sexta-feira, 6 de abril de 2012

O ponto ômega



E então ali está meu corpo, pequeno e magro. Perdido entre as milhares de pessoas que se entrecruzam na passagem do terminal urbano para o calçadão. É um turbilhão. Gente demais. E passam ligeiras demais, apressadas demais. Eu, parada, atrapalho o caminho daqueles que sequer conseguem enxergar que ali está um ser humano em estado de perplexidade e assombramento. O burburinho me aturde. Dá uma vontade louca de sentar no chão, e ficar prostrada, encolhida em mim mesmo. As pessoas passam e passam e passam, e têm pressa. O terminal parece um imenso formigueiro humano.

É quando me bate, feito um raio, a certeza da desimportância. Terrível e doce certeza, tantas vezes apregoada pelos homens santos. A nadificação do ser. Somo isso: nada. A raça caminha, independentemente de nós. Fica tudo claro. Nossa arrogância, nossa bobiça, nossa estupidez. Pensamos que se chegarmos atrasados em um compromisso estaremos fazendo alguma falta. Corremos para as coisas que temos de fazer como se, se não chegarmos, o mundo vá parar. Não paramos o nosso trabalho nem quando sentimos dor, porque acreditamos que, sem nós, tudo vai se esfacelar. Acreditamos que fazemos falta, que somos indispensáveis, que temos alguma importância na linhagem da espécie.

Bobagem. Se não vamos trabalhar, alguém faz nossa tarefa. Se não chegamos, alguém assume. Se morrermos, a vida seguirá seu inexorável caminho, e em poucos dias já ninguém mais sentirá nossa falta. Em meio ao mar de gente do terminal urbano, me deparo com o nada que sou. Um duro encontro, mas pedagógico. Uma abissal lição de humildade diante da história da raça. Somos aquele pontinho minúsculo, só visto no todo. Isolados na nossa arrogância tudo o que nos resta é o vazio.

Então me invadiu, imensa, a sensação da beleza. Sendo nada, sou tudo. O Ômega, de Chardin. Foi quando saí do imobilismo e comecei a caminhar em meio as gentes. Voltei a sorrir. Ali estava eu, minúscula, um pontinho do grande desenho humano. Num átimo, entendi a grandeza da vida, e subi a Felipe, com os olhos cheios de eternidade, fruindo cada passo. Hoje, cheguei atrasada ao trabalho, deliberadamente. Demorei em casa vendo as rosas que começam a nascer. Já não quero ter pressa... Vou aprender!



terça-feira, 3 de abril de 2012

Lurdinha, o filme


Cesar com Marcia Konder (tão lindamente Lurdinha)
Domingo. Fiz uma panelada de pipoca, enrosquei nos gatos e fui ver “Lurdinha: a vendedora de ilusões”, o filme produzido e dirigido por Cesar Cavalcanti. Queria vê-lo assim, sozinha de gentes, para ruminar saudades. Nunca esqueço quando cheguei à Florianópolis em fevereiro de 1987. Era uma segunda-feira, desembarquei na rodoviária, eu e minha velha mochila verde. Não conhecia qualquer alma nem sabia para onde ir. Busquei o posto telefônico e fiquei folheando as páginas amarelas. Pensei: hotel perto da rodoviária é sempre barato. Saí andando em busca dos tais. O primeiro que achei ficava bem em frente ao terminal e a diária era um pouco menos do que tudo o que eu trazia no bolso para passar até encontrar um emprego. Desisti.
Saí andando pela Conselheiro Mafra, onde, verifiquei, estavam os hotéis mais baratos. Foi quando eu a vi. Vinha pela rua com um vestido rosa pálido, gola alta, um cinto dourado, meias, sapatos pretos e o rosto tão maquiado que parecia uma boneca. Nos cabelos levava uma redinha. Era uma personagem. Não sei por que, mas a visão daquela mulher tão peculiar me deu força. Eu estava num lugar que tinha figuras assim, haveria de ser bom. Nunca esqueci a cena, quase cinematográfica. Ela, tão bem aparada e eu, uma “riponga” desorientada. Acabei ficando num daqueles hotéis mal afamados da Conselheiro. Não sabia que eram de alta frequência e, como sou distraída, demorei a notar. Logo fiz amizade com as moças e era um ritual ver passar a Lurdinha com sua caixinha de fósforos a fazer aquele barulhinho, chamando para o sonho da loteria.
Ver o filme de Cesar me trouxe aqueles dias de volta. O começo da vida por aqui, a descoberta desses seres tão únicos que são os moradores dessa ilha boa, a partilha amorosa das ruas com essas criaturas que são como a alma do centro da cidade. Lurdinha, a anã Catarina, o homem do megafone, a Margarida em frente à igreja, o velhinho em frente a lotérica, o pintor da Esquina Democrática, as mulheres guarani, o Uby, poeta que também já se foi. Cada um deles, um mundo, como o de Lurdinha, tão bem retratado pelo olhar sensível e Cesar e Janete (autores do roteiro).
Na fala daqueles que conviveram com Lurdinha foi brotando toda essa beleza que as figuras típicas de uma cidade vão espalhando com sua original existência. O desvelar daquela mulher que passava fazendo o ruído característico com a caixa de fósforos é o próprio desvelar de uma cidade que já está se perdendo. A Desterro daquele final dos anos 80 já não está mais. Cresceu demasiado, foi perdendo a identidade. Essa que aí está é outra, tem outra cara, outro sotaque. É bela ainda, é certo, mas, sinto que falta algo.
Não foi sem razão que o final do filme me encontrou em lágrimas. A saudade da Lurdinha é também a saudade de uma Desterro cheia de pureza, provinciana e pacata. Essa Desterro que vive em mim quando eu caminho pelas ruas arenosas do Campeche. A Desterro da Lurdinha é a cidade que a gente ainda evoca nas lutas do Plano Diretor, amorosa, terna, cintilante e amiga.
O filme é um cristal precioso, como tende a ser tudo aquilo que nos toca no ponto mais sensível da memória. Na trilha da vida daquela mulher sisuda e batalhadora eu pude me ver, guria ainda, buscando um lugar nessa cidade. Ela nunca soube, mas morava em mim como a primeira lembrança de estrangeira, espiando pelas ruas em busca de um olhar amigo. O som de sua caixinha anunciava que vida ‘invinha” (como se diz em Minas) e eu pude seguir meu caminho até onde estou.
Lurdinha é um poema e precisa ser visto por muitos mais. Nela, vive a cidade... a nossa cidade!!

Em busca da Utopia...

Um pequeno esforço de discutir a reportagem no Brasil... Espero os amigos!... 
Dia 10, terça-feira, 19h30min, na Pizzaria San Francesco, ali na Hercílio Luz. vai ter um pedacinho da boa pizza, oferta da San Francesco, sempre ligada nas coisas da cultura.




A luta pela verdade

Entrevista com Fernando Ponte sobre a ditadura e a busca das famílias pela verdade.

Compasso Aberto: ensinando a boa música