domingo, 30 de novembro de 2014

Passeando por Novgorod


























Novgorod é a cidade mais antiga da Rússia. Contam que já exista desde 862 antes do presente, tendo sido fundada por grupos eslavos e húngaro-finlandeses. Por conta disso é considerada, junto com Kiev, capturada em 882, do império bizantino, no outro lado extremo, o nascedouro do estado russo. Para o povo, Novgorod seria o pai, Kiev a mãe e Moscou o coração. 

É ali que está a catedral mais antiga de toda a Rússia, Santa Sofia, o mais importante templo cristão do país, construído em 1045. A conversão do povo russo ao cristianismo ortodoxo, de tradição bizantina, se deu em 988 antes do presente e desde então tomou conta de todo o território. É por isso que o que mais se vê pelo país são as belíssimas igrejas, todas com luminosas cúpulas, ao estilo de Bizâncio. 

A bonita cidade de Novgorod também tem um linda história de lutas. Foi ali que se deu a primeira revolução da história da nação, em 1136, quando a população decidiu que não iria mais aceitar ser dirigida por um governante que estava em Kiev. Toda a família que representava o czar foi expulsa da cidade e foi criada a assembleia do povo. A cidade era chamada de República de Novgorod, pois qualquer decisão tinha que passar por assembleia. Seu poder era tão grande que havia um ditado entre o povo: “quem pode contra Deus e a Grande Novgorod”?

Localizada na foz do rio Volkhov, que liga a Rússia ao Mar Báltico, ela era um grande centro comercial e conquistou rapidamente a sua condição de cidade mais moderna da antiga Rússia. Foi lá que os primeiros textos em língua russa foram escritos, em 1077, e esse cuidado com a cultura foi o que ajudou o povo a enfrentar a ocupação mongol. O fato de ser tão rica fez com que a cidade comprasse a liberdade e continuasse sendo “russa”. 

No final do século XV, Novgorod acabou sendo anexada ao principado de Moscou, e a Rússia ganhou um grande império já formado na parte oriental. Por outro lado, a queda da cidade acabou marcando também o fim da democracia. Já não havia a assembleia do povo e as decisões partiam outra vez de um lugar distante, desta vez, Moscou. O mais simbólico dessa derrota foi a perda do Grande Sino, da catedral de Santa Sofia, que os moscovitas levaram embora. Sem ele e sem a assembleia, Novgorod perdeu seu poder.  Mesmo assim, seguiu sendo uma cidade importante, suscitando inveja aos czares. Tanto que em 1550, Ivan, o terrível, devastou o lugar e transferiu grande parte das propriedades para os monges.

Ao longo dos anos Novgorod sofreu novas invasões e percalços. Mas, na contemporaneidade, a mais violenta ocupação foi a dos nazistas, durante a segunda grande guerra que é chamada pelos russos de “Guerra Patriótica”. Ao longo de suas estradas podem-se ver centenas de marcos, indicando momentos de luta do povo contra os alemães. Naqueles dias a população chegou a afundar os sinos da catedral Santa Sofia no rio Volkhov para evitar o roubo e a profanação. Também foram escondidas as estatuas e objetos sacros. Mesmo hoje, quando um camponês ara seus campos, é possível encontrar lembranças dos dias terríveis da guerra, tais como bombas, armas, objetos militares. É impossível circular pela cidade sem se deparar com essas amargas recordações, as quais os moradores fazem questão de preservar. Afinal, a cidade foi praticamente destruída durante a guerra e depois reerguida pela força de sua gente.

Atualmente, muito do seu patrimônio turístico está centrado na arquitetura das suas antigas catedrais, entre elas a velha Santa Sofia, que segue resistindo. Também está totalmente restaurado o seu kremlin, que é a fortaleza onde fica o centro administrativo e político da cidade.

Hoje, com a queda do regime soviético, a religião assoma com força em Novgorod, com em todo o país. Assim, as igrejas têm sido restauradas e recuperadas para os cultos. Durante o governo soviético, elas foram usadas como espaços administrativos, celeiros e até estrebarias. Esse foi, no dizer dos mais velhos, o grande erro cometido pelos “comunistas”. Segundo eles, o regime soviético foi muito bom para o povo do campo, mas deveria ter respeitado a religião. “Nossos templos foram profanados. Mas, agora, estamos recompondo cada um deles”.

Na verdade, a igreja russa, antes da revolução de 1917, era tão poderosa, politicamente, quanto o czar. Tanto que na falta dele quem tomava as decisões era o arcebispo maior. Isso se espraiava para cada cidade ou região. A decisão de varrer as igrejas do imaginário russo por parte do regime soviética teve muito a ver com isso, já que igreja e czar tinham o mesmo peso. 

Hoje, sem czar, quem manda na Rússia é o deus mercado, e as mudanças já se percebem. O campo voltou a ser espaço de misérias, as igrejas retomam o poder, articuladas ao estado e o futuro não se sabe o que será. De qualquer sorte, passeando pela beira do rio Volkha, o que se pode sentir é a força das gentes, que parecem sempre preparadas para enfrentar qualquer desafio.


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