terça-feira, 2 de julho de 2013

Jornalismo, jornalistas e o dever da verdade

Por José Cristian Góes*

Impressionante como alguns colegas jornalistas não conseguem entender (ou não querem) o porquê das ações agressivas e persistentes contra repórteres e veículos de comunicação em quase todas as manifestações pelo país. Convenhamos, não precisa muito esforço para querer entender esse fenômeno.

Primeiro, deixo bem claro meu posicionamento contundente contra qualquer violência, seja do Estado, do mercado e das pessoas. Nada, absolutamente nada justifica a violência, nenhuma forma violência, nem as explícitas e nem as veladas. É o que penso.

As manifestações que tomam contam do país têm uma pauta muito além da redução do preço do ônibus e isso parece bem clar o. No fundo, os atos apontam consistentes críticas às instituições sociais porque elas não responderiam mais as demandas, as necessidades da sociedade. 

A corrupção privada e pública, a injustiça contra muitos e o grande lucro de poucos são centrais no sistema capitalista. As instituições sociais foram tomadas pelo capital e por seus interesses, estando mergulhadas até a alma nesse fosso. Nos limites do capitalismo elas esgotaram-se.

Mas que instituições sociais são essas? A Política, por exemplo, (partidos, regras e financiamentos eleitorais, participação); o Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) e sua forma de organização e financiamento; a Organização social (associações, sindicatos, entidades religiosas); o Jornalismo (imprensa).

Essas instituições têm um traço comum: a representação social. E a essência da crítica estaria aí. Esclarecendo, política, Estado, entidades civis, imprensa não mais re presentam de forma preponderante os interesses da maioria. Vivemos uma crise de representatividade. Isso é um fenômeno mundial e já faz tempo. O descrédito é a tônica.

Ocorre que as instituições não são entes abstratos. Elas se materializam nos homens e mulheres que as compõem e em suas atividades cotidianas. Na prática, a crise está na enorme distância entre representantes e representados, entre compromissos e realizações, entre promessas de fidelidade e ações concretas de traição, entre o discurso e a prática. 

O PT, apenas para citar um exemplo, enquanto ideia de realização contribuiu imensamente para essa desesperança, à medida que inverteu significativamente à lógica da esperança depositada nele.

E a imprensa nessa história? 

O jornalismo também é uma instituição social e adquire essa condição porque se comprometeu com a sociedade com o “dever da verdade”, doa em quem doer. Ou não foi is so? Nós (as audiências) concedemos ao jornalismo a tarefa de representação dos interesses de todos. Acreditamos ser o jornalismo um farol que nunca se apaga, isto é, estará sempre atento e pronto (sem jamais descansar) para fiscalizar e denunciar, por exemplo, os atos corrupção no sistema político.

Há um contrato tácito entre jornalismo e sociedade. Esse acordo prevê que o jornalismo oferecido pela imprensa a todos considera que a informação de relevante interesse público é um direito fundamental para o exercício da cidadania e que os jornalistas não podem admitir que esses direito seja impedido por nenhum tipo de interesse (Código de Ética dos Jornalistas). Grife-se: nenhum tipo de interesse.

Agora, avalie criticamente: Imprensa e jornalistas têm cumprido esse acordo do dever da verdade? As coberturas da imprensa revelam a supremacia absoluta do interesse público sobre os interesses privados? Como tem ocorrido a seleção e o enfo que das notícias? Há manipulação e inversão? Há mentira em lugar da verdade? Omite-se para atender interesses políticos e econômicos? Há sensacionalismo e criminalização das camadas populares? Quem tem fala preponderante nas notícias: os políticos, os empresários, o Estado, a polícia? 

À prática cotidiana do jornalismo impõe-se o exercício da reflexão sobre a atividade jornalística, exatamente em razão de a imprensa ser uma importantíssima instituição social. Infelizmente essa avaliação da prática do jornalismo é raríssima entre os próprios jornalistas e impensável pelos meios. Aliás, a mídia – enquanto sistema - tem verdadeiro horror e pavor da ideia de receber críticas, o que é profundamente antidemocrático.

Alguém apressadamente pode gritar: mas o jornalista é apenas um profissional que estaria a serviço da empresa, do dono dos meios. Calma com o andor. Não é bem assim, não. De fato, não se pode desconhec er que a maioria dos veículos está nas mãos de políticos, de suas famílias e de gente que trata o jornalismo como negócio. Independente da linha política dos empresários e da natureza das empresas, o jornalista é corresponsável em todo processo de informação.

O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos e ele deve pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação (Código de Ética dos Jornalistas). Não é o dono do veículo quem vai para rua, não coloca o revólver na cabeça do repórter diz como deve ser feito o trabalho. Nenhuma linha editorial pode contrariar o dever da verdade, a precisa apuração e divulgação dos acontecimentos.

Um fato concreto: há uma manifestação de 15 mil pessoas nas ruas. Movimento pacífico. O ato dura mais ou menos seis horas. São inúmeras as reivindicações, as pautas, as figuras, as músicas, etc, etc e etc. O ato termina tran quilo. Depois de encerrado algumas pessoas (seis ou sete) resolvem jogar pedras e tocar fogo. Alguns são presos. Claro, a imprensa cobre tudo e tem que cobrir mesmo. É acontecimento.

Quando vai se noticiar estão em destaque nas manchetes e fotos, isto é, como enfoque principal sobre a manifestação: “depredação, crime, vandalismo, quebra-quebra, saques, ônibus incendiado, terror, bombas, paus e pedras, etc, etc”. O ato foi isso mesmo? Só isso? São presas 31 pessoas (muitas sem provas), todas rotuladas como “bandidos, criminosos, canalhas, vermes, pulhas”, etc e etc. Nas notícias a versão oficial é a versão da polícia, e apenas são revelados os nomes e fotos dos presos, não por coincidência, pobres. Ou seja, há uma profunda desproporcionalidade na angulação do acontecimento, inversão, manipulação e a sociedade não engole mais passivamente isso.

Assim, a cobertura jornalística não informa, apenas contribui para o medo, p ara o pânico social, criminalizando todo e qualquer movimento reivindicatório. Qual será a reação das pessoas na próxima manifestação diante da imprensa? De apoio ou rejeição? Pior, além de desqualificar essas e outras coberturas – por má fé ou incompetência – parte da imprensa ainda carrega a arrogância de querer dar direção, impor, manipular as pautas de reivindicações populares, incentivando o comportamento de manada, de um nacionalismo tirano e fascista.

Três detalhes para finalizar: primeiro que o povo não é bobo. Até finge ser, mas não é. Tem uma paciência imensa. Demora, demora, dá muitas e muitas chances, mas tudo tem limite e acorda. Por exemplo, não foi a grande e velha mídia quem convocou as grandes manifestações. O povo não foi às ruas por causa de sua convocação, que não existiu. Os atos ocorreriam independentemente do jornal A, da tv B e da rádio C fazer convocação e cobrir. 

Segundo que essa cris e de representatividade envolvendo o jornalismo como uma instituição social revela um modelo falido de imprensa e uma forma ultrapassada de fazer jornalismo. Não se aceita mais com muita passividade a mentira, a manipulação, a omissão, a criminalização, a versão oficial do Estado e do mercado como única e intocável verdade. O desmascaramento não trata a aparecer. As redes sociais estão em prontidão.

Não é preciso reinventar o jornalismo nem a imprensa, mas se deve dedicar ao exercício do que essa instituição social se propõe: o dever da verdade, da pluralidade, da diversidade, do senso de justiça e respeito aos direitos humanos.

E por fim, o terceiro e talvez o mais importante detalhe: esse momento de crise é excelente para que jornalistas, empresas e entidades da sociedade civil façam uma aprofundada reflexão sobre esta instituição social. Lembre-se, por exemplo, que empresas de rádio e tv são concessões públicas. Já pass ou da hora da imprensa ser pensada e repensada enquanto atividade. 

Esta é uma oportunidade que muitos, por própria arrogância, sequer cogitam debater. Bom, para esses, as coberturas jornalísticas continuarão sendo realizadas com jornalistas sem identificação, com medo em cima dos prédios, com a contratação de seguranças e colocando em risco seus profissionais, ampliando ainda mais o fosso entre jornalismo e a sociedade.

Reafirmo meu claro meu posicionamento contra qualquer violência, seja do Estado, do mercado e das pessoas. Nada, absolutamente nada justifica a violência, nenhuma forma violência. E sustento que a imprensa deveria aproveitar o bom momento para tomar um chá de humildade e reflexol. Faria muito bem ao jornalismo e melhor ainda para a sociedade.


*Jornalista e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas/SE, mestrando em Comunicação/UFS

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Receita para um dia gris


Tem esses dias em que a alma está gris. O sentimento de abandono aflora, e a gente se encolhe feito um gato de rua, esperando que alguém ofereça um afago. Mas, não. Nenhum olhar piedoso, nenhum sorriso, todos estão muito ocupados consigo mesmos. Não bastassem todas as dores do mundo a criatura ainda precisa ir à loja da Oi resolver problemas que estão pendentes há meses. É que operadoras de telefones no Brasil são empresas do cão. Não te atendem por telefone e quando atendem não encaminham o serviço. Então, estava resolvido. Haveria que ir à loja onde tem algum ser humano capaz de atender.

O problema é simples. Trocar o endereço da linha. O pedido foi feito via telefone há quatro meses num atendimento feito por aqueles seres que a gente nunca sabe se são pessoas, se são robôs, se moram em Goiás ou na China. Tudo é muito estranho e frustrante. Passam dezenas de números de protocolo e quando tu pedes para ver o atendimento referente ao protocolo eles não encontram. E assim, vai. A pessoa pendurada no telefone, tendo ataques de nervos. E aquela voz robótica a dizer: sinto muito senhora fulana, não encontramos senhora fulana. E a pessoa a se arrancar os cabelos. A puta que te pariu! E o pobre do ser do outro lado, balbuciando as mesmas palavras, numa algaravia tão impotente quanto a do que reclama.

Dois ônibus depois e lá está o vivente na loja da Oi, que fica dentro do centro de compras Beira Mar. O atendente é um humano. Confere. Até sorri. “Meu filho, tô há quatro meses querendo trocar esse endereço”. – Hum!.... Tac tac tac no computador. “Sinto muito senhora fulana, mas não podemos fazer nada. O número é de fora”. “Mas como não podem, não estão conectados? Não usam a internet?”. “Sim, mas o sistema é fechado. Só podemos entrar no 48.” E não adianta chorar, espernear, arrancar os cabelos, cair em lágrimas. Não há o que fazer. O rapaz fica olhando como um cordeiro, assustado com o ataque histérico.   

Lá vai a criatura para o Procom, ver se encontra algum aconchego. Pega a senha e fica, fica, fica. Quando chega a vez. “Trouxe o protocolo? Tem que ter o protocolo”. “Mas aquilo não vale nada”. “É, mas sem o protocolo nem adianta”. Ódio ao cubo. Tivesse uma garrucha fazia um estrago, como aquele do filme “Um dia de fúria”. Sai da sala aos prantos. Chora pelo Procom, pela Oi, pela amiga que se foi, pela solidão, pelo medo, pelo amigo que a apunhalou. Chora sem parar, desfeita, desalojada de si. Está perdida.

Então, do nada, sento o cheiro que voeja por sobre o dia gris. É quentão. Um homem, com um carrinho, cheio de pinhão e quentão. É isso. Não precisa nada mais. “Me dá um copo”. “Grande ou pequeno?” “O maior”. E ele dá o copo fumegante, aquele cheiro de cravo, canela, gengibre e sei lá mais o que. Quentinho, vai descendo garganta abaixo, aquecendo a alma cinzenta. Gole, e gole e gole. A criatura vai andando pela Felipe com o quentão fumegante. Senta na mesinha de jogar xadrez, que está vazia. E fica ali, sorvendo aquele tanto de São João, de criancices em minas, de saudade da mãe. As lágrimas vão parando, o riso vai voltando e tudo à volta vai se colorindo. Um quentão. Apenas um quentão. Bãodimaissô!