sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Greve no Imperatriz

Trabalhadores param durante a sexta-feira e decidem manter a greve no sábado, dia de maior movimento nos mercados. Assembléia foi no ginásio do SESC.


A democracia em Florianópolis




O mundo liberal burguês criou o mito da democracia como sendo a possibilidade que o povo tem de escolher seus representantes. Vota-se a cada dois anos, para prefeito, vereador, deputado estadual, federal, senador, governador e presidente. E tudo está feito. Fez-se a democracia. Os eleitos, que na campanha prometem defender as causas do povo, ao assumirem os cargos passam a defender os interesses de quem financiou a campanha, o que nunca é o povo. No geral são empresários, grupos de interesses específicos, que cobram a fatura. Assim, o povo fica a ver navios, esperando pela próxima campanha, na qual os candidatos farão as mesmas promessas.

Estamos em campanha agora. Os mesmos caras que governam a cidade há décadas expõem suas propostas como se nunca tivessem estado no poder. Falam de melhorar o transporte, a saúde, a segurança, tem quem queira colocar GPS para que o povo saiba onde está o ônibus, os que vão criar creches 24 horas e nas férias, para que as mães possam trabalhar tranquilas. Enfim, um festival de bobagens. Na outra ponta, as gentes, alucinadas com a dura tarefa de sobreviver, que se encantam com a tela fosforescente e acreditam nas promessas. Sem tempo para pensar a realidade e se organizar numa verdadeira democracia participativa, acossadas pela necessidade de ganhar a vida, as pessoas preferem crer nos representantes e esperar que eles os salvem. Não é assim, nem nunca será.

Esta semana a prefeitura organizou uma cena digna de compaixão. Juntou trabalhadores do Posto de Saúde do Campeche e da região, famílias amigas, políticos inescrupulosos e propuseram uma obra ao bairro: um novo Posto de Saúde, desta vez próprio, pois o que tem está em casa alugada. A prefeitura recebeu uma grana do PAC e precisa gastar tudo até o final do ano. Estava com pressa. Aproveitou as eleições e colocou para o povo a possibilidade da construção do Posto no mesmo lugar onde a comunidade, há décadas, pede a criação de uma Parque Cultural. Pois algumas lideranças comunitárias, dessas que estão na luta orgânica desde sempre  foram à reunião para tentar explicar que o Campeche tem muitos outros terrenos onde o Posto pode ser construído. Por que escolher o lugar do parque?

Na verdade, quem luta no Campeche sabe porque a prefeitura veio com essa proposta. Porque o Parque Cultural é uma proposta do movimento popular, dos que lutam por uma bairro-jardim, por vida boa para todos, dos que batalham por espaços de convivência que integrem e organizem a comunidade. E essas coisas tem de ser destruídas pelo poder instituído. Impor uma derrota ao movimento, esfacelar os sonhos, dividir as gentes.

E foi o que se viu. Moradores contra moradores, pessoas simples, gente que convive diariamente e sofre a falta de espaços de lazer e de organização, acusando os lutadores sociais de estarem contra o Posto de Saúde.  Ou seja, desvirtuando completamente as coisas. O que se propunha era o Posto em outro lugar. E há terra demais para isso. E não teve jeito. Como a prefeitura havia organizado as famílias e os trabalhadores, a proposta passou. Derrota para o movimento social, desgaste, tristeza. As lutas de anos a fio indo pelo ralo.

Não bastasse isso, os vereadores da cidade, na surdina, sem divulgação alguma, e no apagar das luzes antes das eleições, aprovaram uma série de alterações de zoneamento, quando todo o movimento de luta por um Plano Diretor vem exigindo um defeso nessa área. E o que significa isso? Que não deve haver alteração de zoneamento enquanto não se decidir o plano diretor. Isso foi decisão das comunidades, das gentes que estão há mais de cinco anos discutindo o Plano Diretor. Mas quem diz que vereador representa o povo? Eles representam os interesses imobiliários, dos poderosos, dos ricos. E, surdos às gentes, aprovaram proposta do vereador Dalmo de Menezes (candidato de novo)  alterações na lei que limita o número de andares nos prédios do Cacupé, abolindo a decisão do povo que exigia a continuidade da regra dos dois pavimentos. Aprovaram ainda outra lei que altera zoneamento no Campeche, de autoria do vereador João Aurélio (candidato de novo). E outro do Dalmo Menezes que incentiva a construção de shopings na cidade, e mais outros quatro projetos que também alteram o zoneamento de áreas no Saco Grande, Vargem Grande, Pântano do Sul e Centro, apresentados pelos vereadores Ricardo Vieira e Jaime Tonelo (candidatos de novo). Candidatos de quem?

"Ah, mas tem um que cria um parque", pode dizer algum mal-intencionado. Não importa. O que tem de ficar claro é que os movimentos sociais, as pessoas envolvidas com a construção do plano diretor haviam decidido pelo defeso. Por que não são escutadas? Porque o que vivemos não é uma democracia. Porque o que manda é o poder financeiro, os caras que investem, que criam negócios altamente lucrativos para muito poucos.

A democracia deveria ser a aceitação da decisão da maioria. Mas isso é burlado todos os dias, em quase todos os espaços. E quando o poder quer fazer passar seus interesses eles arranjam a maioria, levam pessoas, compram corações e mentes, muitas vezes ingênuos, acreditando fazer bem à comunidade.

E assim vamos seguindo nessa cidade triste, onde a voz das gentes não é escutada. Mas, cada derrota sofrida serve de mola para que a luta siga. E os que estão aí por anos a fio batalhando por uma cidade boa de viver não se abatem com as manobras governistas e com a ação dos que praticam a pequena política. Tem muita gente que consegue levantar o véu dessa democracia de mentira, consegue ver o que está debaixo do pano, consegue compreender e encontra forças para avançar.

O Campeche, lembra a educadora Telma Piacentini, é espaço de surfistas e eles nos ensinam todos os dias que sempre vem uma onda melhor. Eles ficam ali, deitados na prancha, esperando por ela. E quando ela vem, eles assomam, cavalgam e domam. Hoje, os vereadores, a prefeitura e os pequenos políticos nos pegaram...Mas é bom que saibam, estamos aqui, na prancha, esperando a onda. E ela vem... ela sempre vem... 


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Trabalhadores do Comper lutam e conquistam



A greve dos trabalhadores do Comper terminou ontem as três horas da tarde. Depois de uma reunião com a representação patronal, o sindicato conseguiu garantir importantes avanços no que diz respeito às reivindicações. Os trabalhadores amanheceram a quarta-feira de braços cruzados, exigindo aumento salarial e melhoria nas condições de trabalho. Com um salário de pouco mais de 800 reais, muitos deles trabalhavam mais de 10 horas e ainda sem a função regularizada na carteira.

Segundo o presidente do Sindicato dos Comerciários a repercussão da greve foi muito grande na cidade e os patrões decidiram negociar. Foi fechado um acordo que definiu o seguinte:

Alimentação - Os trabalhadores reivindicavam uma alimentação decente, visto que a empresa terceirizada que atende o supermercado enviava marmitas com comida velha, revirada,  e às vezes, estragada. O Comper se comprometeu em fiscalizar a alimentação e se não melhorar, em 30 dias pode romper com o convênio.

Folgas  - O supermercado se comprometeu de não burlar mais a escala de folgas e cumprir a lei de, a cada 15 dias, estabelecer uma folga ao trabalhador. Essa cláusula há muito não vinha sendo cumprida com alguns chegando a ficar mais de 30 dias sem folga.

Feriados - O supermercado abria nos feriados e, em vez de folga, levava para o banco de horas. Isso também não vai mais acontecer, segundo o acordo.
Anotação das funções  - Muitos funcionários desempenhavam funções diversas, sem a devida anotação na carteira. Agora, o supermercado terá trinta dias para regularizar a situação.

Aumento salarial  - Como os trabalhadores do comércio tem sua data-base em primeiro de outubro, estão em processo negocial. Ficou acordado que na reunião do dia 26 de setembro, a representação do Comper vai participar e ficar mais presente no processo.

Para Leal Martins Nobre, a mobilização dos trabalhadores deu uma grande lição na cidade. Quando a exploração é demais, as gentes se levantam. Mesmo arriscando o emprego, os trabalhadores sabiam que como estava não podia ficar. "Não chegamos a 100% das reivindicações, mas garantimos 80%. Foi vitorioso". Segundo Leal, também houve o comprometimento do Comper em não retaliar os trabalhadores que participaram da mobilização.

Hoje de manhã, tão logo abriu o mercado, os clientes chegaram fazendo festa e parabenizando os trabalhadores. Havia sorrisos tímidos e um pouco assustados, mas uma clara satisfação por ter feito o que é preciso fazer para manter a dignidade.

No dia 19 de setembro, a oferta do dia foi: GREVE! E que os patrões coloquem as barbas de molho...

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Tiririca



O tempo passa, o tempo voa, mas os preconceitos seguem firmes enraizados na alma das gentes. Hoje, lendo as mídias sociais e os órgãos de comunicação on-line, pude observar os comentários maldosos acerca do fato de o deputado Tiririca ter sido considerado um dos 25 melhores parlamentares no Congresso Nacional, escolhidos pelos jornalistas. As pessoas, via e regra, acham tudo isso muito surpreendente. Viceja aí o sempre cultivado preconceito com relação aos pobres, os feios, os sujos. Para a maioria das gentes - mesmos as empobrecidas como Tiririca - é absolutamente certo que um cara semianalfabeto, vindo da periferia do país, um palhaço de circo, não poderia dar boa coisa. Seria mais um a mamar nas tetas do estado, usando as verbas parlamentares para se locupletar (encher os próprios bolsos).

Mas, uma boa olhada nos nossos Congresso, ao longo dos anos, já mostra que os mais "dignos" deputados, homens ricos, bem sucedidos empresários, doutores, enfim, da nata da sociedade, são os que estão acostumados aos desvios, às maracutaias, as tretas. Não são os "manés" aqueles que estão metidos nos escândalos, até porque quase nunca chegam a sentar numa cadeira de deputado. O poder financeiro não permite.

E o que sabemos da atuação do Tiririca? Que ele trabalha, que ele tem se esforçado e que apresentou um importante projeto para proteger a gente do circo. Olha só! Ele quer que o estado garanta ao povo do circo o direito de estar incluído na Lei Orgânica de Assistência Social, para que possam ser atendidos pelo SUS mesmo sem ter endereço. Segundo ele, os artistas circenses não conseguem atendimento médico nos posto de saúde por esse motivo: não têm endereço. Assim como não podem ter seus filhos matriculados na rede pública de ensino. Pois vejam bem, o Tiririca. Está atuando pelos direitos dos que o elegeram de fato: os empobrecidos, os abandonados. Ao contrário dos deputados que se elegem prometendo cuidar dos pobres, ganham o voto dos pobres, e depois se deitam na cama dos seus financiadores de campanha, cedendo aos desejos das grandes empresas, das multinacionais. Quem é o "mané" aí?

Segundo informes da Câmara dos Deputados, Tiririca é um dos nove parlamentares que registraram presença em todas as 171 sessões destinadas às votações. É presença certa nas comissões, coisa que não é obrigatória e esteve em 106 (88%) das 120 reuniões da Comissão de Educação e Cultura, da qual é titular. Também segundo os dados da Câmara já apresentou sete projetos de lei – todos voltados para o circo e a educação. Ainda não falou no plenário, mas pode ser encontrado sempre em seu gabinete, onde atende com deferência a quem quer que chegue.

Eu não sei o que vai acontecer com o Tiririca, se ele vai um dia sucumbir ao canto da sereia do poder. Se vota com a direita, se não tem muita consciência do que é o seu minúsculo partido. Mas, hoje, quero dizer que me sinto feliz por ver esse palhaço brasileiro fazer o que tinha prometido de fato. Pior do que tá não fica, dizia o seu slogan. Pensando no povo do circo, essa gente mágica que anda por aí levando alegria, discriminada e abandonada, para eles pode ficar melhor. Porque eles tem um representante de verdade. Alguém de sua classe que está lutando por eles, que não os esqueceu ao entrar nos salões acarpetados.

Também sei que não se deve idealizar as gentes empobrecidas. Não é pelo fato de ser pobre que torna alguém bom. Mas, da mesma forma, não se pode demonizá-las nem esperar sempre o pior. O Tiririca está indo bem. Meus respeitos, deputado...


domingo, 16 de setembro de 2012

Comunicação Pública e Comunicação Comunitária: algumas provocações


Podem-se separar esses dois conceitos de comunicação como sendo, o primeiro, uma comunicação feita com o controle da sociedade organizada, e o segundo, como a comunicação feita numa comunidade específica. Mas, se fixarmos bem o olhar, vamos ver que é só uma divisão didática. Tanto uma como a outra precisa da organização comunitária. E aí é que a porca torce o rabo. Vivemos num país – e arrisco dizer – num continente, onde a participação é coisa que ainda precisa ser aprendida. Países colonizados, amordaçados, useiros e vezeiros de ditaduras militares, de governos conservadores e patriarcais. Somos uma gente muito pouco acostumada a ter espaço onde dizer a palavra. Por conta disso, estamos sempre sendo representados por pequenos grupos que, com o passar do tempo, se acham no direito de dizer o que gostamos e o que não gostamos. Democracia direta é coisa distante para nós.

I
sso nos leva a questão principal que é a da comunidade. O que é isso? Como definir? O filósofo Enrique Dussel tem um conceito para comunidade que eu gosto muito. Ele diz que comunidade é o povo organizado, são as forças em ação num determinado lugar. Ora, isso nos coloca um problema, com o qual, nós, que trabalhamos com a tal da comunicação comunitária, temos de lidar todo o dia.


Vou falar da minha aldeia, para que vocês possam - se for bem sucedida – aceder ao universal. Temos uma rádio comunitária no bairro onde moro em Florianópolis, o Campeche. Ela foi criada pelo movimento organizado que se formou num momento em que a comunidade foi chamada a discutir um plano diretor. Foi um tempo rico. As pessoas se juntavam, debatiam, discutiam o bairro e, depois de muita reunião, formularam uma proposta. Foi a primeira comunidade de Florianópolis a fazer isso, nos anos 80. Mas, nesse processo, quem atuou não foi o bairro todo, eram alguns. Principalmente gente de esquerda, mas também gente nem tão de esquerda, mas que queria pensar o bairro e garantir uma vida boa. Esse movimento fez nascer um jornal impresso, o “Fala Campeche”, que passou a ser uma voz importante no bairro, dando notícias de todo o debate do plano diretor, assim como de todos os olhares que o construíram. Essa caminhada desse povo organizada, mais tarde, acabou gestando a Rádio Comunitária Campeche.


A nossa rádio, portanto, é filha de um longo processo de organização da comunidade, de um conjunto de pessoas que, por vezes, nem está tão afinada na política, mas que se afina no desejo de coisas boas para o bairro. É uma aliança tênue e frágil que temos de refazer a toda hora. Mas, ainda assim, temos conseguido manter a rádio viva desde 1994, com programas ao vivo desde 2004. Ali têm espaço todas as forças vivas que atuam no bairro, o que garante voz inclusive a algumas com as quais nem concordamos muito. Mas, isso é a democracia e a rádio está ali para o debate.


Isso significa que, tal qual na vida mesma, a luta de classe também se faz no âmbito da comunicação comunitária. É o nosso desafio diário. Todas as mazelas da sociedade se expressam naquele espaço. A comunidade se vê retratada na rádio e ocupa o espaço. Então, temos de lidar o tempo todo com a contradição. De um lado, todos os pressupostos que garantem ser a nossa rádio um espaço democrático, livre, formador de conhecimento, fomentadora dos debates e de outro, a sempre constante presença de forças que representam o contrário. Isso significa que a peleia pelas mentes e corações é diária. Assim que fica claro o quanto esse vocábulo “comunidade” encerra de conflito, contradição e complexidade.


Comunitário e popular


Nesse sentido a comunicação comunitária se diferencia totalmente de outras propostas de comunicação popular que se fazem sem essa tensão. É o caso de outro projeto no qual tomo parte que é a Revista Pobres e Nojentas, uma revista de reportagem que busca mostrar aquilo que a mídia normal não mostra. Esse é um projeto unilateral, que existe a partir do desejo de cinco jornalistas e alguns parceiros eventuais. Nós olhamos a cidade, as comunidades de periferia, os problemas, e decidimos a pauta.

Damos espaço para quem queremos e nos damos o direito de não dar voz a quem acreditamos que não mereça. É uma revista parcial, fincada na ideia de que aquele é um espaço dos que não têm ainda onde expressar sua voz. Ainda assim é um projeto de comunicação popular porque se faz na perspectiva do mundo popular e se distribui gratuitamente nas comunidades. Da mesma forma pode-se falar do blog “Palavras Insurgentes”, mantido por mim na rede mundial de computadores. Faço ali comunicação popular porque o mundo que retrato é o mundo popular. Mas, a edição, coordeno eu. Eu decido os temas, eu escrevo, faço minha análise, expresso minha opinião. E, ainda que seja um jornalismo feito “desde abajo”, ele depende só de mim.


Por isso que fazer comunicação comunitária é um desafio mais instigante. Porque nessa proposta estamos em grupo, fazendo coisas em perpétuo negociar. E isso não é coisa fácil. Porque fazer comunicação nas e para as comunidades é possível com uma só mão. Barbada, desde que tenhamos a convicção política e os meios de produção. Mas, fazer comunicação com as comunidades exige o descarte completo do ego, das certezas, e da intolerância.


Dou um exemplo com o qual nos deparamos todos os dias na rádio comunitária. Nossa rádio nasceu com o firme propósito de formar conhecimento, fugir dos temas impostos pela indústria cultural, debater os problemas locais. Mas, como agir com o associado que quer ouvir na rádio a música que é sucesso nacional, ainda que alavancada pela indústria? Como propor à comunidade um gosto que é de um grupo em particular? Essas são questões que estão sempre em pauta, discutidas à exaustão. Porque ser comunitária pressupõe estar em diálogo, e não servindo como correia de transmissão de um pensamento particular. É claro que, nesse caso, o debate se faz ao vivo, com o ouvinte participando e tendo a chance de se contrapor.


Outro elemento da comunicação comunitária que é bem contraditório é a legalização. Hoje, em Santa Catarina temos mais de 100 rádios comunitárias legalizadas. E, conforme um trabalho de pesquisa da jornalista Terezinha Silva, pouquíssimas desse grupo poderiam de fato ser chamadas de comunitárias. No mais das vezes são rádios religiosas ou comerciais mesmo, na maior cara dura. Algumas delas, inclusive, extrapolando seu espaço de abrangência e adentrando no espaço da outra. Como é o caso de uma 98.3, exatamente a mesma frequência que a Rádio Campeche, que tem sede em São José e pode ser ouvida no Campeche.


A legalização, ao mesmo tempo em que deu certa segurança para quem faz a comunicação, colocou a proposta numa camisa de força. São tantas as regras que boa parte da tesão que há em fazer comunicação comunitária se esvai. Muitas vezes, as propostas comunitárias tem uma dinâmica própria que acabam tendo de se enquadrar numa lei fria e isso afasta muita gente.


Outro elemento perturbador no mundo da comunicação comunitária é a febre dos gestores. Como o governo Lula inaugurou uma interessante lógica de financiamento de propostas populares – via os pontos de cultura – muitas das pessoas que antes faziam comunicação como uma ação política na busca pela transformação começaram a se transformar num monstro informe chamado “gestor cultural”. Isso gerou a criação exponencial de pequenas ONGs que vão se formando com duas ou três pessoas, e essas criaturas vão se fazendo gerentes de projeto, passando a administrar os recursos públicos como quem administra uma empresa. A ponto de o objeto em si da coisa – que é fazer rádio, fazer teatro, fazer cultura – passar a ser apenas um adereço, um detalhe, quando não um atrapalho, ficando a ação principal enredada no “gerir o projeto”. Penso que aqui reside um nó górdio, que precisa de muito debate.


De certa forma sou muito cética quanto esse chamado avanço da comunicação comunitária no Brasil. Porque há muito que avançar em termos estruturais para que a comunicação comunitária possa de fato cumprir seu papel com mais eficácia. Por enquanto eu penso que somos apenas resistência, e muito pouco eficaz às vezes. É uma coisa importante, mas precisa dar um salto de qualidade.


Durante os debates da Conferência Nacional de Comunicação, a gente tentou fazer a discussão num outro nível, mas não tivemos eco. Seguiu hegemônica a ideia capitaneada pelo Fórum Nacional de Democratização das Comunicações, que é a proposta de democratização. Ora, democratizar a comunicação pressupõe melhorar o que aí está. E, penso que esse modelo não deve ser remendado. Ele é ruim. Precisa de um outro, novo. Claro, conspiro da proposta de Rosa de Luxemburgo de que é preciso fazer reforma e revolução, tudo junto ao mesmo tempo. E é por isso que não consigo trabalhar só com a ideia de democratização. Há que democratizar o que for possível nesse modelo, é certo. Mas, ao mesmo tempo temos de abrir cunhas para a construção de outro modelo. Soberania comunicacional. Ou seja, a comunicação de fato na mão do povo, com todas as idiossincrasias que isso pode provocar. Por isso a experiência comunitária é tão rica, porque ali já estamos exercitando esse fazer. A soberania popular pressupõe o embate permanente dentro da comunidade, a luta de classe, viva, também no campo comunicacional.


Formar redes e tomar o poder


A república bolivariana da Venezuela foi o primeiro país da América do Sul a pensar um novo modelo de comunicação. Durante anos o governo bolivariano conversou com as forças vivas do país e conseguiu, em 2009, constituir uma lei – chamada Lei Resorte (lei de responsabilidade social em radio e televisão) – que deu nova cara para o jeito de fazer comunicação. Aqui no Brasil segue olimpicamente ignorada. Pois a lei venezuelana dá condições concretas para que a comunicação comunitária se faça, e mais do que isso, garante espaço de difusão a tudo o que é produzido nas mais remotas regiões do país. Emissoras privadas precisam ter até 70% de programação local, e foram criadas várias emissoras de rádio e TV estatais e públicas. Ou seja, houve uma mudança estrutural (revolução) e não apenas remendo (reforma). Ali, a democratização da comunicação não significa um pouquinho mais de negros, um pouquinho mais de índios, um pouquinho mais de homossexuais no rádio e na TV. Ali está em curso um processo de soberania comunicacional. Mudança, transformação.


É fato que esse processo não se dá de maneira isolada. O país também vem atuando de outra forma no embate da colonização mental que sempre tomou contra de “nuestra América”. Assim que a soberania comunicacional só pode ser possível no Brasil se houver outro Brasil também. Isso, por si só já nos demarca a titânica tarefa que temos.


Nesse sentido, nós, comunicadores comunitários e populares precisamos atuar para garantir mais eficácia no nosso fazer. Isso talvez só seja possível formando redes, potencializando nossos escritos e produções de vídeo e rádio. Em Santa Catarina estamos tentando. Criamos em 2010 a Rede Popular Catarinense de Comunicação que reúne rádios comunitárias, agências de informação, blogs, jornais eletrônicos e impressos. A ideia é que cada parceiro reproduza a informação do outro, fazendo com que um fato que seria conhecido apenas no bairro ou na comunidade, possa se expandir para além de suas fronteiras. Nessa experiência vamos capengando e acertando. Por vezes alguns veículos ficam em dificuldade, não conseguem criar informação própria, mas a coisa vai indo. Um ajuda o outro, fazemos oficinas, cursos, encontros. Vamos caminhando, porque já compreendemos que sozinhos não temos eficácia, ficamos presos no gueto.

Mas, ainda assim, isso não é suficiente. Nossas redes são pequenas, regionalizadas. Como combater com esses poucos “soldados” a força de uma informação divulgada num Jornal Nacional, ou num Jornal da Record? Essas chegam a todo território nacional, em cada cantinho desse país, massivamente.


Então, nossa meta maior precisa ser aquela que o velho Brizola tanto insistiu: temos de tomar esses meios. Eles precisam estar nas mãos populares. E essa não é uma tarefa fácil. Mas, precisa estar no nosso horizonte. Nenhuma comunicação comunitária ou popular, por melhor que seja, pode prescindir desse alcance nacional, dessa penetração de massa. O espectro é público, é nosso e temos de tomá-lo. Como vamos fazer isso é o que temos de conspirar nesses encontros que fazemos pelos cantões do Brasil, sob pena de vivermos eternamente na resistência. Basta de resistir. É hora de avançar. A luta pela soberania comunicacional é a luta classista por outro Brasil. Isso significa que as pessoas que fazem a luta pela democratização das comunicações, ou pela expansão da comunicação comunitária popular precisam também fazer a luta geral, pela mudança e pela transformação radical. Caso isso não seja feito seguiremos dando remédio para o monstro... E isso, só interessa à classe dominante.


Conferência proferida em Curitiba no 1º Curso Estadual de Comunicação Popular do Paraná. 10 de maio de 2012