sábado, 10 de janeiro de 2009

Um homem bom


É bonito de ver quando um homem faz aquilo que Jesus ensinou: reparte o que tem em vez de dar o que sobra. Esta última uma opção burguesa que equivale à musculação de consciência. Já a primeira é coisa de gente especial. Foi assim com o seu Flávio dia desses. Ele é um homem que está morando ao lado da minha casa num pequeno barraco de madeira que serve de apoio a uma construção. Devagar, ali naquele pequeno espaço, seu Flávio constrói um lar. Não sei precisar sua idade, por certo menor do que a que aparece no rosto curtido de sol, resultado da labuta como pedreiro. Mas, é lépido, ágil e gosta de encerrar o dia com um pequeno prazer: desfrutar a cerveja bem gelada à sombra da árvore que enfeita o quintal.

Como a chuva não pára desde setembro a obra demorou mais do que o esperado e ele acabou fazendo amizade com os vizinhos do lado, guris novos, recém acertando as asas dos primeiros vôos. E, apesar da diferença de idade eles acabaram estabelecendo parcerias, compartilhando uma carne assada, uma gelada, um dia de chuva, uma tarde de sol. Então, os dois guris, que espichavam os olhos para a casa que crescia sob as mãos de Flávio, inventaram de fazer uma calçada no próprio lar. Coisa de garoto, metido a inventar. Tímidos, arriscaram um pedido de ajuda ao experiente pedreiro, certos de que não é coisa fácil alguém ensinar seu fazer. Mas não o Flávio.

No cair da tarde ele veio e, tranqüilo como um velho professor, foi ensinando passo a passo como fazer a guia, como colocar as tábuas, fazer a medição, misturar a massa. E, os dois guris, alegres e ávidos, foram sorvendo o saber generosamente ofertado. Assim, o pôr-do-sol daquele dezembro marcou uma destas cenas mágicas. Uma cena simples na qual um homem bom, sem medo de perder, deu aquilo que tem: a sabedoria de construir mundos. Parado à beira da obra, sem camisa, mostrando o corpinho magro, ele comandava o serviço enquanto os guris acertavam o cimento. Fez-se um gigante, imenso na generosidade, como poucos nesse mundo cão conseguem ser.

Ali, parada, olhando aquele quadro de solidariedade, amizade e entrega, eu sorri. Ainda é possível se ser feliz nesse mundão velho. Porque existem homens como o Flávio e guris querendo aprender. Na noite que adentrava ouvi os risos e os sons das colheres, retrato seguro da felicidade. E, no dia seguinte, ao sol do meio dia, havia duas obras: uma calçada e um momento único de humanidade. Seu Flávio e os guris sorviam cerveja gelada ao sol... Estava acabado!

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