terça-feira, 26 de junho de 2012

O peão é sempre o culpado


O capitalismo dependente é o “uó do borogodó”. As empresas se dizem “modernas”, cheias de tecnologia, adeptas do livre mercado. Alardeiam a baboseira do sistema capitalista que vende a promessa de vida boa, mas só para poucos. Para a maioria é a superexploração do trabalho, o medo, a pobreza. E, no geral, a tal da “modernidade” das empresas só se faz por conta da desgraça dos que vendem sua força de trabalho para elas.

Dia desses vinha de Porto Alegre. Ônibus normal, nos quais vai a gente sem posses, o famoso convencional. Já é um pé no saco, porque para em tudo que é luzinha. Tudo bem. Lá vínhamos para Florianópolis. Eram três e meia da manhã. O pneu estourou. Até aí, tudo bem, acidentes acontecem. O motorista desce para trocar o dito cujo. Rec-rec-rec-rec. Só barulho e nada. Passam-se os minutos. Os passageiros se inquietam. É noite fechada, cai uma geada fria, tudo deserto. Depois de uns 40 minutos eu mesma não resisto e desço. É tempo demais para um pneu furado.

Lá, na noite escura, está o pobre motorista deitado sob o ônibus tentando fazer funcionar o macaco. Não funciona. Todo mundo a dar palpite e o guri suando. Rec-rec-rec-rec, nada do macaco subir. Os passageiros fazem sinal para os caminhões, os ônibus, ninguém para. Dois da Santo Anjo finalmente param e oferecem o macaco, mas o deles também é incapaz de levantar o ônibus. O fato é que os três veículos ali parados não tinham as condições adequadas para enfrentar uma simples troca de pneu.

O motorista, depois de ter tentado o que podia, inclusive arriscando a vida, decidiu ligar para empresa – Eucatur – e pedir um carro para levar os passageiros. Do lado dele ouvi o trabalhador, no outro lado da linha, dizer: “te vira aí, dá jeito, faz sinal para algum caminhão”. Os pobres motoristas são obrigados a seguir um tipo de protocolo em que fazem das tripas coração antes de propor a vinda de um novo carro. O rapaz estava bem nervoso. De um lado, pressionado pelos passageiros, de outro, sofrendo aquele terrorismo psicológico por parte de um companheiro que deveria zelar pelo seu bem estar e dos passageiros. O tal do Rodolfo, no outro lado da linha, preferiu seguir a regra patronal: sugar o trabalhador ao máximo antes de deslocar um ônibus.

A noite se estendia pelo arrabalde de Laguna, onde estávamos. O tempo passava e nada de o macaco subir. Não havia o que fazer. O motorista ligou outra vez e, de novo, era convidado a tentar mais. O rapaz, ainda jovem, era a própria imagem da culpa. Como se fosse responsabilidade dele o pneu ter furado e ele não ter força suficiente para levantar um ônibus cheio de gente. Pressionado, voltou a ligar dizendo que não havia mais o que fazer. “Então, aguardem que vamos mandar o ônibus”. E nisso tudo se passaram quatro horas. Quatro horas de espera no meio da noite.

Ao chegar fui fazer a reclamação na empresa. Nem bem entrei os funcionários me cercaram. “É sobre o atraso. Aqui o formulário”. Eu disse: “não é o atraso. Quero reclamar do terrorismo psicológico que foi feito contra um trabalhador”. Eles se entreolharam. Uma mulher saiu, acusando: “O Geraldo demorou a chamar ajuda”. Ou seja, o motorista já tinha sido julgado pelos colegas. Fora o culpado, exatamente como ele mesmo já se sentira lá na estrada. Aí alucinei e me parei a dar discurso. “Vocês são todos trabalhadores, iguais a ele. Deviam se proteger, se ajudar. Mas não, ficam aí a defender patrão. Ele cumpriu as regras impostas pela empresa. Fez o que pode e o que não pode. Que ninguém agora vá culpar o cara por isso. Era o que faltava”. E tudo isso aos gritos, enquanto as pessoas paravam para ver. Fui à agência que fiscaliza o transporte: nada podem fazer. Saí dali desolada e impotente.

E assim, seguimos. As empresas de transporte não se preocupam com a segurança de seus trabalhadores. Imaginem se vão cuidar da nossa. Estamos todos entregues ao azar.

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