quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Na rodoviária de Porto Alegre



Novembro de 2014. Ali estava eu na rodoviária de Porto Alegre. Chinelo havaiana preto, um vestido colorido, colares e pulseiras multicores, aquele jeito meio hippie de ser. Esperava a hora de volta para casa. Na mesa, acompanhava-me uma Polar, bem gelada. Olhava, distraída, o passar das gentes. Os anos se sucediam e nada ali parecia mudar. Tudo estava como há 40 anos, quando eu pisara naquela rodoviária pela primeira vez. Era 1974, eu viera com meu pai para conhecer a capital. Ele a trabalho e eu para visitar uma amiga que se mudara há pouco tempo. Pois naquela tarde de quase verão, no vai e vem das pessoas, parecia ver a mim mesma descendo do ônibus de São Borja. Cabelo longo e cheio, chinelo de couro e aquele ar de quem busca descobertas. 

Não foi a mesma cara do ano de 1977 quando ali arribei de novo, desta vez acompanhada apenas da mãe, minha irmã mais velha e o irmão caçula. Naqueles dias vínhamos, não para conhecer a capital, mas para realizar uma longa e dura travessia até Minas Gerais. Meu pai havia perdido tudo o que tinha, enganado por um “amigo”, seu sócio numa bomboniere. Fora então buscar horizontes nas terras do norte, onde tinha um irmão. E, naquele ano, nos tocava, ao restante da pequena família, subir o mapa em busca de vida melhor.

Carregávamos duas malas grandes e uma caixa com a máquina de costura da minha mãe. Era tudo o que nos restara. Lembro-me de mim. O mesmo cabelo armado, uma blusa azul, velha, de crochê, uma calça jeans desbotada e as indefectíveis havaianas. Os olhos estavam assustados, mas curiosos. Sempre fui boa com mudanças.  

Agora, em 2014, eu estava na mesma velha rodoviária que tão pouco mudara. Podia me reconhecer no vidro da lancheria. A guria de blusa de crochê azul olhava para mim, com os olhos ainda cheios de susto e curiosidade. Sorri para ela. A vida fora boa para nós. Desde aquele triste 1977, quando abandonamos tudo pela promessa de Minas, quantas águas rolaram. Quantas dores, lágrimas. Mas também quantos risos e conheceres.

Sorvendo a Polar eu voltei a sorrir para mim mesma. “Gosto dessa mulher”, murmurei. Guerreira, braba, de nariz empinado e olhar inquieto. Mas, nos rastros das minhas havaianas bem sei o que já passei. Por isso a cerveja gelada me caia tão bem, como a celebrar uma vida plena. Tive todos os apertos, mas fui feliz. Abri meus caminhos a facão, sem reclamar. Construí uma vida.
Tenho cada coisa que sonhei. Um homem para amar, bichos para cuidar, uma caneta, uma folha de papel e todas essas histórias que me pulam na cara a cada tanto. Como aquela mulher que, do nada, arrancou de si as calças, o bustier e saiu gritando, só de calcinhas, pela rodoviária. Que coisa esse Porto Alegre...

Os garotos da lanchonete saíram às pressas, com os celulares, e eu, algo cansada, apenas gritei ao que sobrara: 

- Quirido, mais uma Polar!

Ah, o quanto gosto da pessoa que sou, toda feita de caminhos. E o quanto gosto de fruir esses momentos estelares, plenos de felicidade. Foi aí que o garçom bonito colocou na mesa o prato com o “à la minuta”.

Bueno, nada mais a dizer. Só esse sentimento de pura gratidão. 


Um comentário:

Clarice Villac disse...

Fui lendo o texto, e fui me emocionando...

Parabéns, um abraço e um beijinho pra você.