sábado, 4 de janeiro de 2014

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Enquanto sofremos o transporte de massa ruim, prefeitura planeja um teleférico

Teleférico: mais uma “iniciativa” da prefeitura às pressas e sem projeto 

Texto: vereador Lino Peres (PT) 



Até agora a prefeitura não apresentou a íntegra do projeto técnico do Teleférico, apesar de já ter divulgado o seu lançamento no dia 19 de dezembro, cujas bases técnicas questionamos. A falta de transparência é regra desde a aprovação desta obra, junto com outras, por financiamento da Caixa Econômica Federal e Governo Federal, em torno de R$ 200 milhões.

Quando esta proposta de financiamento chegou na Câmara Municipal, em início de outubro, faltavam apenas DOIS dias do prazo para encaminhamento junto à CEF, com o risco de perda de financiamento. Em função dessa urgência, eu e o vereador Afrânio Boppré não fizemos vista ao projeto nas Comissões de Constituição e Justiça e na Comissão de Viação, Obras e Serviço Público, mas a bancada governista no Legislativo se comprometeu, depois de muita negociação, a promover audiência pública para discutir o Teleférico. Isso seria feito em articulação com as demais obras viárias, incluídas no financiamento, e com uma concepção de projeto de mobilidade urbana e metropolitana.

Este acordo foi apoiado pela unanimidade dos vereadores presentes na sessão. O líder de governo, Dalmo Menezes, em mais de uma ocasião se comprometeu a dar cumprimento ao acordado, mas até hoje não promoveu nenhuma audiência pública, alegando que o setor de Obras estava desenvolvendo o projeto e, depois, que iria encaminhá-lo.

Mas pasmem! Tudo se fez sem projeto técnico e sem nenhuma discussão com a sociedade sobre que tipo de projeto é este e de que forma se articula com a proposta de corredor exclusivo de ônibus em torno ao Maciço do Morro da Cruz – esse também sem projeto técnico - e com todo o sistema viário! Resultado: o financiamento foi aprovado e será lançada a pedra inaugural agora em janeiro. Ou seja, a bancada governista não cumpriu o que foi acordado na Câmara.

Esta atitude antidemocrática se repetiu na primeira aprovação do PLC 1292/2013 (Plano Diretor) em final de novembro, e também na aprovação, em dois turnos, do PLC 1296/2013 (aumento do IPTU e ITBI) em início de dezembro, assim como o substitutivo do projeto de lei chamado Cidade Limpa. Os quatro episódios revelaram que não há independência da Câmara Municipal em relação ao Executivo, que encaminha, sem o menor respeito à casa legislativa, projetos de lei com prazos absurdos de tramitação e em total desrespeito à população de Florianópolis.

Sou coordenador do grupo de pesquisa de mobilidade urbana da UFSC (GEMURB) e reivindicamos há muito tempo um plano de mobilidade metropolitano que tenha uma coordenação consorciada entre os municípios da Grande Florianópolis, o que continua NÃO OCORRENDO.

O itinerário do Teleférico inclui três pontos de embarque e desembarque: aterro da Baía Sul, alto da Caeira e Praça Santos Dumont, próximo ao campus da UFSC na Trindade. Mas estudo do professor Werner Kraus, da UFSC, identificou sérios problemas técnicos para implantação, como, por exemplo, o alto custo da tarifa e a frequência de ventos fortes na região, que podem impossibilitar a utilização do sistema. Portanto, mais uma vez, insistimos que se reabra essa discussão, para evitar DESPERDÍCIO de recursos públicos.

É lamentável que mais uma vez uma obra como o Teleférico, como ocorreu com a Quarta Ponte e o VLT (veículo leve sobre trilhos), será tratada com um factóide desconectado de uma reflexão e planejamento para toda a  cidade e região. 


Um dia de janeiro


Ontem fui ao Centro, coisa que me dá prazer. Mas, distraída, não percebi que era janeiro. Depois de um banho refrescante fui para a parada do ônibus, em frente ao castanheira. A idéia era pegar o carro que passa por ali às 16:10. Não passou. Eram 16:25 quando ele assomou. Tudo bem, lá fui eu, ainda distraída. O ônibus desse horário faz a volta por dentro do bairro, levando em média uns 20 minutos. Levou 45. Assim, passava das cinco quando cheguei ao Terminal do Rio Tavares. Ali, a fila para o centro estava quilométrica. Se quisesse ir sentada, só esperando por uns três carros. Fui até o fiscal para perguntar sobre os horários. “Está tudo atrasado”, já foi dizendo quando me viu. “E não há carros extras? É férias, a ilha deve estar com o triplo do número de habitantes...”  Não! Não há carros extras. As empresas mantêm os mesmos horários dos dias normais. Para eles é lucro. Transportam o triplo de gente e não sofrem desgaste. Só lucro.

Eram 17:25 quando consegui entrar no ônibus para o Centro. A ida foi arrastada, mas não havia tanto engarrafamento ainda. Tudo bem. No Centro, a vida fluia sem atropelos, já que a maioria dos turistas estava na praia. As ruas estavam com movimento normal e até o mercado público, onde parei para um chope, estava tranquilo, com várias mesinhas vagas. Ufa... Fiquei ali apreciando essa minha cidade amada, deliciando-me com o por-do-sol e o vai-e-vem das gentes no caminho para o terminal. Fiquei pensando se as pessoas que planejam a cidade são capazes de coisas assim. Observar a vida real, perceber suas belezas e compreender onde estão os problemas para então resolvê-los. Nós, os que vivemos aqui, sabemos muito bem o quê fazer e como fazer.  Vivemos a cidade, andamos de ônibus, caminhamos pelas ruas, pelos bairros, sofremos os serviços públicos. Tudo parece tão simples. Mas, os que mandam estão à serviço de outros interesses. Importam-se com um número bem reduzido de pessoas. Dessas, do tipo das que vêm para o “clubes de praia” passar os verão. As que chegam de helicóptero e não sabem sequer o que seja um ônibus urbano, que não se importam com a cidade onde estão, afinal, sequer a percebem para além dos limites do seu mundo dourado.

Eram 19:30 quando resolvi votar para casa. No terminal a vida fervilhava. Moradores voltando do trabalho, turistas chegando. As filas estavam gigantes, pois os ônibus seguiam com seus horários normais. Além disso, as empresas não se preparam para os engarrafamentos e os ônibus que vêm das praias chegam todos com atraso, por conta da lentidão do trânsito. Mas, não há carros extra. Assim, os horários de saída não são cumpridos. A desculpa: são as filas. Ora, a prefeitura deveria exigir das empresas que mantivessem carros extras para colocar nos horários certos, assim, as pessoas não precisariam amargar horas nas filas. Mas, qual! Nem os fiscais ficam à vista, com medo das cobranças, as quais tampouco são muitas. No geral, as pessoas esperam, olhares tristes, mas mansos. Eu não. Faço salseiros, ainda que inúteis. 

Como as pistas da SC 405 ficam abertas para quem está voltando das praias, a ida até o Rio Tavares se estendeu por mais de uma hora. Calor de matar, ônibus sem ar condicionado, lotado até a boca. Uma antecipação do inferno. Eram 20:40 quando cheguei no terminal do Rio Tavares. Bueno, pegaria o carro das 20:45. Doce ilusão. Havia um atraso de três horários, pois os ônibus estavam parados no engarrafamento da praia. Toca a esperar. Eram 21:05 quando finalmente entrei no ônibus que me levaria para casa. O estresse é tanto que toda a beleza vivida lá no Centro, sentada na beira do mercado vendo o sol se pôr, já havia se esgotado. No coração, só aquele aperto de ver a cidade amada tão mal cuidada, tão entregue à mãos irresponsáveis. Para os turistas, que estão à passeio, tudo é festa. Um atraso, um engarrafamento, nada os tira dos sério. Mas, para a gente que aqui vive e que sabe porquê as coisas são assim, e como poderiam ser diferentes, é impossível não sofrer. 

Às 21:20 enfim desci na minha ruazinha de areia e vim andando pelo caminho com cheiro de arlecrim. E, enquanto as corujas revoavam eu pensava: “quando será que as gentes daqui finalmente elegerão alguém que cuide dessa nossa cidade e dos moradores? Quando será? Será?” 


quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Câmara vota Plano Diretor

A virada do ano




A cada dia o “bicho-do-mato” que mora em mim fica mais forte. Fujo das aglomerações, um pouco levada por aquele máxima de Nietzsche: “onde estão rebanhos, estão as águas barrentas”. Assim, qualquer atividade – fora as de luta, necessariamente coletivas - que reúnem mais de cinco pessoas já começa a me incomodar. 

Mas, desde que vim morar no Campeche virou uma espécie de tradição ir até a beira do mar na virada do ano. Porque, ali, antes que o ano brotasse, a gente podia encontrar os amigos de todo o dia, de todas as batalhas, dos projetos culturais, do cineclube, a turma da luta pelo plano diretor, os vizinhos. Aquela coisa ilhoa de ficar na praia, passeando os olhos pelas ondas, caminhando com a família, jogando conversa fora, distribuindo sorrisos e desejos de um ano bom.

Só que esse ano, a praia estava diferente. Bem antes da meia-noite, já assomava pela Pequeno Príncipe uma multidão. Gente de todos os lados, com enormes caixas de isopor, cheias de cerveja e garrafas de champanhe. Um frisson de criaturas fazendo fotos de si mesmas, muito mais ocupadas com o clic do celular do que com a festa mesma que acontecia na beira do mar. Cumpri meu ritual e fui para a praia. Mas, mesmo andando para lá e para cá, não vi ninguém conhecido. Apenas a turma do Rancho de Canoa se mantinha impávida, no morrinho, sentada nas cadeiras, olhando de cima, o aglomerado sem identidade que se formava na areia. 

Em meio aos fogos e ao barulho de uma música ruim, andei meio perdida, feito um cachorro que caiu da mudança. Perdidos estavam meus vizinhos, meus amigos, meus irmãos de luta. Nenhum sorriso simpático, nenhum abraço conhecido. Só aquela gritaria insana. A praia já não era mais a velha comunidade. Pensei no tremendo crescimento que vivemos no bairro, com tantos condomínios novos e moradores de primeira viagem. Pessoas que aqui vem morar, e não viver. Gente que não se importa em conhecer a história, as tradições, as pessoas. Pessoas que usam o mar, a praia, a paisagem, como se fosse apenas mais uma mercadoria. 

E, entre tantos rostos alegres e sôfregos, o meu acabou vertendo algumas lágrimas. Pensei na votação do Plano Diretor, acontecida um dia antes, nossa derrota, a cidade desfigurada. Bateu a saudade de um Campeche amigo, da comunidade, que, ali, já não estava mais. Na areia, garrafas e latas se acumulando, num consumo desesperado de alegria artificial. Flashes e flashes dos celulares modernos pipocando, buscando tornar a imagem mais bonita que o real. Discrentei.

Foi aí que meu amor me tomou pela mão e fomos andando de volta para casa, afastando da praia, a alma em escombros, tentando encontrar outra vez o céu verdadeiro, sem o brilho feérico dos fogos. Não havia estrelas, nem lua. A luz que escapava da barra do horizonte era a de alguns relâmpagos renitentes. E eu, bicho do mato, enfim sorri. Ali estava meu ano novo se anunciando. Cheio de raios e trovões. Xangô me arrancava da nostalgia. Dei graças! Devagar, como uma filha dileta de Oxalufã, segui na direção do meu destino. Às batalhas, Elaine, às batalhas...

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

2014 - que venha!!



A despeito de tudo, re/brotaremos...

As celebrações de um novo começo na vida das gentes são tão antigas quanto a própria raça. Nas culturas mais remotas o “recomeço” era celebrado sempre no solstício ou equinócio de primavera (dependendo do hemisfério), quando tudo começa outra vez a florir. É que como o conceito de tempo ainda não havia sido aprisionado nos relógios a vida das comunidades se regia pelas estações. Naqueles dias, o povo se reunia em festivais, cantando, dançando e bebendo em honra da terra. As mulheres engravidavam e a vida florescia. Era a completude do ciclo da existência, sempre se repetindo.

De qualquer forma, na medida em que as culturas foram se complexificando, igualmente encontraram formas de medir o tempo. Os maias, por exemplo, lograram construir um intrincado calendário com 364 dias, e mais um outro, chamado de “dia fora do tempo”. Este, celebrado em 25 de julho, marca o início do novo ciclo. Já nas culturas do médio oriente, a festa era no equinócio de março, por conta da estação. A comunidade judaica comemora sua festa de Ano Novo, ou Rosh Hashaná, uma espécie de dia do julgamento, em meados de setembro ou no início de outubro, onde as pessoas fazem um balanço da vida. Os islâmicos celebram em maio, contando o tempo a partir do aniversário da saída do profeta Maomé de Meca para Medina, a Hégira, cujo marco corresponde ao 622 da era cristã.

Na China, o “recomeço” é celebrado em datas nem sempre fixas, mas entre final de janeiro e início de fevereiro. Lá, o calendário está relacionado ao movimento da lua e conta cada mês como o mês de um dos 12 animais que se apresentaram na frente de Buda e o ciclo da vida segue esta dinâmica, sempre começando na primavera.

O mundo ocidental também institui o seu “recomeço” a partir de um deus, que não é o cristão. Foi o imperador Julio César, no ano 46 antes de cristo, que determinou o primeiro de janeiro como o dia do início do ano, em homenagem a Jano, o cuidador dos portões. Depois, mais tarde, com a oficialização do calendário gregoriano, esta data permaneceu. Os franceses deram o toque romântico chamando-o de réveillon, que vem do verbo réveiller, cujo significado é "despertar".

E assim as gentes escolhem seus momentos de despertar, de balanço, de julgamento de suas vidas. Vemos que tudo depende da cultura onde se está inserido embora a ideia seja sempre a mesma: recomeçar, jogar fora o que foi ruim, esquecer, olvidar. Começar de novo, dar-se novas chances. E assim, vai avançando a raça, buscando aquilo que os filósofos gregos insistiram em chamar de “felicidade”. Pois eu, que reverencio a terra, os animais, as forças da natureza, que amo Jesus, Maomé, Khrisna e Buda, também vou comemorar. Que venha mais um ciclo, e que seja bom. Que floresça a vida, o amor e a paz. E que todos os povos possam vibrar na mesma onda cósmica. 

Eu te convido a dançar nesta bela noite de lua clara, com os deuses e deusas, sob as estrelas. Para receber o ano novo, recomeçar... despertar! Ah, quanta bênção em se viver neste grande grande jardim!

2014 será um ano de muita luta. Estaremos juntos!!


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O Dia da Maldade. Entre protestos, Câmara de Vereadores de Florianópolis aprova Plano Diretor






Nenhum vereador conhecia o conteúdo do projeto. Votação foi no escuro

30 de dezembro. Calor de 40 graus. Florianópolis. Mais conhecida no jargão turístico como “ilha da magia”. De fato. Só a mágica explica a votação do Plano Diretor no apagar das luzes de 2013, mergulhada num festival de irregularidades e ilegalidades. Com 17 votos a favor, uma abstenção e três votos contra, a Câmara de Vereadores aprovou, sem sequer conhecer, o plano que deverá desenhar a cidade pelas próximas décadas. “Estamos votando em confiança”, disse o presidente. Como assim? Confiança em quem? Pois é, venceu o cimento. Perderam as gentes. Mas não sem luta!

A sessão da câmara começou as duas horas da tarde. Sol a pino. Ainda assim, apesar do frisson nas ruas pela chegada do ano novo e com as liquidações pós-natal, representantes das comunidades, estudantes e população em geral compareceram às galerias para exigir que a votação fosse adiada. É que os vereadores só receberam o documento com as trezentas emendas aprovadas no primeiro turno de votação apenas na sexta-feira à noite. Logo, não tiveram tempo hábil para estudar e ver como estava conformado o projeto. “O documento que nos chegou não é oficial da Câmara, é um rascunho do Ipuf”, denunciou o vereador Lino Peres (PT). Além disso, como o documento foi todo alterado pelas emendas, diz o Estatuto da Cidade que são necessárias novas audiências públicas para que a  comunidade tome conhecimento das mudanças. Nada disso foi levado em conta. Na primeira votação quase 700 emendas foram apresentadas. A maioria sequer tomou conhecimento do conteúdo. Tudo passou de roldão.

Nessa tarde do dia 30 não foi diferente. Na fala de abertura, a qual cada partido tem direito, apenas os representantes do PP, PT e PSOL fizeram uso da palavra para se colocar contra a proposta de votação. Ninguém estava a fim de discutir nada. O vereador Pedrão protestou contra a realização da sessão e denunciou a falta de participação da comunidade no processo. “Faltou transparência”, afirmou.  O vereador Lino denunciou que o texto oficial não foi divulgado pela prefeitura, o que por si só já demandaria a necessidade de mais tempo para os vereadores conhecerem o teor do Plano. O vereador Afrânio falou do absurdo que foi a câmara chamar uma sessão para discutir o Plano Diretor, no meio de outras tantas votações, e denunciou ainda que o projeto não tem a cartografia, o que impede de saber as consequências das alterações, algumas delas, inclusive, ferindo legislação federal. “Podemos cunhar esse dia de hoje como o Dia da Maldade. Florianópolis não podia ser tratada assim”. Pediu ainda a suspensão da votação.

Bastante incomodado com a presença e a gritaria da população nas galerias, o presidente da casa sequer abriu discussão sobre o pedido de Afrânio. Colocou imediatamente em votação. Os que fossem contra a suspensão da votação que ficassem como estavam. E antes que alguém pudesse respirar ele assinalou: recusado! Passou então, imediatamente à discussão do Plano Diretor. De novo, nenhum outro vereador - a não ser os mesmos três: Pedrão, Lino e Afrânio – fez uso da palavra. Os demais conversavam entre si, davam risadinhas, olhavam a internet, sem a menor atenção aos discursos que os colegas faziam na tribuna, apontando falhas e irregularidades no processo. Tudo já estava arranjado. Assim, logo após a fala dos três vereadores, de apenas cinco minutos, sem condições nenhuma de aprofundar nas consequências do plano em tela, o presidente já encaminhava a votação. O vereador Afrânio perguntou ao presidente se a Câmara tinha os documentos sobre a cartografia, ou seja, o desenho da cidade, elemento fundamental para a compreensão do plano. César Faria foi obrigado a dizer que não. Ninguém ali naquela sala sabia o que estava votando e tampouco pareciam se importar.

O vidro que separa os vereadores do público impedia que eles ouvissem a gritaria, as vaias, as palavras de ordem, mas, mesmo que estivessem escutando, não faria diferença. As cartas estavam marcadas. Vez em quando algum deles olhava para trás, como que para se certificar que ali estavam as pessoas, mas era um olhar de indiferença, ou de profundo desprezo. Os interesses que estavam a representar não era o da maioria das gentes. Assim, não adiantou argumentar que o regimento estava sendo quebrado, que leis federais estavam sendo burladas, que o processo era anti-democrático. O presidente César Faria bocejava, enfadado, sem sequer prestar atenção.

Então, depois da fala dos três vereadores que se colocavam contra o plano tal como está e pediam o adiamento da sessão, Faria colocou imediatamente em votação. Foi nominal, mas muito rápida. Um a um os vereadores, ainda que desconhecendo completamente o conteúdo do Plano foram votando pela aprovação. O vereador Tiago, do PDT, que esteve no ato público contra o Plano no sábado e até tirou foto dizendo: eu luto por Florianópolis, decidiu se abster, recebendo uma vaia gigantesca. Pedrão, Lino e Afrânio votaram contra. Em poucos minutos, estava alterado o destino da cidade. Para pior.

Nessa hora, os ânimos de quem estava no plenário se acirraram. Os vereadores comemoravam entre abraços e, alguns, ainda riam, olhando debochadamente para as pessoas atrás do vidro. Um grupo começou a bater no vidro e a guarda municipal apareceu para proteger o patrimônio. “Vendidos, vendidos, vendidos”. “Mercenários, mercenários” eram as palavras de ordem. “Que nojo, que nojo”, bradava uma mocinha, em lágrimas. Entre os jovens, a revolta. Entre os mais velhos, também uma ponta de desesperança. Foram anos de luta para desenhar um plano que tornasse a cidade melhor, e o que passava ali era um plano totalmente alterado, sem a aprovação da comunidade. Prédios altíssimos em bairros como o Estreito e o Saco dos Limões, ocupação do Morro do Lampião, permissão para a construção em cima da restinga, construções em cima de área de preservação, enfim, o circo dos horrores.

As pessoas saíram e ficaram na porta esperando pela saída dos vereadores. Com medo, eles não arredaram pé de dentro da Câmara. Os manifestantes ocuparam a rua em frente e trancaram a garagem do prédio com uma corrente. Era uma queda de braço. O vereador Badeco deu uma de valente e saiu. Ao o reconhecerem, os manifestantes saíram correndo  atrás dele. Badeco conseguiu entrar num carro, mas o mesmo teve o vidro traseiro quebrado. Ele escapuliu. Em pouco tempo a polícia chegou pedindo a desobstrução da rua. E foi todo aquele clima de tensão. Gritos, palavras de ordem, cantorias. “Vem pra luta, vem, contra o cimento!” No outro lado da rua, pessoas se postavam, assistindo, enquanto um pequeno grupo ainda insistia em, pelo menos, jogar um ovo na cara dos vereadores que votaram contra os desejos da maioria das comunidades. Os sacos de lixo da Câmara que descansavam sobre a calçada foram levados para a entrada do plenário, onde estavam os vereadores: “estamos devolvendo o lixo para o lixo”. Ao final, todos – exceto Pedrão, Afrânio e  Lino - tiveram de sair escoltados pela polícia.

Agora, com o plano aprovado, resta ainda uma carta na manga: a Justiça. Como o processo todo está eivado de irregularidades e ilegalidades, os movimentos sociais esperam que ao ser julgado o mérito da ação movida pelo Ministério Público, a votação realizada seja impugnada. Por outro lado, todos sabem que a justiça burguesa, no mais das vezes, não se manifesta favoravelmente à maioria da população. Ela tem classe. E defende os interesses da classe a qual pertence.  Assim, as esperanças são mínimas.

De qualquer sorte, o movimento por uma cidade que seja capaz de se sustentar na energia, na água, na mobilidade, com ambiente equilibrado, não termina com essa votação. As pessoas que construíram o plano diretor participativo – desfigurado pelos vereadores – seguirão na luta diária. É certo que será mais difícil, mas todos sabem que é a luta que faz a lei. O que causa revolta é saber que a destruição andará a galope e, depois de consolidada, muito mais duro será voltar ao que era. Se uma área de preservação for ocupada com prédios, como voltar atrás? Se a restinga desaparecer, como recuperar? São questões que agora ficam a martelar, ainda sem solução. A única coisa certa é mesmo a continuidade da batalha renhida contra aqueles que cotidianamente entregam a cidade para a especulação e para o lucro de alguns.  

O ano acaba, mas a luta segue!