sexta-feira, 16 de julho de 2010

Pobres&Nojentas: cinco anos de compromisso com o outro, real

A revista Pobres & Nojentas entrou no quinto ano de existência fiel ao seu propósito inicial. Mostrar as vozes que se expressam no mundo dos empobrecidos para que todos saibam que as gentes que não tem dinheiro e não frequentam a ilha de Caras (popular revista brasielira que mostra a vida dos ricos) também são construtoras de mundos, de belas histórias, carregadas de sabedoria, e graça, e alegria, e esperança, e solidadriedade, e cooperação. A Pobres conta de trajetórias de vida, de costumes, de mitos, de paisagens, de lugares, de receitas gostosas, de poemas, de líricas, de dores e de alegrias. A Pobres procura revelar o outro – diferente, mas real – nas suas mais diversas facetas, acreditando que a história de um ser humano é prismática, cheia de lados significantes. A Pobres entra nos bairros de periferia com suas capas estampando as vidas reais, as caras das gentes bonitas que fazem esse mundo andar. A Pobres está nas padarias, nos botequins, nos salões de beleza, nos terminais urbanos, na Banca da Catedral, e procura equilibrar denúncia deste mundo que não se quer, com a capacidade que tem as gentes de inventarem novos mundos mais próximos de seus desejos.

Outro dia, ouvindo a linda escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie falar sobre os perigos da história única e de como isso acaba criando ilusões sobre quem são os seres humanos que vivem em determinados espaços geográficos, tais quais os da periferia, me enchi de emoção ao verificar que nós, aqui no sul do mundo abiaiálico também caminhamos por estas veredas de narrar as vidas sob várias facetas, para que as pessoas possam saber que o humano é essa mistura de sombra e luz, como bem já ensinaram os orientais. Assim, compartilhando essa rica fala de Chimanda sob a necessidade de contar histórias sobre a vida real – eivada de suas contradições – reiteramos nosso compromisso de fazer da Pobres & Nojentas o espaço da vibrante aventura humana. Porque nosso propósito é mostrar nossas próprias caras, para que se possa viver a emoção igual a vivida no dia 28 de junho de 2010, quando a revista foi mostrada ao povo hondurenho via canal de televisão, tal como narra a jornalista Míriam Santini de Abreu, co-editora da P&N. “Quando Globo TV Honduras apresentava as imagens do dia no seu programa Interpretando a Notícia, conduzido pelos jornalistas David Romero Ellner e Héctor Amador, o jornalista Rony Martínez que nos visitou em março aqui em Desterro, tomou conta do programa e disse: `- Agora vou apresentar o número da Revista Pobres & Nojentas de Brasil, especialmente feito para destacar a Resistência Hondurenha naquele país. Olhem-se aqui companheiros jornalistas. Estas fotos trazem nossa história. Aqui estão os homens e mulheres da Resistência em Honduras, e os homens e mulheres que nos receberam e são nossa família lá em Florianópolis`.

Rony Martínez pediu um primeiro plano e foi mostrando e comentando página por página, toda a Pobrinhas que se unia naquele momento, em “pleno corpo físico” à Resistência Catracha. Os jornalistas que lá se encontraram, fotografados pelo colega hondurenho Ronnie Huete Salgado, se emocionaram muito e o colega Raul Fitipaldi que estava em sua casa da Ilha assistindo a emissão via internet também. Era a Pobrinha cumprindo seu papel de integrar e integrar-se cada vez mais profundamente à luta dos povos oprimidos.

Os nomes da Elaine, Míriam, Rosângela, Celso e Raul soaram musicalmente na dicção privilegiada do jornalista hondurenho que deixou saudades, junto com Ronnie Huete Salgado, entre nós, aqui na Ilha. Ficou linda a Pobres na TV de Honduras, andando passo a passo com a Resistência, marchando junto ao Povo Hondurenho a um ano do Golpe!”

Agora, o número 23 da Pobres chega com a recuperação da preciosa história de luta dos estudantes e do povo florianopolitano por um transporte urbano digno, mostra o triste destino de quem não respeita a natureza, a corajosa vida de Antônio, da Novo Horizonte e revela a criação de uma rede de comunicação popular em Santa Catarina.

A vida e seu movimento, o povo em luta. Ah, essa beleza que nos toca viver, de sermos jornalistas e podermos narrar a caminhada da raça, sem cair na lógica do “nkali” (o que quer ser maior do que o outro), como lembra Chimamanda. Mas esse insaciável desejo de compartir, como dizem os compas de língua hispânica. Na Pobres vive o jornalismo e vive o compromisso ético de não permitir a história única.

Abaixo, o enlace para o vídeo onde a escritora nigeriana Chimamanda faz ecoar, tal como nós, o compromisso com a beleza do humano. (Para ter a tradução clique em View Subtitles e marque "português")


terça-feira, 13 de julho de 2010

Outros olhares sobre a manifestação grega

O homem velho arrastava um enorme carro cheio de várias qualidades de sementes. Levava para o meio da passeata, pois ali teria cliente certo. Os gregos gostam de beliscar típicas sementes salgadinhas e outros salgados que não consegui identificar. A caminhada e as palavras de ordem não pareciam afetá-lo. Estava ali apenas para ganhar um dinheirinho. Como ele, também desfilavam imigrantes paquistaneses e indianos, vendendo água. Da mesma forma como o homem do carroção das sementes, eles passavam com as caixas cheias daquele líquido precioso, no calorão da manhã, sem se afetar.

Já os negros, vindos de lugares como a Somália, Nigéria e outros pontos da África, apareciam com enormes sacolas e espalhavam as mercadorias em alguma esquina, prontos a venderem carteiras ou óculos de sol, no melhor estilo dos nossos ambulantes. É que os imigrantes aqui na Grécia parecem ser os mais pobres entre os pobres. A eles não lhes toca a crise, pois é em crise que vivem desde que saíram de seus países para tentar uma vida nova na boa Elenika. Dizem os governantes que a terra dos filósofos é uma excelente porta de entrada para essas pessoas,cujo sonho é chegar à Europa rica, por isso eles são vistos ao borbotões, assim como também são perseguidos.

Num dia em que Atenas praticamente parou, sem transporte público de nenhuma natureza, sem comércio aberto, nem nada, apenas os negócios de lata ficaram abertos e seus donos estavam bem felizes, igualmente vendendo água, chocolates e biscoitos. Esses negócios são espécies de quiosques, feitos de lata, existentes a cada cem metros. Vendem essas coisinhas que não competem com os comerciantes mais abastados. Eles também reclamam da crise, pois os turistas, seus mais frequentes fregueses, diminuíram muito na Grécia desde o ano passado, quando começou a crise. Raros são os ambulantes no centro da cidade. Em compensação, os mendigos abundam. Muitos são homens jovens, que não encontram trabalho, e ficam a perambular pelas ruas. Também encontrei algumas senhoras, muito velhinhas, que chegam a andar curvadas, com suas mãozinhas enrugadas estendidas. Cena triste demais.

Já entre os trabalhadores que se manifestaram na greve geral ficava bem claro o número expressivo de jovens. Na caminhada das centrais sindicais GSEE e ADEDY e do Partido Comunista, eles eram os mais firmes no grito de ordem e na animação. Ninguém ali parecia derrotado, embora o parlamento tivesse votado no dia anterior pela reforma das aposentadorias. “Os direitos fundamentais não se apagam quando uma lei é aprovada. A luta por aqui vai continuar”, afirmavam. Também não havia choramingação em torno do fato de que o governo que aprovou esta lei e outras tantas medidas de arrocho seja um governo socialista. “As coisas são assim. Eles mudam e a gente luta. Se a gente continua, eles caem”.

Para os trabalhadores gregos não há qualquer sentido no plano de ajuda do FMI. Os grupos econômicos que viabilizarão o empréstimo de mais de 100 milhões de dólares são os mesmos que são credores da Grécia. Ou seja, o dinheiro entra na Grécia e logo volta para as mãos de quem emprestou, uma vez que o principal ponto da crise é justamente a dívida que o governo tem com os bancos estrangeiros. “Os ricos que paguem a conta”, este é o grito de guerra dos que saíram às ruas neste dia 8 de julho. Segundo eles, o tal ajuste, só ajusta a vida dos que sempre tiraram o escalpo do povo: os bancos. As medidas tiram 15% dos salários dos funcionários públicos, congelam as atuais aposentadorias e aumentam tempo e contribuição e idade para se aposentar. Algo muito parecido com o que aconteceu no Brasil em 2003.

A mídia eletrônica grega também nos apresenta uma sensação de estar em casa. Tirando a língua, absolutamente incompreensível para quem não a conhece, o resto é uma cópia do modelo CCN de fazer jornalismo. No dia da greve, por exemplo, parecia que era outro país que passava na TV. Poucas foram as notícias sobre a mobilização e as que apareceram vinham desconectadas, sem que o espectador pudesse compreender a totalidade dos fatos. Além disso, muitas são as matérias com governantes e legisladores afirmando que estas medidas são fundamentais para salvar a Grécia, o que leva uma boa parcela da população no bico.

Exemplo disso foi uma furiosa briga entre dois homens no trajeto da passeata. Um deles, irritado com a mobilização, começou a xingar, e um outro parou para argumentar. Ali ficaram por vários minutos a gritar um com o outro. Nenhum se convenceu. “Essa gente quer a derrocada da Grécia”, insistia o homem na calçada. Outro deja vu. Já os que seguiam pela rua bradavam que é o capitalismo o único culpado por tudo o que acontece, e não eles, os trabalhadores. “Os ricos que paguem”, insistiam.

Patrícia, uma brasileira que vive há 19 anos na Grécia, também não estava muito satisfeita com a greve. “Isso afasta os turistas”. Ela disse que desde que começaram as mobilizações os estrangeiros preferem ir para a Turquia, afetando assim toda uma rede de trabalho que vive do turismo. Ela conta que realmente as coisas estão bem ruins, pois o governo tem jogado a conta nas costas dos trabalhadores. “Os taxistas, por exemplo, estão tendo de pagar mais imposto e precisaram aumentar a bandeirada. Isso diminui os lucros deles. Tem gente que já não está mais conseguindo sustentar a família”. Mas ainda assim Patrícia parece não aprovar as passeatas e greves.

Na Grécia o salário mínimo valia 650 euros, e agora baixou para 550, uma perda amarga para os que vivem na barra da miséria. Para se ter uma ideia, um lanchinho básico, com pão e café, não sai por menos de 8 euros. A passagem de ônibus custa 1 euro, e uma olhada nas vitrines que se apresentam, iluminadas, revela que um sapato comum custa 50 euros. Tudo está muito caro para o grego comum.

O dono de uma destas bodegas de lata, místico, fala que tudo começou a ficar pior na Grécia quando o governo decidiu abandonar a moeda histórica, o dracma, a mais antiga em circulação no mundo. Com a entrada da Grécia na União Europeia, essa foi uma exigência: adotar o euro. “Nossa moeda estava aqui desde os tempos antigos, fazia parte da nossa identidade. Sem ela, fomos ruindo”. O dracma foi criado ainda no tempo das cidades-estado, antes de Cristo, e eram medidas de pagamento. A versão moderna apareceu em 1833, com a independência, e foi usada até 2002, quando finalmente a Grécia entrou na zona do euro. Agora, com a crise, já tem economista falando que o país terá de renunciar ao euro. Mais um golpe. Nem euro, nem dracma. Que a grande Atena possa proteger seu povo.

O dia de greve geral acabou em clima de melancolia. Mesmo na alegre Plaka, um espaço de bares e lojas típicas, os turistas pareciam estar mais quietos, num reverente respeito ao povo que saiu pelas ruas durante o dia todo. Apenas um garotinho, tocando uma típica guitarra grega, cantava sem parar. Mas, ainda assim, seu canto não tinha alegria. Parecia mais um dolorido lamento. Só um pequeno grupo de jovens vestidos com camisetas que estampavam Che Guevara parecia estar bem. Eles atravessavam a rua com um riso bonito na cara, jeito de quem havia cumprida a missão. “Os ricos que paguem”, falei em grego macarrônico. Eles fizeram o sinal de positivo e se perderam nas ruazinhas do bairro. Lá de cima do Partenon, os deuses também sorriram.