sábado, 10 de maio de 2014

Apenas um olhar de amor!



Hoje acordei pensando num velho amigo, desses, mortos, que povoam minha cabeceira e dialogam comigo nas noites de solidão. Frederico, o alemão que tem incomodado desde o final do 800, as mentes modernas. O homem que fala do último homem, aquele que é puro egoísmo. O que diz que odeia os fracos e almeja a chegada do além do homem, o que fará a ponte para o grande meio-dia. O Fred tem lá suas idiossincrasias, mas há muita coisa nele que me encanta. Para Nietzsche, o super-homem é aquele que volta a ser criança, na pureza e na capacidade de enfrentar todas as dores. Isso é fenomenal.

O que me faz dialogar muito com Nietzsche é essa crítica que eles faz aos fracos. Ele não os suporta. Quer que o homem seja capaz de enfrentar suas mais profundas dores, sem esmorecer, sem se amparar em nada, muito menos em deus. O ser sozinho, rompendo as manhãs, sem medo de nada. Esse pensar me perturba. E digo porquê. É que também admiro a fortaleza. Essa capacidade que algumas pessoas têm de caírem nos poços mais fundos, e subir, apenas com a força de si mesmas. Amo essa gente que não esmorece, que avança, olhos fixos no abismo. Os fortes!

Por outro lado, todos os dias me deparo com uma certeza quase pétrea. Nós, os humanos, somos absolutamente frágeis. Somos feito cristal. Basta um sopro, um toque mais apertado, um risco de labareda, e já estamos no chão. Estatelados e sós. Na abissal e incomensurável solidão. Quando é assim, a gente olha, com olhos pedintes, que alguém, qualquer um, nos olhe, nos toque, nos dê o braço/abraço. Um simples gesto de amor, uma palavra. Ontem vivi isso. Um homem, desses acadêmicos, que encontro todos os dias e que, altivo, nem me olha. Vinha fragilizado por alguma dor, corpo torcido, caminhar trôpego. Então tropeçou. E eu o amparei, com braço forte e com uma palavra de cuidado. Ele sorriu, me olhou nos olhos, finalmente vendo, e seguiu, ainda cambaleando. Um laço se fez. Um laço de amor, só capaz de existir nestes momentos.

Fiquei olhando seu corpo sumir, dobrado de dor. E não pude conter uma furtiva lágrima, por perceber, nele, imensa, essa fragilidade da raça. Pensei no meu amigo Nietzsche e não pude deixar de dizer: meu bom Frederico, esta é uma marca indelével, da qual, talvez, seja absolutamente impossível fugir. Somos fracos e só o que nos fortalece é o olhar de amor do outro, irmão na mesma desdita. Quem sabe essa não seja também nossa verdadeira força. A capacidade de estender esse amor, ao outro, mesmo que o outro não seja sequer conhecido. Mesmo que pareça ameaçador. Isso não seria coisa de Jesus? ... Creio que sim. E Nietzsche respeitava Jesus... “O único cristão”, dizia. Por isso sigo, jesuânica!...

quarta-feira, 7 de maio de 2014

CUN aprova cessão de terreno para duplicação no Pantanal


Proposta inicial de duplicação, que agora já se estendeu para toda a Edu Vieira

Por 24 votos a 14, os membros do Conselho Universitário da UFSC aprovaram ontem a cessão de parte do terreno da instituição (ninguém sabe quanto exatamente) para uma proposta de duplicação do entorno da UFSC e da rua Deputado Edu Vieira. Poderia ser uma decisão interessante se os conselheiros soubessem exatamente no que estavam votando. Mas, na verdade, nenhum dos membros do Conselho tinha conhecimento do projeto, uma vez que a prefeitura não apresentou projeto algum sobre a obra.  Na fala final da reitora Roselane Neckel, o argumento por ela utilizado para reforçar a proposta de cessão, foi o de que a prefeitura não podia investir em um trabalho de criação do projeto uma vez que não tinha a certeza de que contaria com o terreno da UFSC. Assim, os conselheiros acabaram votando no escuro, sem saber quanto de terra será utilizado, nem a que propósito servirá.

A sessão do CUN não foi a primeira na discussão do tema. Essa ideia de duplicação e o pedido de cessão das terras surgiu no ano de 2010 e, desde aí, a comunidade universitária tem se debruçado sobre o tema. O grande entrave sempre foi o fato de que a prefeitura nunca apresentou projeto sobre a obra, portanto não era possível aprovar uma cessão sem base alguma. O que havia era um esboço genérico de duplicação com a proposta de sistema binário para a Edu Viera e a principal rua da Carvoeira. Além disso, no processo de consulta à comunidade, as forças vivas dos bairros do entorno e, principalmente, os moradores da Edu Vieira sempre se colocaram contrário à proposta. Todos sabem que são necessárias obras de melhoria da mobilidade, mas também entendem que abrir novas vias para carros não resolverá o problema, apenas o tornará maior. Mais via, mais carros e mais fluxo. Não há qualquer proposta concreta sobre, por exemplo, a priorização para o transporte público.

Agora, em 2014, o tema voltou à baila outra vez, porque a mídia comercial sempre insistiu em colocar sobre os ombros da UFSC o ônus dos gargalos do trânsito local. Sem nunca explicar para a sociedade que o que a UFSC pedia até então era o básico: um projeto. Como legislar em cima do nada? Mas, a nova conformação do Conselho Universitário, agora sob o comando de Roselane e Lúcia, não viu problemas em dar cheque em branco para a prefeitura. A mesma prefeitura que colocou no lixo sete anos de debate público do plano diretor e, autoritariamente, mudou tudo e aprovou o novo plano em pleno janeiro.  A mesma prefeitura que criou uma licitação para o transporte público e que deixou tudo como está.

O relator do projeto, professor Paulo Pinheiro Machado, ao se referir a audiência pública, realizada pela UFSC, que ouviu os moradores e levantou os problemas da proposta da prefeitura, disse que a universidade não poderia se colocar como representante da comunidade, que era preciso tomar uma decisão própria, aludindo assim que não precisava levar em consideração a fala dos moradores. Esse ponto foi veemente combatido pela conselheira Elaine Tavares que lembrou a todos os colegas que a UFSC não é uma bolha dentro do Pantanal, da Trindade ou da Carvoeira, ela é parte da comunidade, ou deveria ser. Logo, levar em conta o clamor dos moradores não só era necessário como devido, sob pena de a instituição se colocar como um elemento isolado, sem ligação com a vida real. A conselheira Helena Dalri, também argumentou que lhe parecia impossível legislar sobre uma obra, a qual ninguém tinha conhecimento do projeto. "Na universidade, para entrar num mestrado ou doutorado, a pessoa tem de apresentar um projeto. Ela não sabe se vai passar, mas o projeto precisa ser feito. Não há razão para a prefeitura não apresentar um projeto".

O conselheiro Helio Rodack, que havia pedido vista do processo, apresentou outro parecer no qual insistia na necessidade de a prefeitura primeiro apresentar o projeto da obra, definindo claramente o que iria fazer e quais as prioridades. Insistiu na proposta de que o Conselho Universitário só votasse a cessão depois de cumprida essa exigência, afinal, ninguém poderia votar no escuro.

Mas, o conselheiro Paulo Pinheiro Machado manteve o parecer de cessão das terras, argumentando que a reitoria havia assinado um protocolo de intenções com a prefeitura, o qual a municipalidade se comprometia a cumprir. Mas, o tal protocolo que foi assinado leva em conta apenas os pontos que foram consenso entre a prefeitura e a UFSC. Nele, a universidade, inclusive, pactua questões de seu interesse e que deveriam ser obrigação do governo federal, como, por exemplo, melhorias na iluminação, e mudanças no plano diretor para novas construções. As propostas que foram consenso, na audiência pública,  entre a UFSC e a comunidade, não foram levadas em conta. O protocolo é uma proposta rebaixada e deixa bem claro a quem a UFSC decidiu se aliar. Nele, não estão colocadas questões que são importantes para os moradores, que também se manifestaram no conselho através de uma representação. A moradora do Pantanal, Marli, fez um depoimento emocionado, apelando aos professores para que ouvissem a comunidade. "Nós já estávamos aqui quando a UFSC chegou e a gente recebeu de braços abertos. Agora, vamos ser ignorados?"

E foi exatamente isso que aconteceu. De costas para o apelo da comunidade, os conselheiros votaram pela cessão das terras, sem se importar com o que vai acontecer com a vida de quem mora na região. O professor Luis Carlos Cancellier, diretor do Centro de Ciências Jurídicas, chegou a ironizar que ele quase mudou de opinião depois de ler um texto que dizia que as pessoas não poderiam ir mais na igreja. De maneira cínica, o professor tripudiou sobre a preocupação da comunidade com o fato de que a Edu Vieira pode se transformar numa via expressa cortando o bairro e mudando de forma radical a sociabilidade. Excetuando a bancada dos técnico-administrativos, dos estudantes e cinco professores, o restante do conselho parecia não estar preocupado com o que pode acontecer no cotidiano das pessoas.

A reitora, Roselane Neckel, de forma arbitrária, manobrou a sessão e não colocou em votação a proposta do conselheiro Gabriel Martins (TAE), que era a de, primeiro, exigir da prefeitura uma resposta dos pontos levantados pela comunidade e pelos grupos de trabalho da própria UFSC que estudam a questão desde há anos. Assim, encaminhou direto para a votação dos pareceres, colocando um contra o outro. Na proposta de Paulo Pinheiro Machado, a UFSC cede o terreno baseada no Protocolo de Intenções firmado com a prefeitura. Na proposta de Hélio Rodack, a prefeitura deveria primeiro apresentar o projeto para que o CUN posteriormente avaliasse. Feita a votação, a bancada dos Técnico-Administrativos em Educação (TAEs) e dos Estudantes votaram pelo parecer de Hélio Rodack. Apenas cinco professores também votaram nesse parecer, três sob o argumento da precaução e dois, por concordar com o parecer de Hélio. Os demais conselheiros, 24, votaram no primeiro parecer, cedendo o terreno sem qualquer projeto da prefeitura.

Na fala final da reitora ela garantiu que, caso a prefeitura não cumpra com o estabelecido no protocolo de intenções, o Conselho poderá rever a decisão. Mas, o fato é que o Protocolo de Intenções só tem dentro dele questões aceitas pela prefeitura. O documento, inclusive, foi escrito pela administração municipal. Todas as demandas que foram levantadas pela comunidade, por professores e TAEs da UFSC e que não tiveram aceite por parte da prefeitura, ficaram de fora.

Para a completa decepção dos moradores envolvidos durante anos nessa discussão, a universidade optou por tomar uma decisão particularista, baseada apenas nos seus interesses como instituição, não levando em conta todo o acúmulo de debate e estudos, inclusive de professores, TAEs e estudantes da universidade, que têm propostas diferentes de solução para os gargalos. Quem utiliza a malha viária da região sabe que ela precisa de melhorias, mas o ponto central de todas as discussões é a priorização do transporte coletivo, coisa que não ficou garantida.

Agora, com a faca e o queijo na mão, a prefeitura deverá dar início às obras. Caberá à UFSC e aos conselheiros que aprovaram a cessão do terreno, arcar com a responsabilidade sobre o que vier a ser construído. Para quem esteve esses anos todos na batalha por uma mudança equilibrada, garantidora do coletivo, a UFSC perdeu a chance de definir um rumo diferente para a cidade. Afinal, se tivesse ouvido a voz de seus próprios trabalhadores e estudantes - envolvidos no projeto de outra sociabilidade para a malha viária - daria um passo ousado e criativo em direção ao futuro, coisa que deveria ser o objetivo de uma universidade. Mas, venceu o conservadorismo, e as soluções dadas ao complexo do entorno certamente serão as de sempre: mais vias, mais carros, mais velocidade, mais poluição, menos vida.

Na fala do professor Cancellier, tripudiando das "pessoas que não poderão ir à igreja", se condensa todo um pensamento cínico que não leva em consideração as pessoas nem a sua autônoma vontade de seguir vivendo num bairro que as acolhe, que é bonito e permite o encontro. Nela, se expressa a voz do "progresso" a qualquer custo, que precisa se espraiar sem que as pessoas sejam necessárias. Essa são as lideranças que mais hoje, mais amanhã, andarão por aí a pregar uma "nova universidade". Por aqui, nada de novo. Tudo no mesmo diapasão.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A greve na UFSC e a batalha das 30 horas



A greve dos trabalhadores técnico-administrativos em educação (TAEs) da UFSC vai completar dois meses essa semana. Sessenta dias esperando um aceno do governo para negociar as reivindicações, e, como sempre, os trabalhadores são ignorados na velha tática de matar pelo cansaço. Já vão longe os tempos em que os governos temiam os trabalhadores, até porque a forma de luta também arrefeceu. Hoje, há muito mais o desejo de trabalhar dentro da ordem, de maneira pacífica, buscando negociações nas mesas "enrolativas" dos gabinetes do terceiro escalão. Falar com um ministro, nem pensar. As conversas são feitas com subalternos que não têm poder algum para decidir sobre coisa nenhuma. A presidente Dilma parece que sequer tomou conhecimento do movimento grevista. Nenhuma palavra, silêncio total.

Nas universidades a luta assume faces diferenciadas, conforme a capacidade de luta de cada instituição. Em algumas delas, como na de Minas Gerais, os trabalhadores chegaram a ser ameaçados de corte de ponto. E, outras, como a UNB, tiveram ocupações e movimentos mais fortes por conta de pautas internas. Mas, no geral, sob a batuta da pauta geral, a mobilização tem sido pouco eficiente para mostrar à sociedade os problemas vividos pelos trabalhadores e os motivos da greve.

Na UFSC, o movimento começou com força, muita gente nas assembleias. Há, sem dúvida, um arrocho salarial que precisa ser discutido, e os pontos do acordo da última greve que não foram adiante, como os famigerados grupos de trabalho com o governo que não saem da lógica de chamar reunião para outra reunião, sem avançar em praticamente nada.  Tudo isso movimentou os trabalhadores que aderiram em massa ao movimento. Depois, nas semanas iniciais aconteceram vários fechamentos de setores estratégicos, bastante importantes para a visibilidade do movimento e para a animação dos trabalhadores. Mas, como de Brasília a Federação não apontou maiores avanços, as mobilizações locais também foram arrefecendo. 

De qualquer forma, uma greve é sempre um momento importante para o trabalhador se reunir e discutir com profundidade os problemas da categoria. Assim, se não há muita movimentação de luta, há bastante reflexão sobre o cotidiano laboral. Na UFSC, os TAEs conseguiram avançar com muita qualidade no debate sobre as 30 horas, que é a proposta de abertura total da universidade para a comunidade, em turno ininterruptos. Assim, os trabalhadores trabalham em turnos de seis horas, e  a comunidade tem a universidade sempre aberta, inclusive no horário do almoço, quando muita gente dá com a cara na porta. 

Comissões foram formadas, oficinas foram feitas e, finalmente, chegou-se a construção de uma resolução que será apresentada à reitoria para que se implante, de uma vez por todas, os turnos de seis horas na UFSC. Para os trabalhadores a lei é clara: havendo funcionamento ininterrupto de 12 horas, está garantido o turno de seis. Então, como a atual administração falhou olimpicamente no processo de implantação, os TAEs decidiram que era hora de apresentarem eles mesmo a proposta. É bom lembrar que a administração Roselane/Lúcia aceitou criar um grupo de trabalho, composto por trabalhadores eleitos na base, mais representantes da administração central para fazer o diagnóstico da situação na UFSC. O grupo trabalhou por um ano inteiro e, ao final, apresentou um relatório no qual ficava clara a viabilidade para a implantação das 30 horas. Foi aí que a administração claudicou, falhou, não encaminhou as propostas e engavetou o relatório.

Agora, os trabalhadores decidiram atuar em consequência e apresentar uma proposta de resolução. Na assembleia chamada para discutir o conteúdo do documento que foi produzido coletivamente, dirigentes do Sintufsc apresentaram a proposta de discutir o mérito. Segundo eles, os trabalhadores não deveriam apresentar a resolução, mas deixar que a reitoria o fizesse. No debate, os trabalhadores argumentaram que a reitoria já tinha tido a sua chance. Não o fez. Tripudiou e não levou em conta a demanda dos TAEs. Agora, então, era a hora de responder à altura, apresentando a proposta de resolução. Os dirigentes do Sintufsc insistiram e levaram o assunto para a votação. Foram derrotados pela base que, em maioria, decidiu levar adiante a discussão do documento.

Lido ponto por ponto e debatido, o conteúdo da resolução foi aprovado pela maioria, com a abstenção de seis dirigentes do Sintufsc e um trabalhador. Agora, a proposta será levada ao Conselho Universitário e também será protocolada junto à reitoria. As estratégias de luta para a aprovação no Conselho seguem sendo discutidas.
Essa semana, uma caravana de trabalhadores da UFSC se soma às atividades de pressão que serão realizadas em Brasília. Será mais uma tentativa do comando de greve nacional, de abrir algum canal de conversa e de negociação com o governo. A expectativa é de que os TAEs mobilizados em Brasília possam dar um passo a frente nessa greve que só causa prejuízos, não apenas aos trabalhadores que  seguem sem suas demandas atendidas, mas também aos usuários das universidades, que perdem qualidade no processo educativo.

É bom que a sociedade saiba que os sucessivos governos de plantão nunca mudaram seu trato com a greve. Ao que parece, sem qualquer compromisso com a educação, eles insistem em deixar que o movimento se arraste por três ou quatro meses, para só lá adiante negociar uma migalha. Para quem sofre o fato de não ter sequer uma data base garantida, não há outra alternativa que não a luta.