam mais preocupados com suas questões corporativas, ou talvez com as eleições. O próprio sindicato dos trabalhadores da UFSC puxa a greve para baixo todos os dias. São tempos sombrios.

Na Câmara de Vereadores temos pelos menos dois vereadores alinhados com as lutas dos trabalhadores. Um deles é professor da UFSC. Mas, de lá, também não saiu qualquer manifestação. Nenhuma fala na tribuna, nenhum pedido de reunião com a reitora. Nenhuma palavra pública de apoio à batalha pela ampliação do atendimento na universidade. Na Assembleia Legislativa também temos os tradicionais aliados. E lá, o silêncio igualmente foi total. Possivelmente a caça aos votos foi mais gritante do que a resistência de um pequeno grupo de trabalhadores. 

No campo da universidade, apenas o movimento UFSC à Esquerda e parte do movimento estudantil tiveram a coragem de se manifestar publicamente, comparecendo às assembleias e participando dos atos. Um grupo pequeno, mas valioso, capaz de insuflar coragem e entusiasmo aos trabalhadores. 

E assim, com poucos parceiros, os trabalhadores vêm enfrentando a maior onda de autoritarismo que já se teve notícia na UFSC. Nenhuma disposição ao diálogo. Comissões de negociação são montadas, os professores dizem uma coisa e, no dia seguinte, o que vem é algo totalmente diferente, sempre golpeando e punindo.  Descaso e desrespeito. A luta pela ampliação de atendimento apontada como mais uma tentativa de “vagabundagem”.

Na perplexidade dos dias, os trabalhadores em luta viram suas reivindicações serem tratadas como busca de privilégio, tiveram seus salários cortados e sofrem cotidianamente violência e assédio moral. Dois meses e nenhum avanço. Pelo contrário, apenas a “mão dura” em nome de uma suposta moralidade enquanto nos bastidores seguem sendo firmados acordos. “Não incomode e a gente dá jeito”. Na verdade, o que ocorre no campo da administração é a consolidação do horário como moeda de troca, só que agora revestido de novos atores. Aparentemente tudo muda, para tudo ficar igual. E, aqueles que não aceitam a lógica do “jeitinho” e que tampouco querem fazer de seu tempo espaço de favores, são os que acabam recebendo a mais dura punição.

Na última semana a reitoria deu mais um duro golpe na luta. No mesmo dia em que mandava aos trabalhadores uma “proposta” de negociação, encaminhava a todos os grevistas uma notificação de desconto de horas. Documento esdrúxulo porque não tem qualquer base material para sua existência. Na verdade, era só um giro a mais do chicote. Um azote no lombo para que a decisão pudesse ser mais “fácil”, uma lambada para incitar o medo e o terror.

A semana que inicia convoca os trabalhadores à reflexão. Afinal, mesmo dentro da categoria encontramos os que ajudam a enfraquecer a luta. São os que aceitam os acordos, os que aceitam a folha ponto sem questionar, os que observam de longe, sem se misturar. Os que se mantém em silêncio diante do arbítrio. Teremos nova assembleia na terça-feira e todos esses pontos deverão ser discutidos. Continuar a greve ou aceitar a derrota sob o jugo do autoritarismo? Temos unidade e força como categoria para seguir?

Aconteça o que for, a derrota dos trabalhadores da UFSC será também a derrota de toda a classe. Mas, a vitória da administração será como a de Pirro. Dobra os trabalhadores, mas entra para a história como a administração mais autoritária, menos capaz do diálogo, mais assediadora, mais violenta no trato com os técnico-administrativos. Uma marca infeliz. Mesmo que todos os colegas professores tenham mantido reverente silêncio diante das ações da reitora, isso não significa que haja uma aceitação por parte deles dessa administração. Ela apenas está fazendo o trabalho sujo, que muitos deles – quando já estiveram nessa posição – não ousaram fazer.  É isso que, em alguma medida, boa parte dos colegas docentes aplaude.

Para nós resta a sempre clara lição: a batalha por direitos não é fácil. Exige altos preços a pagar. E, o que hoje estamos pagando - algum desconto no salário – não se compara ao que pagaram os heroicos companheiros que morreram na forca por lutarem pela redução da jornada para essas oito que hoje boa parte dos trabalhadores faz.

A modernidade exige uma mudança nas relações de trabalho. As novas tecnologias permitem que a redução de jornada aconteça agora. Estamos apenas antecipando o futuro que está bem aqui adiante. Por isso, quer essa administração queira ou não, as 30 horas vão chegar. E nós saberemos que fizemos a luta certa.